41. Coação no Curso do Processo (Art. 344) - Direito Penal - Vol. 5

Coação no curso do processo Art. 344 – Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. 41.1. Considerações iniciaisO delito de coação no curso do processo não desvela traçado histórico significativo, sendo incriminação recente. No caso brasileiro, a origem remota deu-se com figura assemelhada constante do art. 113 1 do Código Penal Republicano (1890), que vedava o uso de violência ou ameaça contra juiz ou jurado, para fins de influenciar suas decisões. A previsão subsequente, insculpida no art. 344 do Código Penal de 1940, recebeu influência do Código Penal polonês, de 1932 2 . Desde a entrada em vigor do diploma, o dispositivo não sofreu qualquer alteração. 41.2. Objetividade jurídicaO bem jurídico protegido pela figura de coação no curso do processo consiste nas funções públicas, ou seja, no regular funcionamento das atividades estatais, especificamente quanto ao funcionamento do sistema de Justiça, prejudicado na apuração dos fatos. De modo mediato, também se tutelam a integridade física e psíquica, bem como a liberdade individual das pessoas vitimadas pela violência ou grave ameaça. Trata-se de crime pluriofensivo, uma vez que ofende a mais de um interesse jurídico de cariz penal. 41.3. Sujeitos do delitoSujeito ativo do delito é qualquer pessoa (crime comum, ou geral). Não é necessário que o agente seja a pessoa contra quem foi instaurado um dos procedimentos oficiais assinalados pelo tipo, pois a redação legal refere-se a interesse próprio ou alheio. Todavia, caso seja o próprio interessado e tratando-se de persecução penal, ademais de responder pelo presente delito é cabível a prisão preventiva no procedimento originário, por conveniência da instrução criminal (art. 312 3 do Código de Processo Penal). O advogado que transmite ameaça de seu cliente para qualquer das pessoas apontadas no tipo penal em análise responde pelo crime como coautor, inexistindo imunidade a respeito. Sujeito passivo do crime é o Estado e, secundariamente, a pessoa que sofre a coação (autoridade, parte ou qualquer pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral). 41.4. Tipicidade objetiva e subjetivaA figura delitiva insculpida no art. 344 do Código Penal estabelece: “usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”. O núcleo reitor do tipo consiste no verbo “usar”, que significa empregar ou lançar mão de algo. A incriminação tem por objetivo proibir a conduta daquele que, visando interesse próprio ou de terceiro, empregue violência ou grave ameaça contra qualquer das pessoas intervenientes em um dos procedimentos oficiais elencados na figura delitiva. Violência (vis absoluta ou corporalis) consiste no emprego de força física contra alguém, mediante lesão corporal ou vias de fato. Esta última é a agressão que não produz lesão, como um empurrão. Grave ameaça (vis compulsiva), também chamada de violência moral, por sua vez, é a promessa de realização de mal significativo para outrem, com poder de intimidação (e.g., ameaça de morte ou de agressão grave, de revelação de um segredo desonroso, de demissão etc.). A grave ameaça deve ser mensurada conforme as condições da pessoa ameaçada (como idade, saúde, escolaridade, crenças, entre outros característicos). Nada obsta que o mal prometido consista em algo sobrenatural (“amarração”, macumba etc.), desde que a vítima acredite em seu potencial maligno. Objeto material do crime em análise é a pessoa física que suporta o ato de coação violento ou ameaçador. Conforme a dicção legal é a autoridade, a parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. A previsão relativa a “autoridade, parte ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir” em um dos procedimentos apontados, isto é, a dicção com duas menções pontuais seguida de fórmula casuística, aponta na hipótese para qualquer indivíduo interveniente em alguma medida em um dos casos oficialmente em tramitação. Dessa maneira, não são apenas os responsáveis pelos procedimentos, isto é, as autoridades (magistrado, delegado de polícia etc.), mas também as partes (autor e réu, assistente, litisconsorte, opoente etc.), bem como qualquer pessoa que deles participe (testemunhas, peritos, intérpretes, cartorários, advogados, oficiais de justiça, entre outros). Processo judicial é o instrumento técnico-jurídico adequado ao exercício