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Responsabilidade Civil dos Hospitais - Ed. 2019
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Primeiras reflexões sobre a relação médico-paciente
Tem-se verificado, notadamente nas três últimas décadas, grande mudança no relacionamento médico-paciente.
Antes, a figura do médico era envolvida por uma aura de divindade – o ser humano ungido com o dom da cura. Lembrou um rabino, em entrevista recente, que, para o judaísmo, o médico é tido como um “sócio de Deus”. Nossa realidade, entretanto, é substancialmente diversa – e marcha para a total desmistificação dos discípulos de Hipócrates. O médico, hoje, sequer tem tempo de conhecer o paciente pelo nome. Os sofisticados aparelhos representam uma barreira ao contato pessoal e direto. Reina um clima de desconfiança recíproca – tantas vezes convolada em hostilidade. 1
No entanto é necessário – como afirmam Ripert e Boulanger – deixar certa margem de decisão e liberdade de ação aos médicos. A dificuldade principal reside em se saber até que ponto o médico deve conservar sua independência. Para se julgar o médico, há de se levar em conta o que ele, razoavelmente, podia saber e fazer. 2
As pessoas recorriam ao médico para solucionar seus problemas e angústias (a palavra paciente provém do latim patior, aquele que sofre, não o que é passivo) – e buscavam profissional de sua confiança.
E o médico ouvia o enfermo. Auscultava-o. Dialogava. Compreendia-o.
Scliar traduz, de modo singular, essa necessidade de mútua compreensão:
A história da medicina é uma história de vozes. As vozes misteriosas do corpo: o sopro, o sibilo, o borborigmo, a crepitação, o estridor. As vozes inarticuladas do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As vozes articuladas do paciente: a queixa, o relato da doença, as perguntas inquietas. A voz articulada do médico: a anamnese, o diagnóstico, o prognóstico. Vozes que falam da doença, vozes calmas, vozes ansiosas, vozes curiosas, vozes sábias, vozes resignadas, vozes revoltadas. Vozes que se querem perpetuar: palavras escritas em argila, em pergaminho, em papel; no prontuário, na revista, no livro, na tela do computador. Vozerio, corrente ininterrupta de vozes que flui desde tempos imemoriais, e que continuará fluindo (...). 3
Pedro Nava, que também foi médico, conta sua estreia no manejo do fórceps, em parto deveras complicado, realizado em uma fazenda. O relato presta-se a demonstrar a expectativa ao derredor da atuação do profissional da medicina – quão felizes se tornam as pessoas, quando a intervenção é bem-sucedida:
No terreiro da casa, iluminado pela luz crua de um lampião de carbureto, aglomeravam-se uns dez homens. O Egon notou que todos estavam armados de faca ou de revólver. Todos silenciaram à sua passagem para o quarto da parturiente. Sentou-se e começou a perguntar. Era uma primípara de seus trinta e quatro anos, muito gorda. Era loura. Estava exausta: seu trabalho começara há suas boas quinze horas e de repente parara. Sim senhor, perdera muita água e agora estava saindo uma matéria escura. O …
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