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Processo de Execução e Cumprimento da Sentença - Ed. 2020
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BIANCA MENDES PEREIRA RICHTER
Doutoranda e Mestre em Direito Processual Civil – Universidade de São Paulo. Professora de Direito Processual Civil (Ibmec-SP) e de Prática Civil (Universidade Presbiteriana Mackenzie). Pesquisadora Visitante – Universidade de Coimbra. Advogada. Contato: bianca.richter@gmail.com.
O objetivo do presente capítulo é analisar a questão delicada e elegante 2 da liquidação igual a zero. Com esse intento, far-se-á a diferenciação entre essa possibilidade e o proferimento do non liquet nessa fase processual. Para tanto, necessária se faz a passagem pelo tema da sentença condenatória genérica, cuja análise terá como marco teórico o texto La condanna “generica” ai danni de Piero Calamandrei 3 , publicado na Rivista di diritto processuale civile , em 1933. Para tratar do tema adequadamente, também será feita breve análise do pedido, vez que tomado pela doutrina comumente como projeto de sentença . 4
Apesar das muitas e recentes reformas legislativas no que tange ao processo civil brasileiro, a liquidação não foi objeto de grande atenção por parte dos reformistas, assim, os problemas levantados retomam discussões antigas. 5
A análise no presente artigo ficará restrita à situação do processo de conhecimento individual com pedido condenatório genérico para pagamento em pecúnia com fundamento no art. 324, § 1º, II, do Código de Processo Civil, ou seja, quando o autor não consegue determinar as consequências do ato ou do fato desde logo, indicando de forma genérica que pretende a condenação em pecúnia, mas o dano ainda depende de probabilidade, como no caso de uma reintegração de posse cumulada com perdas e danos ou no caso de acidente de trânsito em que os tratamentos médicos ainda estão sendo feitos e seus resultados e desdobramentos são desconhecidos 6 ; e, ainda pretende-se perquirir se haveria cabimento para a escolha do autor na delimitação do objeto do processo, cindindo a cognição em duas fases: uma em que se reconheça a existência de conduta, comissiva ou omissiva, culpa, nexo e dano; com a apuração desses danos na segunda fase. Exemplo a ser dado é o caso da menor que teve suas imagens expostas de forma vexatória por rede de televisão nacional e pediu a condenação em danos materiais com base no número de vezes, tempo e valor do minuto na rede de acordo com o horário em que transmitidas as imagens. Em razão da dificuldade da produção dessa prova, determinou-se a sua apuração pela liquidação. 7 Nesse caso concreto, a liquidação tornou-se inviável, o que levou ao proferimento do non liquet no caso concreto, aplicando-se dispositivo do Código de Processo Civil de 1939, situação apelidada pela doutrina de dispositivo-zumbi . 8
De modo a tratar do tema, o capítulo será dividido em quatro partes. Na primeira, analisa-se o pedido com base no interesse de agir da parte ao definir o thema decidedum do processo e as hipóteses em que permitido o pedido genérico de acordo com a legislação. Na segunda, debruça-se sobre o tema da liquidação, seu conceito e espécies, para, em seguida, colocar-se o conceito de liquidação igual a zero e a sua diferença com o proferimento do non liquet nesta sede, analisando-se o caso mencionado acima com maiores detalhes. Na terceira parte, apresenta-se resumidamente o texto que constitui o marco teórico proposto para a presente análise e, na quarta parte, objetiva-se a exposição da doutrina atual sobre esse intrincado tema e a exposição das conclusões alcançadas no presente capítulo.
O pedido é um dos elementos identificadores da demanda, exigindo o art. 324 do Código de Processo Civil que ele seja determinado 9 , ou seja, delimitado em relação ao gênero e à quantidade, 10 salvo nos casos previstos no § 1º do mesmo dispositivo e de tantas outras exceções construídas jurisprudencialmente em que o pedido poderá ser construído genericamente. 11
As exceções legais tratam das ações universais (I), em que o demandante não consegue, a princípio, relacionar os bens que compõem a universalidade. Entretanto, “[...] o pedido recai sobre coisas certas, não havendo o que se falar em liquidez ou iliquidez” 12 , vez que a universalidade é o objeto da lide, independentemente dos elementos individuais que a formam.
Além das ações universais, a lei excepciona a determinação quanto ao pedido no caso em que a determinação do valor dependa de ato a ser praticado pelo réu (III). Com a prática do ato pela outra parte, não há que se falar em iliquidez .