da função jurisdicional do Estado. Como o tipo não faz ressalva, pode ser de qualquer espécie, isto é, cível, criminal, trabalhista ou eleitoral. Não obstante, se o procedimento for de natureza militar, incidirá a figura de coação, prevista no art. 342 4 do Código Penal Militar. “Processo policial” é expressão atécnica utilizada pelo legislador na presente figura, uma vez que a Polícia não possui poderes jurisdicionais. O termo deve ser entendido como sinônimo de inquérito policial, conforme a disciplina constante do art. 4º e ss. do Código de Processo Penal. Se o crime é praticado no bojo de Procedimento de Investigação Criminal (PIC) conduzido pelo Ministério Público não há que se falar em coação no curso do processo, sob pena de consagração de analogia in malam partem. Processo administrativo é aquele levado a efeito no âmbito da administração pública, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para eventual imposição de penalidade (e.g., processo administrativo disciplinar). Juízo arbitral consiste no procedimento regulamentado pela Lei nº 9.307/1996, como forma de se dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O tipo penal em análise pressupõe que o ato visado pelo coator ainda não tenha ocorrido, v.g., que o testemunho ainda não tenha sido dado, que a sentença ainda não tenha sido prolatada etc. Se a vítima já atuou, tendo o agente se comportado de modo violento ou ameaçador com escopo de vingança, afasta-se o crime de coação no curso do processo, subsistindo a figura genérica correspondente, como ameaça (art. 147) ou lesão corporal (art. 129). A lei prevê que a prática de coação no curso do processo é punida conjuntamente com a pena correspondente à violência. De conseguinte, aplica-se o sistema do cúmulo de penas, segundo o qual, além da punição prevista para a figura do art. 344 – que é de reclusão, de um a quatro anos, e multa –, será acrescida a sanção correspondente do delito de ameaça ou de lesão corporal. Elemento subjetivo do tipo é o dolo, acrescido de especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo), consistente no propósito de favorecer interesse próprio ou alheio. A intimidação que conforma o delito se perfaz com esse escopo específico. Caso a conduta seja praticada no âmago de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), haverá previsão especial de crime constante da Lei nº 1.579/1952: “art. 4º. Constitui crime: I – Impedir, ou tentar impedir, mediante violência, ameaça ou assuadas, o regular funcionamento de Comissão Parlamentar de Inquérito, ou o livre exercício das atribuições de qualquer dos seus membros. Pena – A do art. 329 do Código Penal [...]”. 41.5. Consumação e tentativaO delito se consuma no momento de emprego da violência ou grave ameaça, independentemente do êxito do almejado. Trata-se de crime formal, de consumação antecipada, ou de resultado cortado. A tentativa é possível apenas quando a conduta se denotar plurissubsistente, como ameaça perpetrada por escrito, ou por meio de uma gravação, que se extravie. Ameaça verbal ou emprego de violência – que não se confunde com atingimento do corpo da vítima – não admitem o conatus. 41.6. Pena e ação penal O crime de coação no curso do processo é sancionado com pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência (art. 344). Dessa maneira, prevê-se a regra do cúmulo de penas. A ação penal é pública incondicionada. Admite-se a suspensão condicional do processo, consoante o previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/1995. “Art. 113. Usar de violencia, ou ameaças, para constranger algum juiz, ou jurado, a proferir, ou deixar de proferir, sentença, despacho ou voto; a fazer ou deixar de fazer algum acto official: Pena – de prisão cellular por um a dous annos.” HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. IX, p. 488; NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 4, p. 376; COSTA, Álvaro Mayrink da. Crimes contra a administração pública. Rio de Janeiro: GZ, 2018, p. 271. “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.” “Art. 342. Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona, ou é chamada a intervir em inquérito policial, processo administrativo ou judicial militar: Pena – reclusão, até 4 (quatro) anos, além da pena correspondente à violência”.

41.1. Considerações iniciais

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