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Como explica Pontes de Miranda, “habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o tribunal concedia, endereçado a quem tivesse em seu poder, ou guarda, o corpo do detido. A ordem era do teor seguinte, ‘toma (literalmente: tome, no subjuntivo, habeas, de habeo, habere, ter, exibir, tomar, trazer etc.) o corpo deste detido e vem submeter ao Tribunal o homem e o caso’”. 1
Embora o CPP inclua o habeas corpus entre os recursos, predomina o entendimento de que se trata de ação constitucional, que tem por objeto a proteção do direito de liberdade de locomoção. 2
Quanto à sua origem histórica, embora haja referência a medidas do processo romano, como o interdictum de homine liberum exhibendum, seu antecedente histórico mais moderno, com as características mais próximas do instituto na atualidade, é a Magna Carta de 1215 (§ 39).
Entre os meios para fazer cessar uma prisão infundada estava o writ of habeas corpus, que era o meio de que se valiam as cortes reais de Westminster para fazer transferir os presos de um tribunal para outro, facilitando a administração da justiça. 3 Havia cinco espécies: habeas corpus ad respondendum, habeas corpus ad satisfaciendum, habeas corpus ad faciendum et recipiendum (também chamado habeas corpus cum causa) e o mais importante e eficaz de todos, o habeas corpus ad subjiciendum, dirigido ao indivíduo que detinha alguém, intimando-o a que apresentasse a pessoa do preso e declarasse “em que dia e por que causa foi ele preso e detido, ad faciendum, subjucieindum et recipiendum, isto é, para fazer consentir com submissão e receber tudo o que o juiz ou a corte resolver”. 4
Posteriormente, digno de nota na evolução história é o Habeas Corpus Act, expedido no reinado de Carlos II, em 1679, que foi considerado pelos ingleses como uma outra Magna Carta. 5
No Brasil, a disciplina do habeas corpus surgiu com o Código de Processo Criminal de 1832 (art. 340). 6
Merece destaque, também, a Lei 2.033, de setembro de 1871, que ampliou o cabimento do habeas corpus, criando a modalidade preventiva do writ. 7
Somente com a proclamação da República é que o habeas corpus ganharia status constitucional. A Constituição de 1891 elevou ou habeas corpus à categoria de garantia constitucional. 8
A Constituição assegura, no art. 5.º, caput, LXVIII, que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Os conceitos de violência e coação são distintos. A violência é a força física exercida abusiva ou ilegalmente contra a pessoa. Será abusiva quando decorrente do mau uso do poder, e ilegal quando não observar os preceitos legais. Já a coação é a ação exercida sobre a vontade de alguém, compelindo-o a fazer ou não fazer alguma coisa. 9
A concessão do habeas corpus poderá gerar tutela meramente declaratória (por exemplo, declara extinta a punibilidade), constitutiva (por exemplo, anula o processo) ou mandamental (por exemplo, ordena a liberdade do paciente ou tranca a ação penal).
Embora seja comum na doutrina a afirmação de que o habeas corpus, na sua modalidade preventiva, confere ao paciente uma tutela cautelar, tal posicionamento é equivocado por confundir tutela cautelar com tutela preventiva. O habeas corpus preventivo, obviamente, confere tutela preventiva, posto que destinada a evitar lesão à liberdade de locomoção. No entanto, trata-se de tutela que satisfaz, definitivamente, a pretensão do paciente. Não é, pois, tutela cautelar, que tem como características a provisoriedade, a instrumentalidade e a cognição sumária. Aliás, seria de indagar: se o habeas corpus preventivo leva à concessão de tutela cautelar, qual seria a tutela jurisdicional principal que essa medida estaria a assegurar?
