Capítulo XV

Capítulo XV DOS PROCEDIMENTOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA Seção I Disposições gerais Art. 719. Quando este Código não estabelecer procedimento especial, regem os procedimentos de jurisdição voluntária as disposições constantes desta Seção. CPC/1973: Art. 1.103 (correspondente). SUMÁRIO: I. Procedimentos não contenciosos (ou de jurisdição voluntária). Natureza – II. Procedimentos não contenciosos no foro extrajudicial. I. Procedimentos não contenciosos (ou de jurisdição voluntária). Natureza. Considerar-se a jurisdição voluntária atividade substancialmente jurisdicional ou apenas formalmente jurisdicional depende do conceito que se dê a jurisdição. Sob certo ponto de vista, pode-se afirmar que nos procedimentos não contenciosos (chamados de procedimentos de jurisdição voluntária), está-se, no mais das vezes, diante de hipóteses em que não se realiza, substancialmente, a função jurisdicional, já que tais atos poderiam ser feitos por outros órgãos estatais do foro extrajudicial (a não ser que se entenda que estes também realizam atividade jurisdicional, ou de “jurisdição voluntária extrajudicial”, como defende parte da doutrina, cf. comentário infra). Por razões de política legislativa, acabam tais procedimentos sendo realizados na presença de um juiz. Sob esse prisma, há função jurisdicional, ainda que apenas sob um ponto de vista estritamente formal (a respeito, cf. José Frederico Marques, Jurisdição voluntária; José Maria Rosa Tesheiner, Procedimentos de jurisdição voluntária segundo o novo Código Civil, Revista Jurídica, vol. 307, p. 27 e ss.; Cristina Ferraz, Jurisdição voluntária; Othmar Jauernig, Problemas de qualificação da jurisdição voluntária, RePro 39/39 e ss.; Denise Willhelm Gonçalves, Jurisdição voluntária, RT 828/731; cf. crítica de Leonardo Greco, Jurisdição voluntária moderna cit., que adota concepção de jurisdição, como atividade voltada à “proteção de interesses particulares”, abrangendo, assim, a jurisdição voluntária). Parece correto afirmar – como o fazem Comoglio, Ferri e Taruffo, no que são seguidos por Humberto Theodoro Júnior (cf. Ainda a polêmica… cit., RePro 198/13, item 6), que a jurisdição contenciosa é função jurisdicional constitucionalmente necessária, enquanto a jurisdição voluntária é função jurisdicional constitucionalmente não necessária. Afirma, ainda, Humberto Theodoro Júnior, que “ao invés de confundir as duas supostas ‘espécies’ de jurisdição, forçando-as a uma identidade funcional inexistente, é de todo preferível tratá-las como entidades distintas, em forma e substância, para bem realçar a essência de cada uma delas, e assim propiciar melhor compreensão e mais útil avaliação das respectivas funções, tanto na ordem técnica como prática” (ob. loc. cits.). O CPC/2015 incorporou, nitidamente, a ideia de que o Poder Judiciário deve atuar também na promoção de solução consensual de conflitos (assim, não se pode mais dizer, no contexto do CPC/2015, que é típica apenas a atividade do magistrado consistente em “julgar” lides; cf. comentário aos arts. 1.º e 3.º do CPC/2015). Mas, essencialmente, consiste tal atividade em solucionar conflitos. Pensamos ser possível, de todo modo, afirmar que a atividade realizada nos procedimentos não contenciosos é jurisdicional, mas isso não significa dizer, p. ex., que, por tal razão, há necessariamente coisa julgada em procedimentos de jurisdição voluntária, ou que por ser jurisdicional tal atividade, deva caber ação rescisória contra a sentença em procedimento não contencioso etc. Ora, mesmo em procedimentos de jurisdição contenciosa pode não haver coisa julgada, e nem por isso se poderá afirmar que, no caso não há jurisdição; de igual modo, não cabe ação rescisória contra qualquer decisão proferida em procedimentos de jurisdição contenciosa. Entendemos ser adequado manter-se a tradicional distinção (entre procedimentos contenciosos ou não), ainda que se entenda que há, em ambos, jurisdição. Nos procedimentos de jurisdição voluntária não há lide. Se em procedimento tipificado na lei processual como de jurisdição voluntária houver (ou surgir) lide a ser decidida, notar-se-á aí não haver jurisdição voluntária, mas contenciosa. De acordo com o que dispõe o art. 719 do CPC/2015, não havendo previsão especial, o procedimento de jurisdição voluntária observará o