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No capítulo inaugural, foi esclarecido o que se entende por demanda e por seus elementos. Neste, tratar-se-á daquilo que se encontra no outro extremo do elo instituído pela regra da correlação: os atos decisórios e as modalidades de tutela jurisdicional.
Ao deduzir pretensão perante o Poder Judiciário, o jurisdicionado busca, ao fim e ao cabo, a resolução de um problema, a solução de uma crise jurídico-social preexistente. Para tanto, expõe – total ou parcialmente – determinado conflito ao Estado-juiz e pede algum tipo de providência.
O magistrado, por sua vez, tem o dever constitucional de deliberar sobre a controvérsia que lhe é apresentada ( CF, art. 5º, inc. XXXV), conforme delimitada pelas partes. E, quando possível o julgamento do mérito, deverá conceder tutela jurisdicional a quem tiver razão – isto é, ao litigante respaldado pelo direito material.
Há, então, uma nítida ligação entre os elementos da demanda ajuizada, a estrutura da decisão a ser proferida no processo e a tutela jurisdicional nela ofertada. Desse modo, a fim de compreender adequadamente o alcance da regra da correlação, também se faz necessário investigar, em primeiro lugar, os atos decisórios do juiz e, na sequência, os principais tipos de tutela jurisdicional passíveis de concessão.
O art. 162 do Código de Processo Civil de 1973 era o dispositivo responsável por elencar e conceituar as diferentes espécies de pronunciamentos judiciais: sentenças (§ 1º), decisões interlocutórias (§ 2º) e despachos (§ 3º). 1 Antes de se analisar cada um deles, chama-se atenção para a imprecisão terminológica contida no mencionado dispositivo e corrigida com o advento do Código de 2015.
Fala-se, aqui, do caput do art. 162, que assim dispunha: “os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. Tratava-se, contudo, de clara hipótese em que o legislador disse o mais, quando, na verdade, queria dizer o menos.
Todos os atos praticados pelo magistrado são de natureza judicial e jurisdicional, 2 mas nem todos são dotados de conteúdo decisório. Isso significa que, além de sentenças, decisões interlocutórias e despachos, existem outros atos que o juiz pratica no processo: os materiais. 3 São exemplos disso a inquirição de partes e testemunhas, a inspeção judicial, o exame e o interrogatório do interditando etc. 4
Está claro, portanto, o equívoco cometido pelo legislador processual ao redigir o antigo art. 162. Não obstante tenha se referido a “atos do juiz”, sua intenção foi a de abranger apenas uma categoria deles – a dos pronunciamentos (ou provimentos), escritos ou verbais, do órgão judicial. 5 - 6 As vozes doutrinárias que se preocuparam com esse dispositivo são uníssonas nesse sentido. 7
Sendo assim, não se poderia deixar de exaltar a modificação implementada no Código de 2015. Veja-se a redação do caput de seu art. 203: “os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos”. Essa colocação, além de “corretíssima”, 8 demonstra a atenção do legislador às contribuições doutrinárias e aprimora a precisão terminológica do diploma.
A sentença é o ato mais importante do processo de conhecimento. 9 - 10 Ela consiste na expressão final de toda a atividade cognitiva desenvolvida pelo magistrado acerca da pretensão introduzida 11 e, consequentemente, tem a aptidão de dirimir conflitos sociojurídicos e de concretizar escopos processuais.
Em situações de normalidade, 12 as atividades procedimentais realizadas no processo de conhecimento 13 convergem justamente à sentença de mérito e destinam-se a produzir as condições adequadas para prepará-la e permitir que seja proferida. 14 Será por meio dela que o Estado indicará e aplicará a norma abstrata incidente no caso concreto, tutelando interesses jurídicos, direitos e obrigações. 15 “Resumindo: a sentença é o instrumento técnico que presta a tutela”. 16
A sentença é, portanto, o ato 17 por meio do qual o juiz define a causa, com ou sem julgamento de mérito, dando fim ao processo, à fase de conhecimento ou à execução ( CPC/15, art. 203, § 1º). 18 Representa, nesse contexto, o objetivo final perseguido pelos protagonistas da relação processual, 19 o ápice do processo de cognição, 20 no qual será decidido o meritum causae.
Ao elaborá-la, o juiz pratica atos de vontade e de inteligência. 21 Isso ocorre, vale ressaltar, não somente com as sentenças, mas também com as demais espécies de pronunciamentos judiciais.
