16. Violência Arbitrária (Art. 322) - Direito Penal - Vol. 5

Violência arbitrária Art. 322 – Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da pena correspondente à violência. 16.1. Considerações iniciais O delito de violência arbitrária, previsto no art. 322 do Código Penal, foi revogado pela anterior Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/1965), a qual estabelecia: “art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: [...] i) à incolumidade física do indivíduo; [...]”. Essa a correta compreensão doutrinária amplamente dominante. A nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019), contudo, não previu figura genérica similar – mas há modalidades especiais, referidas infra –, de forma que, a partir de sua entrada em vigência, a prática de violência contra outrem por parte do funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-la, se gerar lesão na vítima, constitui o crime de lesão corporal (art. 129), com aplicação da agravante genérica prevista no art. 61, II, g, do Código Penal, concernente ao abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. No caso de homicídio (art. 121), incidirá as penas desse crime, com a mesma agravante mencionada. Na ausência de lesão, perfar-se-á a contravenção penal de vias de fato (art. 21 1 da Lei das Contravenções Penais). Isso ocorre porque não existe a chamada “repristinação tácita” no Direito brasileiro. A repristinação tácita, também chamada de repristinação propriamente dita, consiste no restauro da validade da regra jurídica revogada por conta da perda de validade da regra revogadora, sem previsão expressa. É um fenômeno automático de restabelecimento de vigência. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, porém, veda essa forma de repristinação no país, conforme seu art. 2º, § 3º: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Por conseguinte, no caso analisado, como a nova Lei de Abuso de Autoridade silenciou a respeito, não se deu a repristinação do art. 322 do Codex, razão pela qual, pelas regras do concurso de normas, a única solução possível consiste na apontada. Não obstante tudo isso, o fato é que a jurisprudência majoritária das Cortes Superiores 2 jamais acolheu a posição doutrinária a respeito do tema (no âmbito estadual, há controvérsias 3 ). Assim, a edição de uma nova Lei de Abuso de Autoridade não terá o condão de alterar essa equivocada compreensão dos tribunais. Por esse motivo, mesmo entendendo estar revogado o dispositivo, será procedia à sua análise a seguir. 16.2. Objetividade jurídica Quanto à objetividade jurídica, protegem-se, em primeiro lugar, as funções públicas, isto é, o regular funcionamento das atividades públicas, por conta de sua desvirtuada prática. Demais disso, também se tutela a integridade física dos indivíduos. Dessa maneira, vê-se que se trata de crime pluriofensivo. 16.3. Sujeitos do delito Sujeito ativo do delito é o funcionário público (delito próprio, ou especial). É admissível o concurso de agentes, em face da previsão constante do art. 30 do Codex. Na hipótese de o agente ser ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, incidirá, ainda, causa de aumento de pena de um terço (art. 327, § 2º). Sujeitos passivos são, simultaneamente, o Estado e o indivíduo agredido. Quanto a este último, perceba-se que pode ser também funcionário público, não apenas particular. 16.4. Tipicidade objetiva e subjetiva O crime em destaque cuida-se de evidente modalidade de abuso de autoridade, o qual deveria constar da legislação própria a respeito do tema (como visto, Lei nº 13.869/2019). O art. 322 fixa como conduta delitiva: “praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la”. O núcleo do tipo, o verbo “praticar”, significa realizar, comete, no caso, violência contra a pessoa. Violência é sinônimo de agressão contra a pessoa, podendo redundar em lesão ou apenas vias de fato. O tipo em destaque limita-se à violência física. O crime somente pode se dar no exercício da função, isto é, no efetivo desempenho das atividades públicas (e.g., um policial fardado, em serviço no policiamento ostensivo especializado) ou a pretexto de exercê-la, ou seja, quando o agente alega ou dá a entender que está no exercício da função, sendo a violência a medida necessária para sua atuação, fatores os quais, todavia, não procedem (v.g., guarda de trânsito em horário de folga o qual usa de violência para retirar motorista de seu veículo). Elemento subjetivo do tipo é o dolo, sem qualquer especial fim de agir (tipo congruente). O abuso de autoridade ínsito ao tipo é conformado pela tipicidade objetiva, não subjetiva. Existem modalidades especiais de violência arbitrária previstas nos arts. 13 4 , 22 5 , 24 6 e 25 7 da nova Lei de Abuso de Autoridade, os quais prevalecem em face da presente incriminação por conta dos elementos especializantes constantes. Se o agente for militar ou policial militar, o crime será o do art. 333 do Código Penal Militar: “art. 333. Praticar violência, em repartição ou estabelecimento militar, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da correspondente à violência”. 16.5. Consumação e tentativa O crime é material (ou causal), motivo pelo qual se consuma com a efetiva prática da violência por parte do funcionário. A tentativa é admissível, uma vez que se trata de crime plurissubsistente. 16.6. Pena e ação penal O crime de violência arbitrária é punido com pena de detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência (art. 322). Há cúmulo de penas entre as do presente delito e aquelas relacionadas à violência (homicídio ou lesões corporais). Na hipótese de vias de fato, isso não ocorre, em face do preceituado no art. 21 da Lei das Contravencoes Penais, quando ressalva na parte final de seu preceito secundário “se o fato não constitui crime”. Existe previsão de causa de aumento de pena de um terço se o agente for ocupante de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público (art. 327, § 2º). O crime é apurável mediante ação penal pública incondicionada. Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995), desde que não presente a majorante do art. 327, § 2º. “Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.” Nesse influxo, e.g, STF, RHC nº 95.617/MG , 2ª Turma, rel. Min. Eros Grau, j. 25.11.2008, DJe 16/04/2009; STJ, RHC nº 4.120/RJ, 6.ª Turma, rel. Min. Vicente Leal, j. 29/4/1996, DJU 17/6/1996; STJ, RO no HC nº 48.083/MG , 5.ª Turma, relª. Minª. Laurita Vaz, j. 20/11/2007, DJe 7-4-2008. Cingindo-se a um só exemplo, veja-se o caso do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Entendendo que houve revogação, e.g, TJMG, Autos nº 1.0707.16.006070-3/001, 1.ª Câmara Criminal, rel. Des. Wanderley Paiva, j. 08/08/2017, DJe 14/8/2017; TJMG, Apelação Criminal nº 1.0024.04.310606-1/001 , DJe 17/02/2014. No sentido oposto, v.g., cf. TJMG, Autos nº 1.0707.09.185293-9/002, 3.ª Câmara Criminal, rel. Des. Octávio Augusto de Nigris Boccalini, j. 20/02/2018, DJe 02/03/2018; TJMG, Rec em Sentido Estrito nº 1.0707.11.011664-7/001, 3.ª Câmara Criminal, rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel , j. 26/04/2016, DJe 09/05/2016. “Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a: I – exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II – submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III – produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.” “Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem: I – coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências; II – (VETADO); III – cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas). § 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.” “Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido, com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.” “Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.”

16.1. Considerações iniciais

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