que estabelecem os arts. 720 a 724. Cf., a respeito, comentário ao art. 725 do CPC/2015. II. Procedimentos não contenciosos no foro extrajudicial. Reformas legislativas realizadas ainda na vigência do CPC/1973 levaram à migração de procedimentos judiciais não contenciosos para a esfera extrajudicial (p. ex., com a alteração da Lei 11.441/2007, que permitiu a realização de inventário, partilhas, separações e divórcios de forma extrajudicial; cf. o que escrevemos em Processo civil moderno, vol. 4., Procedimentos cautelares e especiais, 5. ed., n. 24, item escrito em coautoria com Fábio Caldas de Araújo). Para parcela da doutrina, o conceito de jurisdição, ao comportar também o de jurisdição voluntária, acaba variando de modo mais profundo, para se compreender como também jurisdicional a atividade extrajudicial. Assim, p. ex., Leonardo Greco, na obra citada acima, refere-se a jurisdição voluntária administrativa, quando realizada por órgãos da administração pública, e quase jurisdicional, quando exercida por serventuários da justiça. O CPC/2015 manteve essa ordem de ideias e a ampliou (v., p. ex., a hipótese de reconhecimento extrajudicial de usucapião, a que se refere o art. 216-A da Lei 6.015/1973, acrescentado pela mesma lei que instituiu o novo CPC; a respeito, cf. comentário ao art. 1.071 do CPC/2015). Art. 720. O procedimento terá início por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, cabendo-lhes formular o pedido devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial. CPC/1973: Art. 1.104 (correspondente). • Jornada CEJ/CJF, Enunciado n. 56: A legitimidade conferida à Defensoria Pública pelo art. 720 do CPC compreende as hipóteses de jurisdição voluntária previstas na legislação extravagante, notadamente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Início do procedimento por provocação de interessado. Abertura do procedimento ex officio pelo juiz. Como regra, o procedimento tem início por provocação do interessado – aí incluídos o Ministério Público ou a Defensoria Pública, nos casos em que incumbir-lhes atuar (cf. arts. 176 e 185 do CPC/2015 ; a respeito, cf. Enunciado n. 56 da Jornada CEJ/CJF, nota supra). O pedido deve indicar a providência judicial pleiteada e ser instruído com os documentos necessários. A lei prevê que, em alguns casos, o procedimento pode ser instaurado por iniciativa do juiz (cf., p. ex. art. 738 do CPC/2015). Art. 721. Serão citados todos os interessados, bem como intimado o Ministério Público, nos casos do art. 178 , para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias. CPC/1973: Arts. 1.105 e 1.106 (correspondentes). Contraditório. Formação do processo. Todos os interessados deverão ser citados. Com a citação, forma-se o processo. Ainda que se considere apenas formalmente jurisdicional a atividade desenvolvida em procedimentos não contenciosos, não se pode colocar em dúvida que há processo, em que devem ser observadas as garantias mínimas do due process of law (a propósito, mesmo em processo administrativo “puro” tais garantias devem ser observadas, cf. art. 5.º, LV, da CF/1988; a respeito, cf. o que escrevemos no comentário ao art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988, em Constituição Federal comentada cit.). Incide, aqui, supletivamente, o disposto no art. 344 do CPC/2015, embora não se possa dizer que há revelia, no sentido substancial. Art. 722. A Fazenda Pública será sempre ouvida nos casos em que tiver interesse. CPC/1973: Art. 1.108 (correspondente). Intimação da Fazenda Pública. Intima-se a Fazenda Pública, em procedimentos de jurisdição voluntária, quando potencialmente exsurja assunto de seu interesse (como, p. ex., incidência de algum tributo, em face de negócio realizado em procedimento de tal natureza). Art. 723. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias. Parágrafo único. O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna. CPC/1973: Art. 1.109 (correspondente). • FPPC, Enunciado 640: O disposto no parágrafo único do art. 723 não exime o juiz de observar o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 489. Decisão judicial. Fundamentação. Coisa julgada. Cabimento de ação rescisória ou de ação anulatória. Os procedimentos de jurisdição não contenciosa finalizam-se por decisão judicial, ainda que meramente homologatória (sobre a classificação das decisões, cf. comentário ao art. 203 do CPC/2015). A decisão deve ser fundamentada, sendo contrária à Constituição (art. 93, IX, da CF/1988) qualquer orientação tendente a sugerir que, com base no parágrafo único do art. 723, esteja autorizado o juiz a decidir discricionariamente (a respeito do princípio da legalidade, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada cit., 3. ed., comentário ao art. 5.