Capítulo III – Recomendações Ministeriais - Título VIII – Técnicas Extraprocessuais de Tutela do Ambiente - Direito do Ambiente

Do latim commendatio, de commendare (confiar, recomendar), a recomendação consiste, por sua natureza, em mero conselho ou sugestão. O instituto veio a lume no embalo do mandamento constitucional que confere ao Ministério Público a atribuição de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição” (art. 129, II), em ordem a combater eventuais ilegalidades praticadas por detentores de poder e de parcela da soberania estatal. Nesse sentido, o órgão do Ministério Público poderá, no exercício de suas atribuições, expedir recomendações aos Poderes de Estado, aos órgãos e entidades da Administração ou a pessoas privadas para (i) a adoção de medidas destinadas à efetividade dos direitos assegurados legalmente; (ii) que sejam tomadas, em prazo razoável, as providências legais no âmbito do seu poder de polícia, a fim de assegurar o respeito a interesses sociais e individuais indisponíveis, tratados coletivamente; ou (iii) sugerir à esfera de poder competente a edição de normas ou a alteração da legislação em vigor, visando à efetividade dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estaduais 1 . Não está atrelada, necessariamente, ao inquérito civil ou a qualquer outro procedimento administrativo, podendo ser gerada a partir de fatos que cheguem, por qualquer via, ao conhecimento do Ministério Público e que tenham a sua existência validada por meio confiável 2 . 1.Previsão legal A instituição da chamada recomendação como instrumento extraprocessual coadjutor do trabalho ministerial na defesa dos interesses coletivos lato sensu foi obra da Lei 8.625, de 12.02.1993 ( LONMP), que a ela se referiu nos seguintes termos: “Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito: [...]. Par. único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências: [...] IV – promover [...] recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito”. Seguindo-lhe os passos, a LC 75, de 20.05.1993 (LONMPU), de aplicação subsidiária aos Ministérios Públicos dos Estados 3 , também a contemplou em seu art. 6º, XX, in verbis: “Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União: [...] XX – expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis”. 4 2.Conceito e objeto A recomendação é “instrumento destinado à orientação de órgãos públicos ou privados, para que sejam cumpridas normas relativas a direitos e deveres assegurados ou decorrentes das Constituições Federal e Estadual e serviços de relevância pública e social”. 5 Trata-se de medida salutar, “administrada mais com o propósito da vacina do que com a magia do remédio. Brota de um pressuposto mais otimista: a crença de que a orientação, o conselho, a advertência possuem uma força intrínseca reformadora provida de luz capaz de desnudar as reais intenções dos desonestos e, quando partem de pessoas ou instituições de reconhecida autoridade moral, não há como ser ignorada por gente de bem”. 6 Não tem natureza sancionatória, posto que seu escopo, a bem ver, é acoroçoar os destinatários à adoção de medidas que, segundo a ótica do Parquet, são as mais adequadas ao acautelamento ou controle de irregularidades, buscando, com eles, alternativas para a implementação das medidas recomendadas. Não importa em ordem ou determinação, mas em aconselhamento, advertência, encarecimento ou lembrança. Ou, como diz Paulo de Bessa Antunes, “deve ser vista como um instrumento de aperfeiçoamento da administração e de colaboração”, assemelhando-se, quando muito, “a uma notificação extrajudicial”. 7 Não é de sua índole o papel – que alguns insistem em conferir-lhe – de técnica extraprocessual mandamental, de cunho impositivo ou intimidatório contra o administrador público coberto pela atuação discricionária, muitas vezes avisado “sutilmente” que o não atendimento do dito sentencioso do recomendante poderá redundar na instauração de ação por ato de improbidade administrativa, ação penal por crime ambiental, p. ex., e outras ações cabíveis. Tal postura, à evidência, só faz comprometer a própria autoridade do Ministério Público: achar que, em nome do interesse público, podem seus integrantes, sem voto e sem mandato, comandar a máquina governamental, na suposição de que o Estado nada pode fazer sem sua prévia bênção. Não custa lembrar que “o Ministério Público não tem poder hierárquico administrativo sobre os órgãos ou entidades aos quais se podem dirigir tais recomendações, nem exerce função jurisdicional, que, só ela, legitima o órgão judiciário a exarar ordens de observância compulsória a quem não lhe esteja subordinado por relação hierárquica”. 