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Curso de Processo Penal - Ed. 2020
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Quando se estuda o sistema processual penal, há necessidade de se estabelecer algumas regras sobre a legislação que deva ser verificada para a compatibilização das normas dentro do sistema.
Isto se deve fundamentalmente a dois motivos.
Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o Código de Processo Penal data de 24.10.1941, ou seja, desde então houve profunda modificação legal no sistema brasileiro, notadamente com a Constituição Federal de 1988.
Essas modificações havidas por força da Constituição Federal não geraram a necessária revisão do texto do Código de Processo Penal, de forma que persistem, por exemplo, uma série de questionamentos acerca da compatibilização entre as normas do Código de Processo Penal e sua recepção pela Constituição
Em segundo lugar, há que se considerar a profusão de leis em nosso ordenamento, bem como a própria globalização. Quanto à multiplicidade de leis, tem-se que, anualmente, são tantas as mudanças feitas pelo legislador, que algumas chegam a modificar a própria estrutura do Código de Processo Penal, embora não modifiquem diretamente a redação de seus artigos (pense-se, por exemplo, na Lei 9099/1995, Lei dos Juizados Especiais Criminais). Assim, a tarefa da doutrina e da jurisprudência de buscar harmonizar a interpretação/aplicação das leis é incessante.
Quanto à globalização, é de se ter em mente que este fenômeno acabou por aumentar as relações entre os países e incrementou o intercâmbio entre a ordem internacional e a ordem nacional.
Desta forma, vários tratados internacionais passaram a ser firmados pelo Brasil, tratados estes que são incorporados no sistema brasileiro e precisam, portanto, relacionar-se com o Código de Processo Penal, relação esta, por vezes, conflituosa.
A norma processual penal é a que disciplina o procedimento penal em toda sua extensão. Essa clássica definição de Giulio Ubertis é seguida de uma série de classificações e distinções que passamos a apresentar. 1
Com efeito a norma processual penal possui específica estrutura e, segundo o autor italiano, elas seriam normas construtivas (norme costruttive) e que se dividiriam em normas de organização e normas de procedimento.
As normas de organização se destinam, sobretudo, a criar e coordenar algo que antes não existia. Trabalham de uma perspectiva estática, portanto. São exemplos desse tipo de norma as que criam sujeitos anteriormente inexistentes (como é o caso do assistente técnico criado com a reforma de 2008). Já as normas de funcionamento são voltadas a uma perspectiva dinâmica, dirigindo-se ao desenvolvimento da atividade dos particulares e dos funcionários públicos.
Outra observação feita por Ubertis também chama atenção acerca da estrutura da norma processual penal: trata-se de sua comparação com as normas de direito material. Essas em sua maioria prescrevem comandos ou proibições, enquanto as normas processuais trabalham com atribuição de poderes e de deveres àqueles que intervenham no desenvolvimento do processo penal.
Por fim, também estabelece distinção com a norma de direito material quanto ao critério da sanção pela violação. Enquanto a violação do direito material terá por consequência sanções de caráter pessoal (assim, temos, por exemplo, a pena privativa de liberdade como sanção pela violação da norma processual penal). Já a sanção pela violação da norma processual será a invalidação, ou pela nulidade ou pela ilicitude.
É importante deixar claro que a norma processual penal não está prevista unicamente no Código de Processo Penal, da mesma forma que a norma de direito penal material.
Assim, é importante lembrar que normas diretamente ligadas à punibilidade serão regidas pelo direito penal material, ainda que previstas no Código de Processo Penal.
Então, regras atinentes à ação penal serão ligadas, precipuamente, ao direito material, pois ligadas ao poder-dever de punir, como é o caso do prazo decadencial de seis meses previsto no artigo 38 do CPP. Outro exemplo é a perempção, figura prevista no artigo 60 do CPP.
É necessário, desde já, que se fixe conceito chave: toda e qualquer leitura do sistema processual deve ter por ponto de partida o texto constitucional. É inadmissível qualquer leitura que se ponha em contrariedade com o texto constitucional e que dê prevalência à lei sobre a regra constitucional.
Embora modernamente esta afirmativa soe com relativo consenso, a prática judiciária e, por vezes, a própria doutrina, esquecem desta noção básica sobre regras constitucionais e a verificação do direito infraconstitucional.
Assim não se pode esquecer-se da afirmação feita pelo jurista português Germano Marques da Silva: “É corrente a afirmação de que o direito processual penal é verdadeiro direito constitucional aplicado, numa dupla dimensão, aliás, como sublinha o Prof. Figueiredo Dias: na derivada de os fundamentos do processo penal serem, simultaneamente, os alicerceres constitucionais do Estado e na resultante de a concreta regulamentação de singulares problemas processuais ser conformada jurídico-constitucionalmente. Na verdade, enquanto a Constituição estabelece o quadro de valores superiores da Ordem Jurídica, ao processo penal cabe a tutela desses valores. Por isso que nenhum outro ramo do direito sofra tanto as alterações do quadro dos valores constitucionais como o processo penal”. 2
Desta forma, importa notar que não serve ao processo penal leitura simplesmente fria e formal da Constituição Federal. Importa, sim, que se tenha em mente na práxis diária a efetivação dos valores constitucionais, sob pena de a Constituição não passar de mera retórica a legitimar a barbárie. Assim temos que encontrar espaço para a compatibilização entre os tratados e convenções, a Constituição Federal e o Código de Processo Penal.
Normas de direito processual penal existem não apenas no Código de Processo Penal. Também elas estão previstas em tratados e convenções internacionais e na Constituição Federal 3 .
Não raro estas normas podem entrar em conflito entre si: o CPP ou mesmo a CF podem apresentar uma disposição que esteja em conflito com tratado internacional. Surge a questão, então, de como compatibilizar esses conflitos (antinomias).
Em um primeiro momento, dentro da hierarquia dos valores normativos, temos que a Constituição Federal está no ápice e, abaixo, estariam os tratados, leis e o Código de Processo Penal.
No entanto, essa questão precisa ser melhor compreendida. Pode acontecer de a norma infraconstitucional ser mais protetiva ao indivíduo do que a Constituição …
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