Capítulo IV

Capítulo IVDO PROTESTO POR NOVO JÚRI (Revogado.) Gustavo Henrique Badaró 1 gustavobadaro@usp.br BIBLIOGRAFIA GERAL ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Dos recursos no processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010; AZEVEDO, Vicente de Paulo Vicente de. Curso de Direito Judiciário Penal. São Paulo: Saraiva, 1958. v. 2; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Intertemporal. In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As Reformas no Processo Penal: as novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma. São Paulo: Ed. RT, 2008; BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual de Recursos Penais. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2020; BRANCO, Tales Castelo. Teoria e prática dos recursos criminais. São Paulo: Saraiva, 2003; COSTA, Edgard. Consolidação das Leis do Processo Criminal do Districto Federal. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Ribeiro & Maurillo, 1919; DELMANTO JR., Roberto. O fim do protesto por novo júri e o julgamento pela mídia. 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O fundamento do protesto por novo júri era a condenação a uma pena grave, imposta por juízes leigos, que abria a oportunidade para um novo julgamento. Tratava-se, pois, de um recurso sui generis, que levava à cassação do primeiro julgamento, independentemente de qualquer erro ou nulidade, sendo suficiente a gravidade da pena imposta. Note-se, nesse ponto, que, no protesto por novo júri, não havia juízo de mérito: uma vez presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, o juiz, automaticamente, cassava o julgamento anterior. Aliás, sequer havia interferência do segundo grau no julgamento do recurso. No regime do Código de Processo Penal de 1941, o protesto por novo júri era cabível contra sentença condenatória do Tribunal do Júri, na qual seja imposta pena igual ou superior a 20 anos, por uma única vez (art. 607, caput). O recurso, contudo, era objeto de inúmeras críticas na doutrina, que o considerava um recurso desnecessário 2 e, até mesmo, uma “providência tumultuária e ilógica, perfeitamente dispensável”. 3 Como voz dissonante, pode ser citado Tourinho Filho, que defendia a permanência do protesto por novo júri, que o considerava um favor rei justificado “tanto mais quando a pena que enseja o protesto praticamente representa uma vida”. 4 Atendendo aos reclamos da doutrina, a Lei 11.689/2008, em seu art. 4º, revogou o Capítulo IV do Título II do Livro III do CPP, que disciplinava, nos art. 607 e 608, o protesto por novo júri. 2. Direito intertemporal. A extinção do protesto por novo júri, pela reforma do CPP, trouxe grande controvérsia no plano do direito intertemporal. Será cabível ou não o protesto por novo júri, nos processos que tenham por objeto crimes cometidos antes da vigência da Lei 11.689/2008 que, em seu art. 4º, revogou o protesto por novo júri? A doutrina divergiu na resposta. Uma corrente considerou que as normas sobre o protesto por novo júri são de natureza exclusivamente processual e, portanto, regidas pelo art. 2º do CPP, que prevê que a lei processual se aplica desde logo. Consequentemente, os acusados que sejam julgados após o início de vigência da Lei 11.689/2008 não mais poderiam interpor o protesto. 5 A segunda corrente entende que as regras sobre o protesto por novo júri representavam uma garantia constitucional do acusado e, em consequência, as normas que o disciplinavam tinham natureza mista – processual e material –, pelo que sua supressão não pode atingir os processos que tenham por objeto crimes cometidos antes do início de vigência da Lei 11.689/2008. 6 Para tais processos, o protesto por novo júri continua a ser cabível, sendo, pois, ultra-ativos os arts. 607 e 608 do CPP. Correta a primeira posição, embora seja necessário adaptar a regra geral do tempus regit actum, prevista no art. 2º do CPP. As normas sobre recursos são normas processuais, exclusivamente processuais, e não normas mistas. Assim, devem seguir a regra de direito intertemporal aplicável aos recursos em geral, no sentido de que a lei do recurso é a lei vigente no momento em que a decisão é proferida, como exposto nos comentários ao art. 2º do Código. Transportando tal conceito para o protesto por novo júri, se a sentença do tribunal do júri foi publicada quando não mais vigiam as regras sobre o protesto, ele não será cabível, mesmo que o crime tenha ocorrido antes do início da vigência da Lei 11.689. 7 O protesto por novo júri não é inerente ou essencial ao próprio funcionamento do tribunal do júri, tanto que não se encontra figura equivalente no direito comparado. Tal recurso se insere na disciplina infraconstitucional do tribunal do júri, sendo cabível contra algumas de suas decisões. Mas é perfeitamente possível conceber a existência do júri sem o protesto. Embora o art. 5º, XXXVIII, assegure que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei”, isso não significa que nenhuma mudança legislativa poderá ser feita no júri. Ao contrário, a Constituição remete à lei ordinária a disciplina do júri, sendo-lhe vedado, apenas, excluir a plenitude de defesa, a soberania dos veredictos, o sigilo das votações e a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Não é possível, portanto, concordar com corrente doutrinária que considerava que o protesto por novo júri se inseria entre as garantias inerentes à plenitude de defesa. 