Vilipêndio a cadáver

Vilipêndio a cadáver Art. 212. Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. 40.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Semelhante incriminação é novidade trazida pelo Código Penal pátrio de 1940. O Código de 1830 não tratava de tal assunto, enquanto que o Código Penal Republicano, de 1890, trazia figuras acerca do temário na seara das contravenções. 40.2. OBJETIVIDADE JURÍDICA Quanto ao bem jurídico tutelado, protege-se o sentimento de respeito aos mortos, isto é, a piedade que se tem para com as pessoas falecidas, sensação individual e coletiva que envolve a morte de alguém. 40.3. SUJEITOS DO DELITO Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de vilipêndio a cadáver, inclusive familiares do de cujus (crime comum). Sendo o sujeito ativo funcionário de cemitério ou ministro de culto religioso, aplica-se a agravante insculpida no art. 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, por ter o agente cometido o crime “com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão” 1 . Sujeitos passivos são a família da pessoa falecida e a coletividade (crime vago). O cadáver não é, por evidência, sujeito passivo do crime, mas tão somente seu objeto material. 40.4. TIPICIDADES OBJETIVA E SUBJETIVA O art. 212 incrimina a conduta de “vilipendiar cadáver ou suas cinzas”. Vilipendiar traz a ideia de ultrajar, tratar com desprezo, podendo tal conduta ser perpetrada por atos, palavras, ou mesmo por escrito (crime de forma livre), desde que praticada sobre ou junto ao cadáver ou suas cinzas. Exemplos seriam tirar as vestes do cadáver, defecar ou cuspir sobre ele, atos de necrofilia e derramamento de resíduos, como urina, nas cinzas. No tocante à noção de cadáver, valem as mesmas considerações tecidas anteriormente quanto ao delito insculpido no art. 211 do Codex. Desta feita, cadáver diz respeito ao corpo humano sem vida, desde que mantida a aparência humana. Ademais, há discussões acerca do natimorto ou do feto também poderem ser tidos como cadáveres, de modo que prevalece o sentido do natimorto poder sê-lo. Igual proteção tem o cadáver que serve a fins de estudos 2 . Já as cinzas referem-se aos “resíduos da cremação ou combustão (autorizada, casual ou criminosa)” 3 a que o cadáver seja submetido. Note-se que, in casu, as cinzas foram equiparadas ao cadáver, de sorte que a incriminação abarca fragmentos do cadáver. Em outras palavras, se a proteção do tipo penal se estende até às cinzas do cadáver, de tal sorte que a lei se referiu aos extremos, também tutela o que está entre eles, e.g., partes do cadáver e esqueleto 4 . Como referido, a conduta há de ser praticada sobre ou junto ao cadáver ou suas cinzas. Isso porque a palavra, o gesto o ato, ofensivos, praticados longe do cadáver ou de suas cinzas, constituem antes ofensa à memória do morto e não o crime de vilipêndio 5 . O crime em destaque independe da vida pretérita do falecido (assaltante ou um honesto cidadão), ou do local onde se encontra depois de morto (na igreja, durante o cortejo ao cemitério, no cemitério ou no túmulo) 6 . O elemento subjetivo é o dolo, no caso, a vontade livre e consciente de vilipendiar cadáver ou suas cinzas. Há controvérsias acerca da necessidade de elemento subjetivo especial do tipo. Parte considerável da doutrina 7 entende ser preciso o escopo de aviltar o cadáver. Não lhes assiste razão. Conforme a corrente contraposta 8 , não se faz necessário o elemento subjetivo específico, bastando que o comportamento do agente, objetivamente considerado, se configure em ato de vilipêndio. Quem, por exemplo, pratica ato de necrofilia, mantendo relações sexuais com cadáver, avilta-o, buscando, exclusivamente, a satisfação da lascívia. Não há previsão da modalidade culposa. Se o agente, para fins de praticar o vilipêndio a cadáver, violar a sepultura, responderá tão somente pelo crime fim (princípio da consunção). Pode haver concurso formal entre o crime do art. 212 e o do art. 138, § 2º – “é punível a calúnia contra os mortos” – do Código Penal. 40.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Consuma-se o delito com o ato de ultraje ou com o simples ato de vilipêndio, inclusive verbal. Nesse diapasão, Noronha 9 aponta que tal pode ser tanto crime formal, como no caso de ofensa oral – sendo inadmissível a tentativa –, como crime material, e.g., um ato de vilipêndio, podendo haver a forma tentada em tal hipótese. Ainda, há a possibilidade de se configurar o delito como crime permanente, por exemplo, “quando se expõe o cadáver por vários dias de maneira ignominiosa, configurando-se o vilipêndio” 10 . 40.6. PENA E AÇÃO PENAL O delito de vilipêndio a cadáver (art. 212) é sancionado, cumulativamente, com pena de detenção, de um a três anos, e multa. Prado 11 considera que, comparativamente ao levado a efeito nas demais incriminações do capítulo – arts. 210 e 211, nos quais se cominou reclusão –, a pena cominada ao delito insculpido no art. 212 demonstra desrespeito à proporcionalidade que tem de haver entre a sanção penal e a magnitude da lesão ao bem jurídico. A ação penal é pública incondicionada. Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, v. II, p. 459. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal São Paulo: Saraiva, 1998, v. 3, p. 89; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 1992, v. 2, p. 245. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal Rio de Janeiro: Forense, 1955, v. VIII, p. 84. Nessa linha, Noronha julga ser aplicável o argumento a minori ad maius NORONHA, E. Magalhães. Direito penal…, cit., pp. 89-90. No mesmo sentido, e.g., PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., p. 458, ressalvando que “é preciso verificar, no caso concreto, se o esqueleto ou a caveira ainda suscitam o sentimento de respeito para com os mortos, posto que é importante não olvidar que o fim colimado por esse dispositivo não é proteger o cadáver, o esqueleto em si, mas o sentimento de respeito dos vivos para com esses”. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal…, cit., p. 89. PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., p. 457. Dentre outros, e.g, FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 1988, v. I, pp. 679-680; NORONHA, E. Magalhães. Direito penal…, cit., p. 89; JESUS, Damásio de. Direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2007, v. 3, p. 86; COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito penal: parte especial – injustos contra a sociedade. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. 6, p. 154; PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., pp. 458-459; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2019, v. 3, p. 515. COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de…, cit., p. 246; GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. Niterói: Impetus, 2019, v. II, pp. 1068-1069; BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte especial 1. São Paulo: Atlas, 2014, p. 783. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal…, cit., p. 90. Em sentido semelhante, PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., p. 459. PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., p. 458. PRADO, Luiz Regis. Curso de…, cit., p. 459.

Direito Penal: Parte Especial: Arts. 155 a 234-B

Art. 212

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