Título XV – Política Nacional da Biodiversidade - Título XV – Política Nacional da Biodiversidade - Direito do Ambiente

Título XV – POLÍTICA NACIONAL DA BIODIVERSIDADE Biodiversidade, patrimônio genético, biotecnologia e biossegurança são termos de cunhagem relativamente recente. Surgiram com a evolução das Biociências, partindo-se da ciência especulativa para suas aplicações práticas. É importante ressaltar que seu caráter interdisciplinar e a evolução científica e técnica por que passou a Ecologia, notadamente a partir da segunda metade do século XX, propiciaram a ampliação dos conceitos relativos ao fenômeno da vida a um sem-número de relações entre o ser humano e o mundo natural. Tais relações marcam acentuadamente as perspectivas de desenvolvimento econômico-social e de administração da Terra. Como não poderia deixar de ser – já que se trata de temas candentes da Questão Ambiental –, a biodiversidade, patrimônio genético, biotecnologia e biossegurança entram pela área jurídica e reclamam um ordenamento adequado, visto que neles se encontram cientificamente definidas as características essenciais, a destinação, as medidas de precaução ambiental e a indisponibilidade do patrimônio coletivo. No plano internacional, os temas da biodiversidade, patrimônio genético, biotecnologia e biossegurança são objeto do regime jurídico-institucional instaurado, em 1992, com a adoção da Convenção sobre Diversidade Biológica- CDB 1 . A convenção centra-se em três objetivos, todos considerados igualmente prioritários e profundamente interdependentes: a) a conservação da biodiversidade em todos os seus níveis: de ecossistemas, espécies e genes; b) o uso sustentável de seus componentes; e c) a distribuição justa e equitativa dos benefícios decorrentes do uso dos recursos genéticos que a compõem. A implementação concreta da CDB tem-se dado com base em programas temáticos e transversais que especificam as suas disposições legais. Com vistas a guiar o processo de implementação e a sistematizar a verificação de resultados concretos em direção aos objetivos da convenção, as partes periodicamente adotam e revisam os chamados planos estratégicos, que estabelecem metas e objetivos para um determinado período. O primeiro plano foi adotado em 2001, para o ciclo de 2002 a 2010; e, o segundo, em 2010, com validade entre os anos de 2011 e 2020. A avaliação final dos resultados da implementação do segundo plano estratégico, quanto ao alcance das chamadas Metas de Aichi para a Biodiversidade, foi recentemente divulgada com a publicação do 5º Outlook da Biodiversidade (CDB 2020). Entre as 20 metas, nenhuma foi integralmente alcançada e apenas seis foram realizadas em parte. Subsídios que distorcem o comércio e ignoram externalidades em muito contribuíram para esses resultados desastrosos, na medida em que os $78-91 bilhões direcionados à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade são pouco expressivos diante dos $500 bilhões aplicados em favor de setores lesivos ao meio ambiente. O relatório também descreve o sucesso de atividades de conservação que vêm reduzindo o desmatamento, evitando a extinção de espécies, restaurando regiões de pescados, aumentando a área do Planeta sob especial proteção e melhorando os níveis de conscientização sobre a importância da biodiversidade. Ora, em vista dos relatos da CDB, como sopesar, quanto ao estado da biodiversidade no Planeta, esses ganhos ocorridos no plano local e as perdas significativas estimadas na esfera global? Segundo o mais recente Index Planeta Vivo do WWF, os dados científicos ali compilados oferecem “provas inequívocas de que a natureza está se desintegrando e que nosso planeta está emitindo alertas vermelhos”. Imperiosa e urgente, portanto, a correção da trajetória da humanidade e a reconsideração do modo como nos relacionamos com o meio natural, inclusive quanto ao apoio incondicional por parte de muitos governos a atividades poluidoras e degradadoras. Quanto aos sucessos locais, também, precisamos acelerar e promover a recuperação e conservação ambiental em maior escala, por meio de uma parceria global e verdadeiramente transformadora. São lições importantes a serem consideradas para o próximo período de implementação. Assim sendo, as partes, os órgãos da CDB e a comunidade internacional estão no momento trabalhando na elaboração do conteúdo do terceiro plano estratégico, que deve ser adotado na próxima conferência das partes, reagendada para 17 a 30 de maio de 2021 (Kunming, China). O terceiro plano valerá a partir de 2021 até 2030, coincidindo, portanto, com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU 2 . Na mesma toada do primeiro