Os atos de vontade representam a busca e a aplicação da vontade concreta do direito, 22 seja ele material (provimentos de mérito) ou processual (decisões terminativas, decisões interlocutórias que não sejam de mérito e despachos). 23 Já os atos de inteligência remetem à inevitável influência exercida pela cultura do juiz, seus valores, sensibilidade, percepções, concepções de mundo etc. Estes elementos, ainda que inconscientemente, interferem no raciocínio do magistrado ao valorar fatos e provas e ao interpretar e aplicar normas, ou seja, influem no desenvolvimento do silogismo que culmina na decisão. 24
Em obra clássica sobre o tema, Alfredo Rocco examinou se a aplicação de normas abstratas a casos concretos, atribuindo-lhes contornos particulares, configuraria apenas um juízo lógico do magistrado (silogismo) ou representaria também um ato subjetivo. A conclusão do processualista foi a de que, na maioria das sentenças, ao realizar essa atividade de subsunção, o juiz não externa vontade própria. Em verdade, ele apenas manifesta vontade anterior, previamente constituída pelo legislador ao elaborar a norma representativa da vontade do Estado a respeito do comportamento dos jurisdicionados. 25 Desse modo, ao decidir, o juiz estaria apenas aplicando ao caso concreto esse ato de vontade preexistente e já exteriorizado (direito), por meio de uma atividade predominantemente lógica e silogística. 26
Entretanto, a prévia – e necessária – existência de normas abstratas não parece aniquilar, por si só, a atividade volitiva desenvolvida pelo julgador. No processo decisional, caberá ao juiz identificar a vontade abstrata do direito, tornando-a concreta para aplicá-la às particularidades de cada causa. Ao assim proceder, praticará atos de vontade: a vontade do direito (material ou processual) que incide in casu. Contudo, no desenrolar dessa atividade, também praticará atos de inteligência – muitos dos quais, de forma inconsciente –, até obter seu veredito.
Aliás, é justamente essa incidência de valores e concepções subjetivas do juiz que infirma a ideia de que o complexo processo de decidir se resumiria a uma simples sucessão de silogismos formais. É indubitável que o magistrado se vale dos fatos e das leis para julgar, mas isso não significa que o caminho intelectual percorrido até a tomada da decisão seja retilíneo, como se existisse uma sequência preordenada de operações silogísticas a ser superada. 27
Ao contrário: da grande quantidade de fatores incidentes, pressupõe-se que a formação da convicção do juiz ocorra de forma desordenada. Há, inclusive, quem defenda que essa atividade intelectual já se inicia de um resultado preconcebido, a partir do qual serão erigidos pilares de fundamentação. 28 E isso já permite questionar qual seria a real aplicação prática do tradicional modelo de silogismo. 29
De todo modo, independentemente da forma como poderão ocorrer as operações lógicas no íntimo do julgador, certo é que, uma vez redigida, a sentença (e também os demais pronunciamentos) deverá ser um silogismo. 30 Para que o ato decisório seja dotado de legitimidade, é imprescindível que haja coerência lógica entre seus elementos. A conclusão nele veiculada só fará sentido se fundada em premissas coerentes, das quais aquela emane como resultado lógico. 31
Deve, pois, existir harmonização interna entre relatório, fundamentação e decisório – os elementos essenciais da sentença ( CPC/15, art. 489). 32 Possibilita-se, assim, compreender o raciocínio desenvolvido pelo juiz, atribuindo legitimidade à decisão e garantindo segurança jurídica aos jurisdicionados.
Consta do art. 489 do Código de Processo Civil de 2015 serem estes os três “elementos 33 essenciais da sentença”: o relatório (inc. I), os fundamentos (inc. II) e o dispositivo (inc. III).
Devido à importância atribuída à sentença pelo sistema, “é natural que para ela a lei prescreva formas mais complexas e solenes”. 34 Assim, será obrigatória a presença de seus elementos, em observância ao denominado “princípio da unidade estrutural da sentença”. 35 A contrario sensu, sua inobservância tornará o ato viciado. 36
2.2.1.1. Relatório
O relatório pode ser definido como um resumo espelhado do processo, portador dos principais acontecimentos dos autos 37 e do modo como o procedimento se desenvolveu. De acordo com o Código de 2015, deverá conter “os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo” ( CPC/15, art. 489, inc. I).
Trata-se, portanto, de uma narração “e, como tal, deve revestir-se, tanto quanto possível, de caráter objetivo”, 38 clareza, precisão e síntese. 39 Ou seja, no relatório, o juiz deve ser sucinto e direto, sem adiantar a solução empregada às questões e tampouco o resultado do julgamento do mérito.