Outra classificação importante distingue ohabeas corpus liberatório, utilizado quando já há lesão à liberdade de locomoção (por exemplo, o paciente já está preso), e o habeas corpus preventivo, utilizado quando o paciente está ameaçado de sofrer restrição ilegal em sua liberdade de locomoção (por exemplo, houve a expedição de um mandado de prisão por juiz incompetente). O habeas corpus preventivo evita a violência ou coação, o liberatório faz cessar a violência ou coação já efetivadas. 10
A extensão o habeas corpus preventivo foi sensivelmente aplicada.
O art. 647 do CPP prevê a concessão do remédio quando “alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir”. Há, pois, um qualificativo da violência ou coação. Ela deve estar na iminência de ocorrer. Iminente, etimologicamente, vem do latim Imm nens, ntis, que significa “que está perto de, que está pendente”. É aquilo que “que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato”.
Assim, para o cabimento do habeas corpus, dizia Galdino Siqueira, era necessária a “atualidade da ameaça”, pois a “ameaça remota, que pode ser evitada pelos meios comuns”, não dava lugar ao habeas corpus preventivo. 11
Em face do art. 5.º, LXVIII, da CR, que se refere apenas a “achar ameaçado de sofrer violência ou coação”, (destacamos) não foi recepcionado o art. 647 do CPP, que exigia a “iminência” da coação. Quanto ao habeas corpus preventivo, seu campo de utilização é amplíssimo.
Assim, é cabível o habeas corpus preventivo mesmo no caso em que a ameaça de prisão constitua apenas um evento possível, no longo prazo, ainda que longínquo ou remoto. Justamente por isso é possível a utilização do habeas corpus em caso de qualquer nulidade processual, mesmo que em uma fase inicial do feito, visto que poderá levar, futuramente, a uma condenação à pena privativa de liberdade ilegal. Trata-se de uma ameaça longínqua de prisão, mas ameaça há e o habeas corpus será cabível.
A situação descrita transformou o habeas corpus em um amplíssimo “agravo” cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória proferida em processo penal. E, mesmo nos casos em que há recurso específico, prefere-se o habeas corpus, por ser medida mais eficaz. Na prática, porém, verifica-se um paradoxo. Tal medida, em princípio, parece benéfica, uma vez que amplia a possibilidade de utilização de um mecanismo para proteção da liberdade de locomoção. Todavia, de fato, a liberdade, muitas vezes, acaba sendo prejudicada. O volume de habeas corpus nos tribunais é tão grande que já não se observa uma tramitação prioritária. Não é incomum, em caso até mesmo de habeas corpus liberatório, a demora de meses e meses para o seu julgamento. Em suma, a larga utilização do habeas corpus para prevenir lesões longínquas à liberdade (que muitas vezes, razoavelmente, se estima, somente ocorrerão depois de anos) acaba prejudicando a utilização de habeas corpus para tutelar a liberdade de locomoção em casos em que já existe violação a tal direito. Não é sem razão que o STF já concedeu habeas corpus para determinar que outro habeas corpus em trâmite do STJ fosse julgado em prazo razoável! 12
Concedido o habeas corpus preventivo, o art. 660, § 4.º, do CPP prevê que haverá a expedição de um salvo-conduto ao paciente. 13 Todavia, nem sempre será necessário o salvo-conduto. Em alguns casos, basta que se recolha o mandado de prisão (que foi expedido, mas o paciente não chegou a ser preso), em outros, a simples ordem já é suficiente para retirar a eficácia dos atos processuais (por exemplo, processo perante juiz incompetente) ou pôr fim ao processo (por exemplo, por falta de justa causa para ação penal).
Enquanto garantia constitucional para a tutela da liberdade de locomoção, o habeas corpus é medida de amplíssimo cabimento.
A única vedação constitucional em que se impede o emprego do habeas corpus é para atacar as prisões disciplinares militares (art. 142, § 2.º, da CR). Esse, portanto, costuma ser tratada pela doutrina como o único caso de impossibilidade jurídica do pedido de habeas corpus.
Considerando que o legislador constituinte vedou, em abstrato, o emprego do habeas corpus em tal caso, não é incorreto realizar a análise da …
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