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PAULA A. FORGIONI
Professora Titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Art. 7º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 ( Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 113. (...)
§ 1º A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
I - for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
II - corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
III - corresponder à boa-fé;
IV - for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
V - corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
§ 2º As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.” (NR)
1. O presente artigo tem por escopo analisar o impacto da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2.019, sobre os negócios empresariais 1 .
A empresa 2 celebra contratos com as mais diversas categorias de agentes: consumidores, Estado, trabalhadores, fornecedores, distribuidores, concorrentes, parceiros comerciais etc. Neste texto, nossa atenção recai sobre os contratos interempresariais, ou seja, aqueles celebrados entre empresas 3 , de forma que ambos [ou todos] os polos têm a atividade movida pela busca do lucro. Esse fato imprime-lhes viés peculiar, pois assumem lógica própria, ditada pela circunstância de que todos os partícipes da relação têm um único escopo: o proveito econômico.
2. A primeira crítica que se tem feito à Lei nº 13.874 é a de que muitos de seus dispositivos seriam desnecessários, por repisarem o óbvio. No mundo ideal, esse posicionamento seria incontestável. No entanto, o Direito empresarial não é criado em laboratório, tampouco mostra-se fruto da mente dos doutos; a realidade é menos racional do que gostaríamos, longe do conforto das certezas decantadas pelo positivismo jurídico. Em um País que não é para amadores, às vezes, é conveniente e oportuno repetir o que todos deveriam saber e aplicar.
Quando o óbvio é posto em lei, traz a vantagem de reverberar. O julgamento dos casos mercantis não é restrito a árbitros acostumados à prática das empresas, a titulares das Varas Especializadas ou a desembargadores das Câmaras Reservadas de Direito Empresarial. Fora dos ditos quadriláteros dourados, há o juiz raramente chamado a decidir uma causa empresarial, sempre premido pelas metas de produtividade do CNJ. O sistema não lhe permite que estude durante dias e dias um novo caso que lhe vai às mãos, tampouco que se afaste da sua rotina de audiências, disputas consumeristas, casos de família etc. A mente da maioria dos juízes é treinada para outras espécies de desavenças e, no que diz respeito ao direito comercial, seu trabalho simplifica-se quando a regra é clara e está posta em um texto normativo. Queiramos ou não, princípios e regras escritos na lei espraiam-se com maior intensidade.
3. O art. 2º, I, da Lei nº 13.874/19 é redigido em termos gerais. Portanto, não disciplina unicamente questões relativas à Administração Pública e impacta diretamente a interpretação dos negócios empresariais. “Onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”, ensina o antigo adágio 4 . O caput do art. 2º enumera princípios norteadores do disposto em toda a Lei nº 13.874/19, que tem na interpretação dos contratos um de seus principais temas. Assim, a liberdade deve ser tomada como garantia também nos negócios jurídicos privados.
4. O dispositivo desdobra-se a partir da Constituição Federal de 1988, especialmente de seu art. 1º e do capítulo dedicado à Ordem Econômica. Ao se referir à “liberdade”, a Lei nº 13.874/19 traz à baila as liberdades econômicas constitucionalmente asseguradas, entre as quais a livre-iniciativa. Outra conclusão seria ilógica e inconstitucional, pois investiria a empresa de um poder-agir amorfo e ilimitado, desconectado dos princípios e garantias constitucionais.
Os princípios constitucionais que moldam as liberdades econômicas definem a ordem brasileira como uma economia de mercado, assentada na liberdade deiniciativa privada, na propriedade, na livre concorrência e na liberdade decontratar, tudo limitado pela legalidade 5 .
5. As liberdades econômicas não são apenas um “poder agir”, mas também a garantia de poder agir. Se a livre-iniciativa é constitucionalmente amparada, à empresa está outorgada a garantia de atuar conforme seus interesses, respeitados os limites postos pela própria Constituição e pelas Leis [princípio da legalidade]. Ao mesmo tempo, as faculdades advindas das liberdades constitucionais não são atribuídas aos agentes para que eles possam “fazer o que quiser”, mas para viabilizar o adequado funcionamento do mercado, gerando riquezas, impostos, empregos e bem-estar social.
6. Para esclarecer o limite das liberdades econômicas, Pontes de Miranda vale-se da imagem de uma rede. Entre as linhas “traçadas pelas regras jurídicas cogentes”, os agentes econômicos podem livremente se mover. É o “espaço deixado às vontades, sem se repelirem do jurídico tais vontades”. A chamada “autonomia da vontade, o autorregramento, não é mais do que ‘o que ficou às pessoas’” 6 .
7. Nesse prisma, o princípio da legalidade é fundamental para a organização do sistema econômico. As liberdades econômicas constitucionais devem ser lidas em conjunto com o princípio da legalidade, por serem verso e reverso da mesma medalha. A empresa é livre para agir, para empreender. Contudo, essa liberdade é limitada pela Lei; à empresa é facultado organizar-se e contratar, desde que o faça dentro de parâmetros preestabelecidos pelo ordenamento jurídico. Nenhum agente “será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” [cf. art. 5º, II, da Constituição Federal]. Para a empresa, o texto normativo é, ao mesmo tempo, limite e garantia da sua liberdade.
Em resumo: as liberdades econômicas [i.e., a “liberdade” referida no art. 2º, I, da Lei n. 13.874] são vigas mestras da ordem jurídica do nosso mercado, sempre limitadas pela legalidade. Ao mesmo tempo, a legalidade é uma garantia dos agentes, que não podem ser obrigados a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei.
II.1.1. Liberdade de iniciativa
9. A liberdade de iniciativa ou livre-iniciativa é um dos fundamentos da República e da ordem econômica [cf. arts. 1º, IV, e 170, caput, IV, da Constituição Federal]. Identificada com a “liberdade de comércio e de indústria”, “liberdade econômica, ou liberdade de iniciativa econômica, cujo titular é a empresa” 7 , a livre-iniciativa garante aos agentes ingresso ao mercado, à arena de disputas.
Sem liberdade de iniciativa, não haveria qualquer possibilidade de atividade empreendedora além do Estado – tornando inviável o sistema capitalista.
O adequado fluxo de trocas, o encontro entre oferta e demanda, depende da possibilidade de os indivíduos empreenderem, estabelecendo contratos. O papel central do princípio da livre-iniciativa é garantir que os agentes tenham acesso ao mercado e possam nele permanecer 8 – e isso é feito por meio da contratação com terceiros. Está visceralmente atado à liberdade de iniciativa econômica e à liberdade de empresa, que, por sua vez, significa a liberdade de lançar-se à atividade, desenvolvê-la e abandoná-la sponte propria 9 . Encerra, ao mesmo tempo, a liberdade de contratar e a liberdade de concorrência, adiante analisadas.
II.1.2. Livre …
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