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Autor:
RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO
Professor Associado, aposentado, da Faculdade de Direito da USP. Procurador, aposentado, do Município de São Paulo. Consultor Jurídico.
Poucas categorias processuais, ao longo do tempo, terão dado margem a tantas dificuldades conceituais e intensas polêmicas como se tem passado com o instituto da coisa julgada, assim no tocante à sua própria natureza como à sua finalidade e eficácia, mormente ao influxo da tendencial judicialização dos interesses metaindividuais – difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos, conceituados no art. 81, § único e incisos, da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, valendo ressaltar que a parte processual desse Código (Título III: arts. 81-104) se aplica, no cabível, ao ambiente da ação civil pública ( CDC, art. 117), conforme repercutido no art. 21 da Lei 7.347/85, certo ainda que o art. 1º desta última à sua vez evoca a ação popular da Lei 4.717/65, assim permitindo reconhecer um microssistema processual coletivo.
Dentre as concausas do permanente interesse – acadêmico e também dos atores da praxis forense – em torno da coisa julgada (garantia constitucional? categoria processual? instrumento de segurança jurídica? vetor de pacificação social?) deve-se levar em conta que a coisa julgada participa, a um tempo, do ambiente estritamente jurídico, na medida em que agrega estabilidade-imutabilidade à decisão de mérito, com isso permitindo encerrar os litígios judiciais (exceptio rei iudicatae: CPC, art. 485, V), mas igualmente se identifica com outros campos do conhecimento, consentindo investigações acerca de sua contribuição para a pacificação dos conflitos, a par de questionamentos acerca de certas matérias que se mostram refratárias à imunização agregada pela coisa julgada.
Nesse sentido, considerem-se, entre possíveis outras, estas indagações:
• A coisa julgada é uma qualidade (estabilidade-imutabilidade) que se agrega à decisão de mérito ou se configura como uma projeção da própria auctoritas, imanente à função jurisdicional do Estado?
• Todas as decisões de mérito devem, em modo igualitário, transitar em julgado após esgotada a instância recursal, ou cabe distinguir certas situações diferenciadas, por exemplo, as atinentes às relações jurídicas continuativas (tal como se dá com os impostos, reportados a cada exercício fiscal) ou ainda aquelas ocorrências cambiáveis no tempo e impactadas por alterações no plano fático, como se dá com as prestações alimentícias, sujeitas ao binômio necessidade do beneficiário/possibilidade do prestador?
• A coisa julgada apresenta configuração unitária, aderente à persona do Estado-juiz (da mihi factum, dabo tibi jus), ou consente distinção, conforme a decisão de mérito venha proferida no âmbito da jurisdição singular ou, então, da jurisdição coletiva?
• A coisa julgada guarda compromisso com o valor justiça da decisão de mérito (função dikelógica), agregada à finalidade de dar a cada um o que é seu (jus suum cuique tribuere), ou a coisa julgada se engaja antes e apenas ao valor segurança jurídica (res iudicata pro veritate habetur), assim perenizando o direito, valor ou bem da vida atribuídos ao vencedor da causa?
• A coisa julgada é de ser vista como uma categoria processual incindível ou ela consente distintos aspectos, vertentes e enfoques, tais a identificação de certos limites – objetivos, subjetivos e temporais, a par da bifurcação em coisa julgada formal e material?
• A coisa julgada opera em modo igualitário e constante em face de todas as decisões de mérito, após o decurso dos prazos recursais, ou ela consente alguma relativização, quando se afigura demonstrável que sua incidência na espécie serviria à perenização de evidente injustiça ou de alguma situação aberrante, por exemplo, quando viria estabilizar um segundo pagamento de desapropriação já resolvida e quitada em processo anterior?
A temática da coisa julgada comporta, como se infere do item precedente, mais de uma abordagem, para além do específico enfoque técnico-jurídico, projetando-se pelos planos sociológico, econômico e da própria eficiência da função judicial do Estado, já que o jurisdicionado vencedor da causa tem o direito à fruição definitiva do direito, valor ou bem da vida que lhe foi atribuído pela decisão de mérito tornada definitiva.
Afigura-se tecnicamente consistente afirmar-se que a coisa julgada não se conecta, propriamente, ao aspecto da justiça nas decisões (dita função dikelógica), a ser perseguida mediante a interposição dos recursos cabíveis pela parte sucumbente, mas em verdade a coisa julgada reporta-se a outra ordem de indagações, vindo afeiçoada aos valores segurança jurídica, resolução definitiva dos conflitos, pacificação social, os quais se busca alcançar através da estabilidade (stare decisis et non quieta movere) e imutabilidade (exceptio rei iudicatae) da decisão de mérito propiciada pela coisa julgada.
É válido reconhecer que a coisa julgada apresenta-se como espécie do gênero preclusão …
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