1. O que São as Convenções Processuais em Matéria Probatória? - Terceira Parte - Provas Negociadas

Um campo farto para as convenções processuais é o direito probatório (ônus, procedimentos, fontes, regras, meios de prova etc.). O objeto de negociação, frise-se, não é a verdade, mas “a constituição da verdade sobre a alegação de um fato e o objeto da convenção processual que versa acerca da atividade probatória é o meio para alcançar a verdade” 1 . Com fundamento no artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015, as partes também podem celebrar convenções processuais que envolvam seus ônus e deveres no campo probatório. Os litigantes podem também “desenhar regras do procedimento, adaptando-o às necessidades que desejam obter em termos de tutela jurisdicional e se submetendo voluntariamente ao regulamento da convenção ao invés do regramento legal 2 ”. Robson Godinho entende que as convenções probatórias são acordos “pelos quais as partes regulam o modo de produção da prova, podendo incidir sobre o ônus ou sobre os meios de prova”, podendo versar sobre a admissibilidade, procedimento, valoração da prova e invertendo ou atenuando o ônus probatório 3 . O objetivo das convenções probatórias não é enganar o julgador nem cultuar a mentira processual, mas adequar o procedimento das provas às especificidades do direito material e às peculiaridades das partes no processo. Trata-se de questão estrutural, que deve ser observada a partir das garantias processuais constitucionais. Ainda que sofram forte resistência doutrinária 4 (apesar de controversa, a possibilidade das convenções probatórias é reconhecida 5 de forma ampla na doutrina 6 ), entendemos que os negócios probatórios encontram respaldo no artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015, que instituiu a cláusula geral de negociação, que viabiliza a produção de efeitos imediatos no processo, independentemente de homologação judicial. Osternack diz que, no mundo direito probatório, “permite-se que as partes celebrem negócio jurídico processual que tenha por objeto, por exemplo, a definição dos meios de prova que serão admissíveis no processo, a ordem de produção de provas, eventual restrição à intervenção de assistentes técnicos e a inviabilidade da designação de audiência para a oitiva de perito 7 ”. As convenções probatórias, frise-se, não ofendem a legalidade, posto que em consonância com o artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015. Regular o modo como se dará a produção de provas, permitindo economia de tempo e de recursos financeiros no decorrer do processo, é regular o procedimento, o que é permitido 8 . Ainda sobre permissivos legais expressos, é importante destacar que o próprio Código de Processo Civil de 2015 permitiu que as partes convencionem sobre as repartições sobre o ônus da prova, por meio do artigo 373, parágrafos 3º e 4º. Disso decorre a possibilidade de que sejam realizados inúmero negócios probatórios, no limite da criatividade transacional das partes (e das garantias constitucionais do processo, é claro!). A corroborar, Alexandre Câmara afirma que ao limitar ou reduzir um meio de prova – como proibir a prova documental –, as partes acabam “indiretamente convencionando sobre o próprio ônus probatório”, o qual possui permissivo legal 9 e, de tal modo, justifica a legalidade das convenções probatórias. Os negócios probatórios também encontram raiz no princípio dispositivo, do qual decorrem as faculdades de alegar fatos e produzir prova 10 . Ora, o princípio do debate concede aos sujeitos parciais do processo o poder de disposição e renúncia do próprio direito material, os quais devem ser obedecidos pelo juiz, em atenção ao equilíbrio entre a natureza pública da relação jurídica processual e os interesses privados 11 . As convenções probatórias são aquelas que derrogam 12 as regras legais ordinárias na produção de provas – poderes instrutórios e faculdades probatórias das partes agindo em equilíbrio e plena cooperação –, em detrimento das normas que vierem a ser estabelecidas consensualmente. A experiência arbitral esclarece – e deve influenciar a recém-criada experiência estatal – que, na ausência de disposição das partes sobre, os árbitros (aqui, os juízes) são plenamente livres para exercer todos aqueles poderes investidos por lei 13 . As convenções probatórias são aquelas que alteram ou disciplinam as regras instrutórias ordinárias, seja na admissão, na produção, seja na valoração da prova, modulando os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais com relação às provas, podendo ou não disciplinar, criar ou modificar seus procedimentos, regras, meios, fontes, elementos e argumentos de prova 14 . FERRADEIRA, Mariana. A prova emprestada como objeto de negócio jurídico processual. In: MARCATO, Ana (Org.); GALINDO, Beatriz (Org.); GÓES, Gisele (Org.); BRAGA, Paula Sarno. (Org.); APRIGLIANO, R. (Org.); NOLASCO, R. D. (Org.). Coletânea Mulheres no Processo Civil Brasileiro. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. v. 1. p. 139-157. CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, Salvador, JusPodivm, 2019, p. 143. GODINHO, Robson. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo, Editora RT, 2015, pp. 224 e 226. ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Do ônus da prova. Revista de Processo | vol. 71/1993 | p. 46-63 | Jul.-Set. / 1993 | Doutrinas Essenciais de Direito Civil | vol. 5 | p. 969-994 | Out. / 2010 | Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 4 | p. 761-786 | Out. / 2011. MÜLLER, Julio Guilherme. A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual: análise jurídica e econômica. 2016. 421 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 2014. “O autor e o réu provam como querem e o que querem, mas isso de modo unilateral. Por que não de forma plurilateral?”. SILVA, Beclaute Oliveira. Verdade como objeto do negócio jurídico processual. IN CABRAL, Antonio do Passo; DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.) Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 383-406, p. 402; “É possível que uma sentença, em função de uma norma convencional que altere, substancialmente, o regramento instrutório”. BERTÃO, Rafael Calheiros. Limites às convenções processuais. 2019. 283 p. Mestrado – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2019; “a cláusula geral do art. 190 do CPC/2015 guarda em si um potencial de interferir e modificar na função e eficácia de diversos institutos e mecanismos (regras de competência, legitimidade, intervenção de terceiros, atividade probatória, saneamento processual, recursos liquidação, execução, medidas de urgência, dentre outros.” BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 199; DIDIER JR., Fredie. Negócios jurídicos processuais atípicos no CPC-2015. IN CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (coord.). Negócios processuais. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 105-125, p. 117; e FRANCISCO, Gabriela Kazue Ferreira Eberhardt. O juiz e a contratualização dos litígios. 2019. 170p. Doutorado – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019; PEZZANI, Titina Maria. Il Regime Convenzionale delle Prove. Milano: Giuffrè, 2009. Disponível em [ https://shop.giuffre.it/catalog/product/view/id/30808/s/il-regime-convenzionale-delle-prove/ ], acesso em 26 de dezembro de 2019, às 00h10min; GODINHO, Robson Renault. A possibilidade de negócios jurídicos processuais atípicos em matéria probatória. IN CABRAL, Antonio do Passo; DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.) Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 407-416, p. 414. AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. RT. São Paulo. 1ª edição. 2016, p. 218. MOREIRA, Victória Hoffmann; e PEIXOTO, Juliene de Souza. Negócios jurídicos processuais e poderes instrutórios do juiz. In: MARCATO, Ana (Org.); GALINDO, Beatriz (Org.); GÓES, Gisele (Org.); BRAGA, Paula Sarno. (Org.); APRIGLIANO, R. (Org.); NOLASCO, R. D. (Org.). Coletânea Mulheres no Processo Civil Brasileiro. 1. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2016, p. 125. CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, Salvador, JusPodivm, 2019, p. 156. ZANELATO, Thiago del Pozzo. A autonomia da vontade das partes na produção de provas em arbitragem internacional. In FINKELSTEIN, Cláudio (org.). Direito e Arbitragem: estudos acadêmicos, Editora Arraes, Belo Horizonte, 2017, p. 125. Mais: CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, Salvador, JusPodivm, 2019, p. 155. MÜLLER, Julio Guilherme. A produção desjudicializada da prova oral através de negócio processual: análise jurídica e econômica. 2016. 421 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 2014; e DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 381. MEHREN, George M. von; e SALOMON, Claudia T. Submitting evidence in an international arbitration: the common lawyer's guide, 20 1. Int'l Arb. 285, 286, jun. 2003. Disponível em [www.deepdyve.com/lp/kluwer-law-international/submitting-evidence-in-an-international-arbitration-the-common-lawyer-QBl6bV0XEf], acesso em 27 de dezembro de 2019, às 21h09min. CORRÊA, Fabio Peixinho Gomes. The presentation of evidence in international commercial arbitration: bridging gaps between evidentiary rules and free evaluation of evidence. Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 21/2009 | p. 190-234 | Abr.-Jun. / 2009. Conceito inspirado nos estudos e reflexões decorrentes dos seguintes textos: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Notas sobre a terminologia da prova (reflexos no processo penal brasileiro). In YARSHELL, Flávio Luiz e MORAES, Maurício Zanoide (coordenadores), Estudos em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, São Paulo, DPJ, 2005; YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova, São Paulo, Malheiros, 2009, Capítulo I; TARUFFO, Michele. A prova. Tradução João Gabriel Couto (La prueba), 1ª ed., São Paulo, Marcial Pons, 2014, pp. 107-108.

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