Plano Estratégico da CDB, o Brasil entendeu por bem rever e ajustar o Programa Nacional da Diversidade Biológica- PRONABIO, instituído em 1994, após a aprovação do texto da convenção por decreto legislativo 3 . Atualmente, o PRONABIO está regulamentado pelo Decreto 4.703, de 21.05.2003, mas, desde a sua criação, vem e continua servindo de plataforma para a implementação da convenção no país, tendo contado com o apoio do Global Environmental Fund- GEF em suas diferentes fases 4 . O Decreto 4.703/2003 também estabelece e detalha a competência da Comissão Nacional da Biodiversidade- CONABIO para coordenar, acompanhar e avaliar as ações do PRONABIO, inclusive com relação à implementação da CDB e à elaboração da Política Nacional da Biodiversidade, que estudaremos mais à frente 5 . Infelizmente, porém, no polo negativo dos progressos alcançados na regulamentação internacional e doméstica da biodiversidade ainda encontramos contravenções, ilicitudes e crimes, também tratados pelo Direito do Ambiente e por outros ramos do ordenamento jurídico, assim como pelos procedimentos administrativos da gestão ambiental. Para além do Direito, os temas objeto do presente capítulo apresentam interfaces com a administração e a salvaguarda da vida na Terra, assim como implicações para a sustentabilidade no desenvolvimento dos povos, manutenção ou reposição do estoque de recursos naturais, e outros itens de transcendental interesse ecológico e econômico. Um dos pontos nevrálgicos da Questão Ambiental é a ameaça que pesa sobre a biodiversidade, o que representa um risco tanto local quanto global. Em nosso país, em particular, são fatores agravantes do risco ambiental o avanço das fronteiras econômicas sobre o meio natural; o uso inadequado do solo e as queimadas ilegais; o uso predatório dos recursos naturais em geral; e, particularizando, o uso indiscriminado dos recursos bióticos. Some-se à perda da biodiversidade, aqui e ao redor do mundo, os perigosos efeitos das mudanças climáticas, capazes de gerar condições adversas para a permanência e a perpetuação de espécies vivas. O contexto atual da pandemia e as possíveis origens da COVID-19 em animais silvestres pintam uma imagem clara das relações indissociáveis entre a proteção da biodiversidade, a saúde humana e a sustentabilidade da economia global. A sinergia maléfica desses fatores seria calamitosamente potenciada pela concretização de riscos nucleares. Por mais hipotéticos e apocalípticos que pareçam, tais fatores e riscos não devem ser desconsiderados. O risco ambiental é real e presente; e se a crise servir para que humanidade apreenda essa realidade e mude seus rumos, todo o sofrimento do momento não terá sido em vão. Destarte, tendo sempre em mente a importância da riqueza e variedade da vida em nosso frágil planeta, aqui abordaremos os quatro temas da biodiversidade, patrimônio genético, biotecnologia e biossegurança através de considerações gerais e do tratamento legal. Limitamo-nos ao escopo introdutório dos assuntos, visto que a bibliografia sobre a matéria é vasta, quer no campo específico das ciências, quer no âmbito do Direito. A Convenção sobre Diversidade Biológica- CDB foi assinada pelo Governo brasileiro no Rio de Janeiro, em 05.06.1992, durante a Conferência ECO-92; aprovada por meio do Decreto Legislativo 2, de 03.02.1994; e promulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998. O Brasil teve um papel fundamental nas negociações que culminaram com a adoção do segundo plano estratégico, tendo contribuído para a condução do processo em direção à formação de consenso, não obstante o alto grau de complexidade dos conteúdos sendo debatidos. Ver “Países aprovam pacote de medidas para preservação da biodiversidade”. Em O Estado de S. Paulo, 30.10.2010, Cad. Vida. p. A38. Esperamos, assim, que a nossa delegação volte a brilhar no contexto da CDB em 2021, participando, ativa e positivamente, em discussões que permitam a adoção de um plano condizente com a gravidade e dimensão da crise da biodiversidade. Para os interessados nos antecedentes históricos do PRONABIO, ver Decreto 1.354, de 29.12.1994, já não mais em vigor, mas que havia instituído o programa em seu formato original. Ver Ministério do Meio Ambiente- MMA, Projetos sobre Biodiversidade, descrevendo os projetos concluídos (PROBIO I e II) e em andamento (Áreas Privadas; Mar; Terrestre; Paisagens Sustentáveis) no contexto do PRONABIO e envolvendo o GEF, disponível em , acesso em 31.07.2020. No Estado de São Paulo, ver Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo- BIOTA/FAPESP, que vem sendo implementado desde 1999.

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