Por fim, o legislador ainda admite o pedido genérico, quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato (II). Na hipótese do inciso II, o legislador abre campo para que fatos novos em relação ao processo afetem o pedido. Por exemplo, na reintegração de posse, os danos ao imóvel podem ter ocorrido ou não. Se ocorridos, farão parte da condenação. Esse exemplo deixa claro que o fato novo pode influenciar tanto o valor da condenação, quanto a existência do próprio direito à indenização. 13
Quem delimita o pedido é a parte que provoca o exercício da tutela jurisdicional. Em razão da adoção por nós da teoria de Liebman quanto às condições da ação, a parte deve demonstrar legitimidade e interesse para lograr a análise do mérito. Segundo José Roberto dos Santos Bedaque, “O interesse decorre da revelação, pelos elementos da inicial, de que o processo e a tutela jurisdicional pleiteada constituem, respectivamente, a única via e a via adequada à solução da crise” 14 .
Na tutela condenatória, a parte deve demonstrar a exigibilidade e o inadimplemento, aptos a ensejarem o provimento jurisdicional que condene ao pagamento da obrigação. Por sua vez, na tutela declaratória, deve a parte demonstrar a existência de crise de certeza, em razão da resistência da outra parte, a motivar o pleito pela decisão que declare a (in) existência de certa relação jurídica.
Feito o pedido genérico, nem sempre a sentença será também ilíquida, conforme dispõe o art. 491 do Código de Processo Civil. A regra geral é a de que a sentença seja líquida 15 , admitindo-se a decisão ilíquida 16 apenas quando não for possível determinar o montante devido ou quando a apuração do valor dependa de prova demorada, nos termos dos incisos do mencionado dispositivo. 17
Assim, a necessidade de uma fase para liquidação de valores dependerá ou (i) da prova, que pode ser complexa e lenta, motivando a cisão do proferimento da decisão completa 18 ; ou (ii) da impossibilidade material em se determinar no momento de proferimento da decisão o montante da obrigação reconhecida em sentença. 19
Com base nessas duas situações, passa-se a tratar da liquidação de sentença.
Liquidação é “o conjunto de atividades processuais destinadas a revelar o valor de uma obrigação, quando ainda não indicado no título executivo” 20 . Assim, a maioria da doutrina brasileira parte da premissa de que a sentença condenatória determinará a existência de responsabilidade civil, com a caracterização de seus elementos, quais sejam: conduta, culpa, nexo de causalidade e dano; e a quantificação deste, em casos excepcionais, como já destacado, poderá ser feita em uma segunda fase: a da liquidação, 21 que deve respeitar o quanto já discutido e decidido no título 22 , fixando apenas a quantidade do dano já reconhecido.
Entretanto, como destacado acima, a liquidação, por vezes, pode servir para revelar mais do que apenas o valor da obrigação reconhecida em sentença. 23 É o caso da sentença genérica, “[...] que recai sobre uma probabilidade de dano, o que a torna desprovida de algo a mais do que a simples quantificação da condenação [...]”. 24 Além disso, há situações em que o valor alcançado pode ser zero o negativo, atacando a própria premissa da sentença condenatória de que haveria responsabilidade no caso. Assim, há que se considerar a possibilidade de formação progressiva da decisão quanto ao mérito. Sobre o tema, aduz Heitor Vitor Mendonça Sica que: “[...] para que essa hipótese reste comprovada de forma suficientemente fundamentada, impõe-se constatar que não há qualquer empecilho para reconhecer que o meritum causae seja gradativamente julgado por diversas decisões proferidas [...]” 25 .
Com a reforma de 2005 26 , a liquidação é uma fase 27 que ocorre entre a fase cognitiva e a fase executiva para definir a quantidade da obrigação contida em título judicial ou, ainda, para definir novo objeto 28 . Além disso, a sentença pode ter mais de um capítulo e somente um deles conter uma obrigação ilíquida, o que levará ao cumprimento de sentença em relação à obrigação líquida em autos apartados.
Segundo expõe a maioria da doutrina nacional, a natureza jurídica da decisão que põe fim à fase de liquidação é de sentença meramente declaratória 29 , vez que o objetivo é declarar a quantia de obrigação já reconhecida em sentença condenatória 30 , viabilizando o início da fase executiva, que fará cumprir a obrigação contida em sentença condenatória 31 genérica já proferida. Como sentença declaratória, tem interesse qualquer interessado, seja credor, devedor ou o mero responsável. 32
Entretanto, se tomada como declaratória a decisão que coloca fim à liquidação, a explicação para a liquidação igual a zero torna-se espinhosa, vez que se afirma a existência de responsabilidade civil com um dano zero.
Assim, propõe-se nesse artigo diversa classificação quanto à natureza jurídica da decisão que julga a liquidação de …
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