Ademais, respeitados os elementos essenciais definidos pelo legislador, essa narrativa variará caso a caso, conforme a natureza e o conteúdo da decisão. 40 Tais aspectos serão responsáveis por determinar, entre os diversos acontecimentos processuais, quais foram relevantes para se chegar àquela determinada conclusão. E, por isso, exige-se a sua presença no relatório. 41
A existência do relatório funciona, ao menos em teoria, como garantia do jurisdicionado de que o magistrado tomou pleno conhecimento do processo em julgamento (fatos, fundamentos, pedidos, provas, incidentes etc.). Além disso, bem redigido, o relatório já delimitará a abrangência dos demais elementos que o seguirão, indicando os pontos controvertidos que serão solucionados na motivação e o objeto do decisório. 42
Não é por outra razão que, estando ausente esse elemento, costuma-se atribuir pecha de nulidade à sentença. O vício, contudo, poderá ser desconsiderado se, dos demais elementos da decisão, for possível aferir, sem margem para dúvidas, que, na medida do necessário para a formação de sua convicção, o juiz efetivamente enfrentou as questões e analisou as provas produzidas no caso concreto. 43 Nesse cenário, a segurança que o relatório proporciona às partes não estará comprometida e, por consequência, a sentença poderá ser aproveitada.
2.2.1.2. Motivação
A motivação ou fundamentação da sentença contém a análise das questões de fato e de direito suscitadas no processo ( CPC/15, art. 489, inc. II). 44 É na fundamentação que o juiz assentará os pressupostos lógicos – fáticos e jurídicos – nos quais se apoiará o decisório. 45
Nela estarão, portanto, os motivos de decidir, 46 embasados somente naquilo que consta dos autos (quod non est in actis non est in mundo – CPC/15, art. 371). Daí se afirmar existir ligação direta entre causa petendi, causa excipiendi e livre convencimento motivado do julgador, externado na motivação da decisão.
É significativa a importância atribuída ao dever de motivação de todas as decisões judiciais – e não apenas das sentenças. 47 Há disposições expressas nesse sentido na Constituição Federal (art. 93, inc. IX) e no Código de Processo Civil de 2015 (art. 11). Afinal, o dever de motivação está diretamente associado à exigência de publicidade das decisões – dois valores democráticos inerentes ao Estado de Direito e projeções do direito constitucional à informação ( CF, art. 5º, inc. XIV).
Sua efetivação, portanto, permite aos jurisdicionados ter consciência dos atos imperativos do juiz e dos motivos em que foram assentados. Franquear esse acesso é fundamental como forma de controle, impugnação e supervisão das decisões, seja pelas partes, pelos órgãos superiores da estrutura judiciária ou mesmo pela opinião popular. 48
O magistrado, todavia, não está necessariamente obrigado a analisar toda e qualquer razão deduzida pelas partes, mas somente aquelas necessárias ao alcance de sua conclusão e aquelas que, em tese, poderiam infirmá-la. Diz-se, assim, que o juiz deve deliberar sobre todos os fundamentos da tese derrotada. Ou seja, se for julgar procedente a demanda, deverá tratar de todas as razões invocadas pelo réu; se for julgá-la improcedente, de todos os fundamentos invocados pelo autor. 49
Não deve haver, em suma, omissões quanto a questões de fato e de direito cujo exame poderia conduzir o juiz a conclusão diversa da alcançada. Tanto o é que o art. 489, § 1º, inc. IV, do Código de Processo Civil de 2015, reputa não fundamentada qualquer decisão judicial que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.
Quanto ao grau de pormenorização da motivação, os tribunais brasileiros têm se mostrado flexíveis no que toca a eventuais omissões de “pontos colaterais ao litígio, pontos não essenciais ou de importância menor, irrelevantes ou de escassa relevância para o julgamento da causa”. 50 Não se toleram, contudo, supressões de aspectos essenciais ao deslinde da controvérsia e à fundamentação do preceito contido no decisum. 51
Preza-se, pois, pelo denominado “princípio da completude da motivação”. Essa completude será dimensionada casuisticamente, a partir da observância de exigências de justificação para cada decisão – e não de circunstâncias estranhas ou irrelevantes a elas. Tais exigências compreendem a adequada motivação sobre a interpretação das normas aplicadas ao caso, a verificação dos fatos, sua qualificação jurídica e respectivas consequências.
No mais, deve-se valorizar o aspecto qualitativo da estrutura da fundamentação – clareza, objetividade e síntese –, sobrepondo-o a exageros quantitativos, responsáveis por “‘rechear’ a motivação de elementos supérfluos, enquanto estranhos e superabundantes a um modelo de justificação racional”. 52
Desrespeitadas essas diretrizes, a decisão poderá ser considerada deficientemente fundamentada. E isso ensejará, assim como em hipóteses de completa falta de fundamentação, vício de nulidade. 53 - 54
2.2.1.3. Dispositivo
O último dos elementos da sentença é …
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