Capítulo XVIII - De que Modo Devem os Príncipes Cumprir a Palavra Dada - O Príncipe – Maquiavel - Clássicos Jurídicos

“É necessário que o príncipe saiba usar bem o animal e o homem.” 91. Todos compreendem como é louvável que o príncipe mantenha a palavra dada e viva com integridade. 1 Entretanto, a observação do que ocorre, em nossos tempos, de que houve príncipes que realizaram grandes feitos, 2 mas pouca importância deram à palavra dada, 3 tendo sabido com astúcia perturbar os cérebros dos homens, 4 superando, também os que acreditaram em sua lealdade. 5 92. Deveis, pois, saber, que há dois modos de combater: um, pelas leis, outro, pela força, o primeiro, inerente ao homem, o segundo, inerente aos animais, mas como o primeiro muitas vezes não basta, convém recorrer ao segundo 6 e, desse modo, fica bem claro ser necessário que o príncipe saiba utilizar-se devidamente do animal e do homem. Isto foi ensinado, em segredo, aos príncipes pelos antigos escritores, que escreveram como Aquiles e muitos outros príncipes antigos, nutridos pelo centauro Quirão para que os educasse, 7 o que significa que ter, como preceptor, algo que seja meio animal e meio homem, nada mais é do que o príncipe passar a empregar uma e outra natureza, pois uma sem a outra não é durável. O príncipe “precisa ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para espantar os lobos”. 93. Sendo, pois, o príncipe obrigado a bem utilizar-se do animal, deverá dele extrair as qualidades da raposa e do leão, porque o leão sabe defender-se das armadilhas e a raposa não sabe defender-se dos lobos, 8 precisando, pois, ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para afugentar os lobos. Ignoram a arte de governar aqueles que são simplesmente leões. 9 Não pode, assim, o príncipe prudente, nem deve, cumprir a palavra dada, quando esse cumprimento o prejudique ou quando desaparecerem os motivos que o fizeram prometer. 10 E, se os homens todos fossem bons, este preceito seria mau, 11 porém, como são maus e não o observariam em relação a ti, tu não o deves observar em relação a eles. 12 Nem jamais faltaram motivos legítimos ao príncipe para dissimular a inobservância da promessa. 13 Disto poderiam ser dados infinitos exemplos modernos e demonstrar quantos pactos, quantas promessas não válidas e vãs foram feitas, pela infidelidade do príncipe; 14 e aquele que melhor soube usar as qualidades da raposa é o que melhor se encontra. Mas é necessário saber dissimular bem esta qualidade, sendo um grande simulador e dissimulador; 15 e os homens são tão ingênuos e obedecem tanto às necessidades presentes, que aquele que engana encontrará sempre quem se deixe enganar. 16 Alexandre VI 94. Não desejo omitir nenhum exemplo recente. Alexandre VI jamais fez outra coisa, nem cogitou, senão enganar os homens e sempre encontrou meios para poder fazê-lo. 17 E jamais houve homem que tivesse maior segurança em afirmar e que afirmasse com juramentos mais solenes, aquilo que depois não cumpriria; não obstante, suas tramas sempre saíam como desejava, porque conhecia muito bem esta faceta do mundo. 18 O príncipe “não deve possuir o bem, podendo, mas deve saber usar o mal, se necessário”. 95. Ao príncipe, então, não é necessário possuir, de fato, todas as qualidades acima mencionadas, mas é necessário que pareça possuí-las. Assim, ousarei dizer isto: que, possuindo-as e observando-as todas, tornam-se prejudiciais, enquanto que, aparentando possuí-las, lhe são úteis. 19 Por exemplo, de um lado deverá ser piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso. 20 E sê-lo realmente; e, de outro lado, quando precisar não ser mais piedoso, ter o ânimo, poder e saber para ser o oposto. E deve-se entender o seguinte: que um príncipe, e principalmente um príncipe novo, não pode observar tudo aquilo que faz os homens ser tidos como bons, sendo muitas vezes obrigado, para conservar o poder, a agir contra a fé, a caridade, a humanidade e a religião. 