Introdução

O intuito primordial do presente livro é possibilitar a apresentação do constitucionalismo e do direito constitucional aos alunos de graduação. Afirmamos isso porque, não raras vezes, o direito constitucional é meramente exposto a partir de uma glosa do nosso texto constitucional, sem explicar o fenômeno político-jurídico do constitucionalismo. Sempre almejando assegurar o didatismo, estruturamos o curso situando o aluno leitor na perspectiva histórica que criou as condições necessárias para que o constitucionalismo se consolidasse em diversas democracias ocidentais, permitindo o surgimento de textos constitucionais similares ao da nossa Constituição vigente. Nesse contexto, a estrutura do livro, diferentemente da maioria dos cursos, não seguirá a sequência temática do texto constitucional, isso porque buscamos conferir estrutura que privilegiasse a cientificidade e a didática do direito constitucional e não a topografia redacional da Constituição de 1988. Ainda para contribuir com a didática e facilitar o aprendizado do direito constitucional, ao final de cada tópico, haverá a inserção de um item denominado Observatório do Supremo Tribunal Federal. Nele, elencaremos os aspectos normativos mais importantes a respeito de cada tema explicado, sempre na seguinte ordem: súmula vinculante, súmula simples, decisões de controle abstrato de constitucionalidade, repercussão geral e decisões residuais. A função do observatório é propiciar ao leitor compreender, especificamente, a perspectiva do STF acerca daquele tema. Os julgados que consideramos imprescindíveis para a compreensão dos temas constitucionais serão comentados diretamente no texto do livro. Em regra, os julgados analisados ao longo do texto não serão repetidos no item referente ao observatório. O livro é dividido em cinco capítulos. O primeiro é O constitucionalismo e os princípios constitucionais. Nele, é apresentado o escorço histórico e as funções do constitucionalismo, demonstrando que se trata de um fenômeno político-jurídico que surgiu bem antes do século XX, não obstante a Constituição de 1988 seja produto de um modelo de Constituição normativa produzida no pós-2 Guerra Mundial. Em seguida, passamos a apresentar conceito contemporâneo do que seria um princípio constitucional e os princípios constitucionais estruturantes de nosso sistema constitucional. O capítulo segundo é designado de O cidadão e seus direitos. A sua destinação é a de explicar a teoria dos direitos fundamentais, isto é, o que seria um direito fundamental, a sua função e quais requisitos que devem estar preenchidos para se admitir uma restrição a esses direitos. Após a explanação de uma teoria geral, passamos a explicar os direitos fundamentais e sociais em espécie. Os três capítulos seguintes são destinados a cada um dos três Poderes, respectivamente – Executivo, Legislativo e Judiciário. A explicação de cada um dos poderes é realizada a partir daquilo que classificamos como a função típica daquele poder juntamente com outras funções atípicas, porém, constitucionalmente atribuídas. Com a publicação da obra, almejamos contribuir em duas perspectivas para o direito constitucional. Por se tratar da primeira edição do curso, esperamos que ela possa atender às expectativas do público leitor, principalmente daquele leitor que se inicia no estudo do direito constitucional, de quem esperamos críticas e sugestões para que possamos aprimorar, a cada edição, o conteúdo e o formato da obra. A segunda contribuição, que ansiamos conquistar com o livro, é o fortalecimento do texto constitucional vigente, procurando dar-lhe mais efetividade. Ou seja, não somos indiferentes a nossa Constituição, mas, ao contrário, somos seus defensores. Nunca é demais lembrar que, no Brasil, passados mais de 25 anos da promulgação da Constituição, nem mesmo os direitos liberais e políticos estão plenamente concretizados. Essa conclusão já seria suficiente para expor o risco das teses ou afirmações que buscam enfraquecer ou dilapidar a Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, basta ver que, perante qualquer sinal de crise institucional, é recorrente a solução de realização de uma miniconstituinte, solução esta que seria considerada golpe de estado em qualquer democracia minimamente consolidada. Obviamente, a Constituição Federal é elemento necessário, porém não suficiente para assegurar a democracia efetiva. As condições para o exercício da cidadania e de viver dignamente demandam atuação coordenada da autonomia privada e pública. Mais precisamente, essas condições apenas se concretizam se a autonomia pública pressupor a privada e vice-versa. Sendo assim, não se ignora que sem a atuação dos agentes políticos e a sociedade civil, a Constituição não se concretiza sozinha. Ocorre que já passou da hora de a Constituição, no auge de seus quase 30 anos de vigência, receber, principalmente dos juristas, a importância que ela merece. No Estado Constitucional, a Constituição passa a ser a salvaguarda da própria sociedade. Isso porque ela limita a soberania do Estado, ou seja, no constitucionalismo, é impensável qualquer sujeito político amplamente soberano que não encontre limites no texto constitucional. A Constituição, corretamente compreendida, civiliza o poder político e imuniza a sociedade civil contra a barbárie. Portanto, a Constituição é essencial para a vida do Estado, porque, sem ela, não se saberia quais são os órgãos supremos de um Estado; como se formam; como expressam sua vontade e que limites possuem; como se situam os particulares nessa organização política; e, por fim, quais são seus direitos perante o Estado. Daí, atualmente, ser impensável um Estado sem Constituição, bem como Constituição sem Estado. Frise-se: a Constituição Federal sozinha não é um ponto de Arquimedes que, ao ser descoberta, elimina as mazelas da sociedade. Acontece que dificilmente se constrói uma democracia sem a correspondente Constituição. A Inglaterra não tem Constituição escrita. Entretanto, desde 1215, com a Carta