3. A Crise da Pandemia Exige Responsabilidade e Gestão - Parte 1 - Repercussões do Covid-19 Sobre a Economia e os Negócios - Impactos Jurídicos e Econômicos da Covid-19

Autor: ILAN GOLDFAJN Formado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem mestrado em economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Em junho de 2016 foi empossado como Presidente do Banco Central do Brasil ficando até março de 2019. Em 2018 foi eleito “Central Banker of the Year” pela revista The Banker. Ao longo de sua carreira, publicou diversos artigos e livros. Entre os cargos ocupados, estão o de economista chefe e sócio do Itaú Unibanco, sócio-fundador da Ciano Investimentos, sócio da Gávea Investimentos, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Brandeis University (EUA), economista do Fundo Monetário Internacional, consultor do Banco Mundial. É diretor do Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP). Desde setembro de 2019 ocupa o cargo de Presidente do Conselho do Credit Suisse no Brasil. A atual pandemia é a mais grave que as atuais gerações já enfrentaram, com muitas perdas de vida. Suas consequências nos colocam diante de uma crise econômica de grandes proporções, a recessão e o desemprego vão atingir níveis recordes. Os efeitos da crise ultrapassam o presente. Os governos, as empresas e os cidadãos sairão endividados. Não é o momento de minimizar ou negar e nem embarcar em conflitos políticos. É necessário focar no problema sanitário e econômico, concentrar todos os esforços na gestão pública (e privada) da crise e fazer duras escolhas para salvar vidas e mitigar o seu custo econômico no curto, médio e longo prazo. Essa crise é diferente das anteriores, enfrentadas no Brasil e no mundo, como a grande crise financeira de 2008/9. Esta crise não tem sua origem no sistema financeiro, nem advém de um problema econômico, mas sim de um problema sanitário de grandes proporções (um vírus letal com altos índices de contágio). Isso tem consequências. Como a crise vem da saúde, sua solução definitiva não será alcançada com medidas econômicas, mas apenas quando encontrarmos uma solução sanitária, como uma vacina, uma cura ou alguma imunidade natural para o vírus. Por isso, a duração da crise pode ser mais longa do que inicialmente imaginado. O distanciamento social, cuja duração inicial foi planejada para poucas semanas, já esta durando alguns poucos meses, que podem se transformar em muitos meses. De fato, devemos separar a razão fundamental da crise, i.e., o seu choque, das suas consequências e dos fatores que o fazem se aprofundar. O choque é a pandemia. A forma como é possível combatê-la é a consequência, pois leva ao isolamento, que interrompe a produção e o comércio e gera a crise econômica. A crise econômica, por sua vez, causa impactos e conflitos, que aprofundam a crise. A busca de proteção e a fuga para a segurança acarretam falta de liquidez (recursos em caixa para uso imediato) e quedas acentuadas nas bolsas e outros ativos do mercado financeiro. A queda de atividade produz conflitos econômicos como entre Arábia Saudita, Rússia e EUA, sobre a produção do petróleo, levando à queda acentuada do seu preço logo no início da crise. As instituições também sofrem um verdadeiro teste de estresse, na sequência. Os governantes precisam gerir ambas as crises, a sanitária e a econômica, com menos recursos disponíveis. Estados e prefeituras precisam tomar decisões duras para evitar o contágio do vírus e coordenar entre si. A coordenação entre eles e com o governo federal é fundamental, na questão sanitária, mas também no financiamento de despesas crescentes com arrecadação em queda acentuada. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário precisam atuar cada um na sua esfera, mas rapidamente e de forma harmônica para enfrentar e atenuar a crise. A falta de sintonia de uma esfera pode comprometer o esforço do conjunto, como estamos observando no Brasil. O governo e as instituições não estão passando pelo teste de estresse da crise. O isolamento é um verdadeiro choque de oferta, na medida em que boa parte da força produtiva não pode trabalhar ou abrir seus negócios. Nesse contexto, estímulos à demanda no curto prazo não são a resposta mais adequada. Na incapacidade de produzir (várias fábricas e comércio fechados) e de consumir, não haverá incentivo que faça a atividade se recuperar. Claro que, na medida em que há simultaneamente perda de renda (salários e lucros) e riqueza (queda do valor dos ativos) e um acentuado aumento da incerteza quanto ao futuro, a demanda acaba sofrendo também como consequência. O estímulo à demanda será