º, II, e, sobre fundamentação da decisão judicial, na mesma obra, comentário ao art. 93, IX da CF/1988; no presente trabalho, cf. comentário aos arts. 1.º, 140, 203 e 489 do CPC/2015). Como regra, não há coisa julgada, no sentido do que prevê o art. 502 do CPC/2015, porque não há lide vertida em questão principal a ser decidida. Havendo lide – ainda que em procedimento iniciado como de jurisdição voluntária –, a decisão que julgar o pedido correspondente poderá inserir-se no que dispõe o art. 502 do CPC/2015. Pode, também, caber ação rescisória, nesse caso (cf. art. 966 do CPC/2015). Note-se que mesmo a decisão homologatória (que não julgue pedido), adquire estabilidade, e não pode ser desfeita se não houver razões relevantes. Se não for o caso de ajuizar-se ação rescisória (cf. supra), pode ser admitida ação anulatória (cf. § 4.º do art. 966 do CPC/2015). Art. 724. Da sentença caberá apelação. CPC/1973: Art. 1.110 (correspondente). Sentença e apelação. O art. 724 do CPC/2015 reproduz a regra prevista no art. 1.009, caput do CPC/2015. Aplica-se, aqui, o procedimento previsto nos arts. 1.009 ss. do CPC/2015. Art. 725. Processar-se-á na forma estabelecida nesta Seção o pedido de: I - emancipação; II - sub-rogação; III - alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos; IV - alienação, locação e administração da coisa comum; V - alienação de quinhão em coisa comum; VI - extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória; VII - expedição de alvará judicial; * Sem correspondência no CPC/1973. VIII - homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. * Sem correspondência no CPC/1973. Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se, no que couber, aos procedimentos regulados nas seções seguintes. * Sem correspondência no CPC/1973. CPC/1973: Art. 1.112 (correspondente). V. arts. 5.º, parágrafo único, 9.º, II, 346 a 351, 504, 1.322 a 1.326, 1.390 a 1.410, 1.911, parágrafo único, 1.951 a 1.960 e 2.019, do CC/2002 ; arts. 29, IV, 89 a 91, 104 e 107, § 1.º, da Lei 6.015/1973 ( Lei de Registros Publicos). SUMÁRIO: I. Regras gerais dos processos de jurisdição voluntária. Aplicação subsidiária – II. Ausência de disciplina de procedimento, em outros casos não previstos no CPC. I. Regras gerais dos processos de jurisdição voluntária. Aplicação subsidiária. Aplicam-se as regras previstas nos arts. 720 a 724, supletivamente, aos procedimentos indicados a partir do art. 725 do CPC/2015. As hipóteses referidas no art. 725 são disciplinadas, preponderantemente, pelo que dispõem os arts. 720 a 724 do CPC/2015. II. Ausência de disciplina de procedimento, em outros casos não previstos no CPC. A disciplina prevista nos arts. 720 a 724 do CPC/2015 deve ser observada, também, nos casos em que não houver previsão de procedimento especial de jurisdição voluntária, como, p. ex., no caso de processo de tomada de decisão apoiada a que se refere o art. 1.783-A do CC/2002 (inserido pela Lei 13.146/2015), que, por sua vez, também deve observar o que dispõe a lei sobre a prestação de contas na curatela (cf. § 11 do art. 1.783-A do CC/2002 ). A respeito, cf. comentário ao art. 747 do CPC/2015. Algo semelhante pode se dar, por exemplo, no caso de conversão da união estável em casamento ( CF, art. 226, § 3.º; Lei 9.278/1996, art. 8.º; CC, art. 1.726). Decidiu-se, quanto a essa hipótese, que “os arts. 1726, do CC e 8º, da Lei 9278/96 não impõem a obrigatoriedade de que se formule pedido de conversão de união estável em casamento exclusivamente pela via administrativa. A interpretação sistemática dos dispositivos à luz do art. 226 § 3º da Constituição Federal confere a possibilidade de que as partes elejam a via mais conveniente para o pedido de conversão de união estável em casamento” (STJ, REsp 1.685.937/RJ , rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 17.08.2017).

Art. 719 - Seção I. Disposições Gerais

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