8 É claro que, “sob ameaça de se ver processado por improbidade administrativa, o administrador, dificilmente, deixará de atender à ‘recomendação’, que, no caso, passa a assumir foros de decisão judicial transitada em julgado. Do ponto de vista das instituições democráticas, a prática é extremamente condenável e merece repúdio”. 9 3.Natureza jurídica A recomendação, tal como elucubrada, tem assento em normas legais 10 que habilitam o Parquet a tomar providências visando a prevenir, remediar ou cessar violações à ordem jurídica. Concretamente, por se tratar de realidade estranha à suas funções tradicionais de parte principal ou de parte coadjuvante, tem natureza de ato administrativo, que, como tal, se submete ao regime geral de invalidade do direito administrativo 11 . 4.Procedimento A recomendação ministerial, sem forma sacramental rígida, cercada, porém, da publicidade inerente a todo ato administrativo (seja na Imprensa Oficial, seja em portal eletrônico) deverá conter: I – a indicação dos seus fundamentos e das medidas que deverão ser adotadas; II – o prazo para o seu cumprimento; III – requisição ao destinatário de sua divulgação adequada e imediata; IV – resposta escrita 12 . É preciso “que a autoridade recomendada tome contato com os motivos de fato e de direito, devidamente fundamentados, suficientes para convencê-la da necessidade da correção sugerida, fazendo ver que a plausibilidade dessas razões permitirá, se o caso, debater a questão em Juízo. A recomendação deve ser, pois, portadora da força persuasiva do órgão recomendante, o que supõe a construção de uma argumentação sólida e convincente, sob pena de convolar-se em palpite, especulação, indevida ingerência em interesses alheios”. 13 Daí a necessidade de ser instruída, sempre que o seu objeto envolver matéria de ordem técnica, de competente estudo de profissional habilitado, com Registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, além de sua ART. Atendida a Recomendação, e não havendo outra providência a tomar, o procedimento respectivo será encerrado e encaminhado ao Órgão Superior de Revisão, para controle de eventual arquivamento implícito. Na hipótese de desatendimento, o Ministério Público, ponderada a necessidade inadiável ou insubstituível de adoção das medidas recomendadas, se for o caso, promoverá a correspondente ação civil pública, sem prejuízo de outras providências que entender cabíveis. No ponto, insta destacar que a Recomendação ministerial, ainda que não acolhida, gera efeitos que devem ser considerados, certo que não deixa de ser uma tomada de posição do representante do Ministério Público em face de determinada questão concreta. Assim, assumida tal posição e não havendo qualquer alteração fática, não pode o representante do Ministério Público voltar-se contra a postura por si assumida. Trata-se de vedação ao venire contra factum proprium, corolário do princípio da boa-fé objetiva 14 . Arts. 95 e 96 do Ato Normativo paulista CPJ 484/2006; art. 24 da Resolução CSMPF 87/2006. FRANCO JR., Raul de Mello. A importância do instituto da recomendação na tutela do patrimônio público e social. Tese aprovada no I Congresso do Patrimônio Público e Social do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado em São Paulo, entre 18 e 21.08.2010. Ver art. 80 da Lei 8.625/1993. O Ministério Público Federal regulamentou a matéria por meio da Resolução CSMPF 87/2006 (arts. 23 e 24) e, no Estado de São Paulo, dela cuidou o Ato Normativo CPJ 484/2006 (arts. 5º, 6º, I, 94 a 98). Art. 5º do Ato Normativo paulista CPJ 484/2006. FRANCO JR., Raul de Mello. A importância do instituto da recomendação...cit. O inquérito civil (considerações críticas). Em MILARÉ, Édis (Coord.) Ação civil pública – Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 708 e 709. STF, AgRg na Rcl 4.907 , Tribunal Pleno, j. 11.04.2013, DJe 21.05.2013. ANTUNES, Paulo de Bessa. O inquérito civil (considerações críticas), cit., p. 709. Lei Federal 8.625/1993 ( LONMP) e Lei Complementar 75/1993 (LONMPU). ASSIS, Araken; GENOSO, Gianfrancesco. Em WALD, Arnoldo et al. (Coords.). O direito administrativo na atualidade: estudos em homenagem ao centenário de Hely Lopes Meirelles. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 204-209. Art. 27, par. único, IV, da Lei 8.625/1993; art. 23 e § 1º, da Resolução CSMPF 87/2006; art. 97 do Ato Normativo paulista CPJ 484/2006. FRANCO JR., Raul de Mello. A importância do instituto da recomendação...cit. MOREIRA, Egon Bockmann et al. Comentários à Lei de Ação Civil Pública: revisitada, artigo por artigo, à luz do novo CPC e temas atuais. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 427.

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