Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos. 49.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O artigo 218-A do Código Penal foi introduzido no ordenamento pátrio por meio da Lei nº 12.015/2009, que reformou os crimes sexuais. Semelhante figura não tem precedentes nos Códigos de 1830 e 1890, nem na redação original do Codex de 1940. Tal incriminação pretendeu preencher uma lacuna legislativa, tendo vista que o antigo delito de corrupção de menores do art. 218 apenas abarcava vítimas entre os catorze e dezoito anos de idade. Observa Bitencourt 1 que o nomen iuris de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente não guarda a correta correspondência com o preceito primário do tipo, que usa a locução “na presença”. Isso porque a expressão “mediante presença” remete à ideia de que a presença da vítima seria o meio para praticar o crime, enquanto que “na presença” constitui elementar normativa do tipo, a qual define a ilicitude da conduta incriminada. 49.2. OBJETIVIDADE JURÍDICA Existem divergências doutrinárias quanto à precisa identificação do bem jurídico tutelado no caso. Alguns identificam a proteção na liberdade sexual, o que se mostra artificial em razão de se vitimar pessoas com menos de catorze anos, as quais não possuem ainda a necessária autonomia a respeito. Demais disso, é arbitrário e impreciso referir-se à normalidade sexual. Finalmente, cogitar-se em moral vai de encontro a um Direito Penal democrático, que pretende a tutela de interesses fundamentais para a convivência social. Dessa maneira, o interesse em jogo é relativo ao resguardo da formação da personalidade das vítimas, para que possam decidir seu comportamento sexual livremente e sem traumas psicológicos no futuro. 49.3. SUJEITOS DO DELITO Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente. Cuida-se, portanto, de crime comum, que pode ser perpetrado por homem ou mulher. Caso o ato sexual seja praticado por duas ou mais pessoas na presença do menor, com o fim de satisfação da lascívia de cada qual, todas respondem enquanto coautoras. Sujeito passivo é a pessoa menor de catorze anos. 49.4. TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA O art. 218-A tipifica as condutas de: a) praticar, na presença de alguém menor de catorze anos, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem; e b) induzir menor de catorze anos a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem. Cuida-se de tipo misto alternativo, de ação múltipla ou de conteúdo variado. Dessa feita, se o agente realiza a conduta de induzir e posteriormente pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso na presença do menor de catorze anos, tratando-se do mesmo contexto fático e mesma vítima, há crime único. Praticar diz respeito a realizar, efetuar, executar. Nessa primeira figura, o agente simplesmente realiza o ato sexual ou libidinoso consciente de que é assistido por um menor de catorze anos. Conjunção carnal diz respeito à cópula entre o órgão genital masculino e o feminino (introdução, total ou parcial, do pênis na vagina). Ato libidinoso é aquele concupiscente, relacionado à satisfação sexual, como o sexo oral, sexo anal, masturbação. A prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso deve ser perpetrado na presença de alguém menor de catorze anos. Assim, o menor de catorze anos tem de assistir aos referidos atos, sem participar deles. Há controvérsias acerca da maneira que o ofendido presencia tais atos, isto é, se seria necessária sua presença in loco, ou se à distância, por meio de recursos tecnológicos, já seria suficiente para a configuração típica. Em que pese opiniões em contrário, a vítima deve estar presente fisicamente no local em que ocorre a cena de libidinagem, não abarcando o tipo a ciência por meio de aparatos tecnológicos. “Presente” é quem está em determinado lugar. Demais disso, não se deve esquecer que o Direito Penal é a ultima ratio de controle social de condutas lesivas a interesses fundamentais, sendo que assistir ao ato pessoalmente mostra-se muito mais gravoso do que por meios eletrônicos. Por fim, o legislador de 2009, que criou a presente incriminação, não ignorava a tecnologia, tanto que se referiu expressamente a ela em outras incriminações erigidas por meio da Lei nº 12.015, razão pela qual, quisesse abarcar a visualização por meio de equipamentos eletrônicos, teria a isso se referido. No que tange à hipótese de induzir menor de catorze anos a presenciar conjunção carnal ou outro ato libidinoso, o núcleo induzir refere-se a fazer surgir uma ideia, persuadir o menor de catorze anos a assistir a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Destaque-se, uma vez mais, que a vítima não tem