8 Respeitadas essas quatro características, poderá haver júri com ou sem protesto por novo júri. A supressão do protesto por novo júri não alterou regras abstratas ou de fixação da pena. No protesto por novo júri, a pena era um dos dados considerados para o cabimento do recurso, isto é, integrava os pressupostos de admissibilidade recursal. Mas a supressão do protesto por novo júri não ampliou os limites mínimos e máximos da pena cominada, nem possibilitou, segundo critérios legais, que se fixem concretamente penas maiores. Por uma deturpação do sistema, nos casos de homicídio qualificado, passou-se a impor penas de 19 anos, ou 19 anos e 11 meses, para evitar o cabimento do protesto por novo júri. Assim, com o fim do protesto, essa má prática não terá razão para persistir. Mas, por isso, não se poderá dizer que a supressão do protesto por novo júri significa uma majoração da pena para os crimes que antes estavam sujeitos a tal recurso. Não houve, pois, piora quanto à pena cominada ou aplicável. O protesto por novo júri também não tem relação com a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. O protesto por novo júri não assegura o direito de um reexame da causa por tribunal superior. Por meio do protesto não se obtém o reexame em segundo grau de uma decisão proferida em primeiro grau. O protesto é um recurso do primeiro grau para o primeiro grau: outro tribunal do júri irá reexaminar uma decisão anterior, do outro tribunal do júri. Não se tratava de recurso que assegurava o duplo grau de jurisdição, o que era e continuava ser, ainda que com as limitações inerentes à soberania dos vereditos, realizado por meio da apelação. O protesto assegurava não do duplo grau de jurisdição, mas um duplo julgamento em primeiro grau. Impossível, portanto, concordar com a corrente doutrinária que advogava que a supressão do protesto por novo júri fere o duplo grau de jurisdição. 9 Em suma, as normas sobre recursos são normas exclusivamente processuais. Assim, não se sujeitam à regra do art. 5º, caput, XL, da CR, que veda a retroatividade da lei penal mais gravosa. Consequentemente, a lei que irá disciplinar o cabimento, o processamento e os efeitos dos recursos é a lei vigente no momento em que a decisão é proferida. Nenhuma sentença do tribunal do júri, proferida a partir do dia 8 de agosto de 2008, mesmo que condene o acusado a pena igual ou superior a 20 anos, será atacável pelo protesto por novo júri. 3. Uma alternativa para o protesto por novo júri. Mantida entre nós a possibilidade de condenação pelo tribunal do júri por maioria simples de voto, em que um julgamento por quatro votos a três pode selar o destino da vida de um acusado, os exemplos históricos podem levar a cogitar uma alternativa para justificar a existência de um recurso como o protesto por novo júri: a pequena maioria dos votos no veredicto condenatório. No Estado de São Paulo, a Lei estadual 18, de 21 de novembro de 1891, art. 67; a Lei Estadual 80, de 25 de agosto de 1892, art. I, § II; e o Decreto 1575, de 19 de fevereiro de 1908, art. 87, previam outra possibilidade de protesto por novo júri, com fundamento bastante diverso, qual seja, a escassa maioria para a condenação. Assim, era cabível o protesto por novo júri para as condenações que a pena fosse de mais de 6 anos de prisão, mas a decisão condenatória fosse proferida por menos de dois terços dos jurados, isto é, por sete votos. Em outros Códigos Estaduais também foi previsto o protesto por novo júri em casos de decisões não unânimes. Assim o CPP do Maranhão (art. 988) o previa para o caso de condenação igual ou superior a 10 anos se a decisão não fosse unânime. No CPP do Paraná (art. 988) era cabível quando a condenação fosse igual ou superior a 6 anos e o veredicto não reunisse dois terços dos jurados. Provavelmente, a origem desse fundamento está no fato de que a condenação pela pena de morte exigia maioria qualificada. Embora o CPCrim de 1832 exigisse para a condenação apenas se fosse a maioria dos votos (art. 270), posteriormente, a Lei 261, de 3 de dezembro de 1841 passou a exigir que “a decisão do júri, para a aplicação da pena de morte será vencida por duas terças partes de votos” (art. 66). É certo, por outro lado, que o “Jury de Sentença” era composto por 12 jurados (CPCrim. de 1832, art. 259). Em suma, a condenação a pena de morte exigia 8 votos pela condenação, entre os 12 jurados. Em suma, a conciliação da pena concreta elevada, com a condenação por maioria simples, seria uma alternativa para a manutenção de um recurso nos moldes do protesto por novo júri. Professor Titular de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo, nos cursos de Graduação e Pós-Graduação. Livre-Docente (2011), Doutor (2002) e Mestre (1998) em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo. Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (1993). Advogado Criminalista. Membro do Instituto Ibero-americano de Direito Processual (IIDP), Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP) e Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). Membro do Conselho Científico do Centro de Estudos de Direito Penal e Processual Penal Latino-americano, do Instituto de Ciências Criminais, da Georg-August de Göttingen (Alemanha). Nesse sentido: Borges Da Rosa, Comentários …, p. 725; Magarinos Torres, Processo …, p. 538; Aranha, Dos recursos …, p. 153. Espínola Filho, Código …, v. VI, p. 250. Tourinho Filho, Processo …, v. 4, p. 443-444. Nesse sentido: Nucci, Tribunal do júri, p. 409; Espínola Filho, Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965. v. 5. p. 969; Mendonça, Nova reforma …, p. 143; Badaró, Direito intertemporal, p. 31-32; Grinover; Gomes Filho; Scarance Fernandes, Recursos …, p. 181. Nesse sentido: Rangel, O princípio da irretroatividade …, p. 4; Delmanto Jr., O fim do protesto…, p. 8; Gomes; Cunha; Pinto, Comentários …, p. 261; Moreira, O fim do protesto; Tourinho Filho, Processo …, v. 4, p. 496; Jesus, Código…, p. 498. Nesse sentido: Mendonça, Nova reforma…, p. 149; Nucci, Código …, p. 969; Grinover; Gomes Filho; Scarance Fernandes, Recursos …, p. 181. Defendendo a posição criticada: Tourinho Filho, Processo …, v. 4, p. 496; Jesus, Código …, p. 498. No sentido criticado: Moreira, O fim do protesto por novo júri…; Gomes; Cunha; Pinto, Comentários…, p. 261.

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Capítulo IV. Do Protesto por Novo Júri

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