Magna, a sociedade inglesa tem construído, historicamente, um tecido constitucional para proteger o cidadão dos desmandos e do excesso do Poder Público. Talvez, por não ser escrita, a Constituição Inglesa seja aquela que possui maior normatividade, uma vez que se confunde com a própria história do povo Inglês. Os EUA têm uma Constituição enxuta que cresceu com algumas emendas, mas sua essência e seu respeito são pontos fundamentais do constitucionalismo norte-americano. A Alemanha não teve uma Constituição escrita a partir de um poder constituinte genuíno. Contudo, no pós-2 Guerra Mundial, em razão de uma sólida atuação do Tribunal Constitucional Alemão, foi possível conferir status constitucional a sua lei fundamental. O Brasil não é a Inglaterra, nem os Estados Unidos da América e tampouco a Alemanha. Ainda assim, possui um texto constitucional mais rico e generoso na concessão de direitos e garantias ao cidadão do que os três mencionados países. Infelizmente, mesmo com um texto generoso, como o da Constituição de 1988, ainda não concretizamos os requisitos básicos de uma democracia, e.g., respeito a direitos fundamentais e a consolidação da separação de poderes. Ocorre que, sem nenhum exagero, é possível afirmar que, sem a Constituição Federal, dotada de força normativa, rumaríamos para a barbárie. A alegação de ofensa à Constituição, em países com estabilidade política e em verdadeiro Estado Constitucional, é gravíssima, reclamando a atenção de todos, principalmente da população. Entre nós, quando se fala, por exemplo, em juízo, que houve desatendimento da Constituição, a alegação não é levada a sério na medida e na extensão em que deveria, caracterizando-se apenas, ao ver dos operadores do direito, como mais uma defesa que o interessado opõe à contraparte. Do mesmo modo, cada vez mais parece transparecer que a separação de poderes constitui algo vetusto que deveria ser substituída em face de uma Supremacia Judicial a ser exercida pelo STF. Por óbvio que a separação de poderes modifica-se com o tempo. Todavia, sua existência é ponto crucial para assegurar a limitação de poder e, consequentemente, estruturar uma engenharia constitucional mínima para o desenvolvimento democrático. No Brasil, já passou da hora de tratarmos a Constituição com o respeito que ela merece, mais precisamente, conferindo-lhe a normatividade a que faz jus. Atualmente, não se pode mais fazer uso cínico e estratégico da Constituição, concretizando sua força normativa apenas quando nos interessa. Consoante ensina Cornelius Castoriadis, a exigência de igualdade implica também uma igualdade de nossas responsabilidades na formação de nossa vida coletiva. 1 No ano em que realizamos o fechamento da segunda edição, nossa Constituição atingiu seus 30 anos. Os 30 anos da Constituição devem ser muito comemorados em democracias ainda frágeis como a brasileira, uma vez que, em países como o Brasil, caminhar fora da Constituição é sempre um atalho para a barbárie. Jürgen Habermas afirmava que o nacionalismo seria o mal do século, porque caracterizaria o estopim dos diversos conflitos entre países europeus, inclusive as duas Guerras Mundiais. Nesse contexto, na opinião de Habermas, o nacionalismo deveria ser substituído por um sentimento de patriotismo constitucional. Isso porque o nacionalismo é ínsito a uma ideia de homogeneidade étnica e cultural. O constitucionalismo, por sua vez, instituiu-se como instrumento racionalizador de poder, de feição liberal, aberto ao multiculturalismo. Desse modo, o sentimento constitucional seria fundamental para assegurar que, numa sociedade multicultural, fosse possível estabelecer bases democráticas com o intuito de assegurar a cidadania democrática para as pessoas, contemplando não apenas direitos liberais e políticos, mas também sociais e culturais. 2 Obviamente, não acreditamos que as Constituições sejam eternas. O modelo de Constituições que hoje conhecemos está fortemente atrelado à ideia de Estado Nação. Na medida em que passa a haver integração transnacional, as Constituições atuais obrigatoriamente precisam se abrir e dialogar umas com as outras, sendo a Europa o modelo paradigmático dessa mudança. Da mesma forma, a Constituição Federal não é a panaceia para solução de todos os males do Brasil. As condições para o exercício da cidadania e para viver dignamente demandam uma atuação coordenada da autonomia privada e pública. Mais precisamente, essas condições apenas se concretizam se a autonomia pública pressupor a privada e vice-versa. 3 Ocorre que não podemos abrir mão de defender a Constituição Federal de 1988, em seu 30º aniversário. Não porque ela seja perfeita ou imaculada, mas porque ela ainda é – assim esperemos – um importante marco no processo civilizatório brasileiro. Fazemos esse esforço, para sermos honestos, com certa tristeza. O Brasil é essa terra paradoxal, em que o óbvio passa por não dito, e o absurdo é o esperado. Assistimos em silêncio a essa loucura, não por resignação, mas por comodismo, preguiça. Não temos senso prático. A defesa da atual Constituição é necessária, porque uma nova seria, com toda a certeza, dado o ambiente de polarização extrema e virulenta dos tempos correntes, um convite para a crise total e permanente da nação. Para que essa defesa da Constituição exista e tenha consistência, bem como para que a democracia brasileira caminhe para a consolidação necessária, desejamos que a presente obra figure como alicerce teórico. Cornelius Castoriadis. As Encruzilhadas do Labirinto II: os domínios do homem, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p. 331. Jürgen Habermas. Realizações e limites do Estado nacional europeu In: Gopal Balakrishnan (org.). Um mapa da questão nacional. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000, p. 305-306. Jürgen Habermas. Realizações e limites do Estado nacional europeu, cit., p. 307.

Direito Constitucional Brasileiro - Ed. 2019

Direito Constitucional Brasileiro - Ed. 2019

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.