participação, ativa ou passiva, na conjunção carnal ou outro ato libidinoso. Em outras palavras, o ofendido não tem qualquer contato físico com o agente que está praticando o ato libidinoso, apenas o observa. A participação da vítima configura estupro de vulnerável (art. 217-A). Trata-se de crime de forma livre. Desta feita, v.g., o agente pode induzir a vítima por meio de palavras, textos, imagens, ou qualquer outro meio idôneo à persuasão. O elemento subjetivo é o dolo. Há elemento subjetivo especial do tipo, concernente ao intuito de satisfazer lascívia própria ou de outrem. Não há previsão da modalidade culposa. Cumpre distinguir o delito em comento daquele previsto no art. 241-D 2 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Quanto ao art. 218-A do Codex, o agente objetiva que a vítima presencie a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, para assim satisfazer a lascívia própria ou alheia; já no caso do art. 241-D, o sujeito passivo é menor de doze anos, e o agente induz ao acesso a material pornográfico para que a vítima pratique com ele ato libidinoso. 49.5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA No que tange ao art. 218-A, em qualquer caso, consuma-se o delito com a efetiva prática do ato libidinoso ou conjunção carnal na presença da vítima. A satisfação da lascívia do agente ou de terceiro não interfere na consumação, sendo tal mero exaurimento do crime. Em outros termos, pouco importa se o agente ou terceiro atingiu o orgasmo. Admite-se a tentativa apenas na segunda figura prevista (indução), como na hipótese em que, após o menor de catorze anos ser convencido pelo agente a presenciar o ato sexual, policiais intervêm no momento em que esse último está retirando a roupa. No primeiro caso, ou há a prática da conduta sexual na presença ou sem a presença do menor de catorze anos, isto é, ou se está diante do delito consumado ou de meros atos preparatórios. Trata-se de crime formal, vez que o tipo não prevê resultado naturalístico destacado do comportamento delitivo. Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) 3 exarou entendimento no sentido de que “é impossível a absolvição do paciente pelo crime do artigo 218-A sob o argumento de que a vítima, uma bebê de cerca de 8 (oito) meses de idade, não teve o seu desenvolvimento ou a sua dignidade sexual atingidos pelo ato libidinoso, uma vez que o objeto jurídico do delito em questão é a liberdade sexual, tratando-se de ilícito formal, que prescinde do efetivo comprometimento do menor ou da satisfação da lascívia do agente para a sua configuração”. Um ponto de atenção e cuidado que citado julgado suscita é o de que há de se constatar lesividade na conduta descrita a partir da percepção dos fatos por parte do sujeito passivo, ao menos em um grau mínimo, não se podendo consagrar artificialismos. Um bebê de poucas semanas ou meses dificilmente possui capacidade de discernimento do ato sexual, não se podendo olvidar que o acompanhamento do comportamento sexual ou libidinoso que o tipo exige demanda a possibilidade de assimilação, ao menos em leve medida, do que ocorre, razão de ser da incriminação. Por conseguinte, se o ato sexual é praticado na presença de um recém-nascido, de um menor de catorze anos que dorme ou que se encontra em coma, não se pode cogitar do crime em destaque. 49.6. PENA E AÇÃO PENAL O delito de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente é sancionado com pena de reclusão, de dois a quatro anos (art. 218-A). Há causa de aumento de pena de quarta parte se o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas (art. 226, I). A pena é aumentada de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, ou preceptor da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II). Há majorante de um terço a dois terços, se a vítima é pessoa com deficiência (art. 234-A, IV). A ação penal é pública incondicionada. Os processos de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, assim como de quaisquer outros crimes sexuais, correm em segredo de Justiça, conforme regra do art. 234-B do Código Penal. Quanto à prescrição, de se notar que, quando a vítima detém menos de 18 anos, como necessariamente ocorre na hipótese, o lapso somente começa a fluir quando ela completar os 18 anos (art. 111, V), salvo se a ação penal houver sido proposta antes. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2018, v. 4, p. 135. “Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso; II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita”. HC 360626/SP , rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 13/12/2016, DJe 01/02/2017.

Direito Penal: Parte Especial: Arts. 155 a 234-B

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