21 E é preciso que tenha ânimo disposto a girar ao sabor dos ventos do destino e das variações das coisas que o impelem e, como dissemos acima, que não se afaste do bem, se puder, mas saiba entrar no mal, se necessário. 22 “Esforce-se então, o príncipe, para vencer e manter o poder; os meios serão sempre considerados honrosos e louvados por todos.” 96. Deve, então, o príncipe, ter o maior cuidado e não deixar escapar da boca, jamais, palavras que não estejam imbuídas das cinco qualidades acima mencionadas, mas deve dar a impressão, a quem o contempla e o ouve, que é todo piedade, fé, integridade, humanidade e religião. 23 Nada é mais relevante do que aparentar esta última qualidade. 24 Os homens, em geral, julgam mais com os olhos, do que com a mãos, porque todos podem ver, mas poucos podem sentir. Todos veem o que pareces, poucos percebem o que és 25 e esses poucos percebem o que és e esses poucos ousam opor-se à opinião de muitos, que defendem a majestade do Estado. 26 Nas ações de todos os homens, principalmente na dos príncipes, onde não existe tribunal ao qual recorrer, importa o fim. Trate, pois, o príncipe, de vender e conservar o poder; os meios serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo sempre se deixa levar pela aparência e pelo resultado das coisas; 27 e no mundo só existe o vulgo e a minoria não tem lugar quando a maioria tem onde se apoiar. 28 Um príncipe de nossos tempos, cujo nome não convém mencionar, somente prega a paz e a fé, mas é inimigo de uma e outra e, se tivesse observado uma ou outra, teria muitas vezes perdido a reputação e o poder. Admirando até esse ponto a lealdade, a honradez, a sinceridade, Maquiavel nem parece estadista (General). Ou seja, o vulgo. Arte que ainda pode ser aperfeiçoada (General). Os grandes exemplos levam-no a falar, de acordo com o meu modo de ver, de outros semelhantes (General). Os tolos aqui estão para nos servirmos deles (General). É o melhor, partindo do princípio que temos que lidar apenas com animais (1.º Cônsul). Explicação que pessoa alguma soube dar antes de Maquiavel (General). Tudo é certo quando aplicado à política do modo como o faz Maquiavel (General). O modelo, no entanto, é admirável (General). Não há outro partido a seguir (General). Retratação pública dos moralistas (General). Par pari refertur (General) Tenho homens argutos para isso (Imperador). Em geral, isso traz mais benefícios que escândalos para os governados (Imperador). Nem os mais hábeis me poderão refutar. O Papa haverá de dar testemunho disto (1.º Cônsul). Mentes com todo atrevimento. O mundo é formado de tolos. Entre a multidão essencialmente crédula, contar-se-ão pouquíssimos céticos e esses não ousarão manifestar sua opinião (1.º Cônsul). Não faltam ocasiões (1.º Cônsul). Que homem terrível! Se não dignificou a cadeira pontifícia, pelo menos aumentou bem seus domínios e a Santa Fé muito lhe deve. Chegou a hora do ajuste de contas (Imperador). Os tolos que julgaram que este conselho era para todos não avaliam que enorme diferença há entre o príncipe e seus vassalos (Imperador). Nos dias atuais, mais vale parecer homem honrado do que sê-lo de verdade (Imperador). Caso tenha realmente uma (1.º Cônsul). Maquiavel é severo (1.º Cônsul). Isso também é exigir muito. A coisa não é tão fácil assim. Faz-se o que se pode (1.º Cônsul). Conselho bom para o tempo dele (1.º Cônsul). Ainda se eles o compreendessem (1.º Cônsul). Precisamente nisso é que confio (Imperador). Triunfai sempre, pouco importando como, e tereis sempre razão (Imperador). Fatal, mil vezes fatal, a retirada de Moscou! (Desterrado na Ilha de Elba).

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