um fator relevante na recuperação da economia, quando as causas do choque já estiverem endereçadas (vacina, imunidade etc.). Mas não deveria ser a prioridade no curtíssimo prazo (exemplo: não seria o momento para iniciar grandes obras públicas, mesmo que houvesse recursos, o que também não é o caso no Brasil). A gestão da crise econômica, portanto, deve se concentrar em mitigar a crise e dar suporte para que pessoas e empresas consigam atravessar esse período. A queda da capacidade de gerar renda e a ausência de poupança de muitos os colocam numa situação de muita vulnerabilidade. É necessário atuar junto a esses mais vulneráveis – com renda mínima, crédito subsidiado e garantido pelo Estado, entre outras ações – até a saída da crise ocorrer com a volta gradual à normalidade econômica. A ação do Estado (e do próprio setor privado) deve focar em mitigação e suporte, não diretamente estímulo à demanda, durante o período de crise e interrupção de atividade. É imprescindível evitar que o atual choque vire permanente. Quanto mais cuidarmos de mitigar o impacto e dermos suporte na crise, preservando pessoas e empresas, menor será a perda de produto potencial da economia. Portanto, o papel do governo, da sociedade de forma geral, é proteger os mais vulneráveis, aqueles que não têm recursos e condições de atravessar essa crise, que será dura, mas passageira. O objetivo é evitar que essa crise tenha consequências permanentes, principalmente perda de vidas, mas também de empregos e da capacidade da economia de se recuperar, assim que a pandemia permitir. Para isso, o governo precisará despender um montante elevado de recursos, a exemplo de quase todas as economias do mundo. Os gastos no presente nos levarão a tomar emprestado do futuro. A dívida pública vai aumentar substancialmente. O problema, ao contrário do resto do mundo, é que entramos nessa crise já comprometidos do ponto de vista fiscal. Entre os emergentes, o Brasil já possuía uma dívida bruta elevada de 76% do PIB, ante a média de 50% do PIB das economias emergentes. Neste ano, dada a necessidade de gastar mais para proteger as pessoas em situação vulnerável e garantir maiores recursos para saúde, o aumento do déficit e a queda do PIB levarão a dívida para ao menos 90% do PIB. Já faz anos que estamos implementando reformas para tentar estabilizar a dívida pública como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), que ainda crescia no momento que a crise eclodiu. Nessa crise, infelizmente, temos gastos maiores do que nossa condição fiscal permite. Mesmo indo ao limite do possível, e um pouco além, será imperativo fazer escolhas e focar nas despesas que consideremos prioritárias. O momento é de enfrentar a realidade, não a negar. Precisamos entender que os recursos são limitados. Isso significa rechaçar saídas ilusórias para o problema de falta de recursos. As saídas sem custos, infelizmente, não existem. Quanto maiores os gastos no presente, mais difícil de estabilizar a dívida no futuro, na medida em que o ajuste fiscal terá que ser maior. Emissão de moeda também não é uma solução sem custos. A emissão monetária significa elevar o passivo reservas bancárias/depósito voluntário (ou compromissadas no Brasil) para poder adquirir ativos ou dar crédito. O passivo do BC é uma dívida do governo. Em outras palavras, para todos os fins, aumento do passivo do BC eleva a dívida do governo. E essa última será um problema crescente no futuro. De fato, escolher prioridades é essencial. Não temos dinheiro, energia, e capacidade de gestão para fazer tudo. Temos que focar nas tarefas de mitigação/suporte e de preservar o produto potencial. O ideal é nos planejarmos para a uma crise mais longa. Nesse sentido, não escaparemos de focar em dois aspectos: 1. Prover uma renda mínima para os mais vulneráveis pelo período da crise, no montante necessário, mas também compatível com o prazo da crise estimada e os recursos disponíveis. Exemplo inicial foram os 600 reais distribuídos no início da crise (sem entrar aqui no mérito do montante e abrangência). 2. Governo e o sistema financeiro devem focar nas empresas mais vulneráveis na crise, com o objetivo de manter as que tenham viabilidade no longo prazo. Programas de crédito a pequenas e médias empresas com subsídio e garantias explícitas do Tesouro Nacional se encaixam nesse esforço. Aqui o foco é assumir o risco de crédito, diferente do risco de liquidez. Esse último foi bem endereçado no começo da crise pelo Banco Central que disponibilizou liquidez e recursos para que não tenhamos uma crise financeira como consequência da crise sanitária e econômica. Em suma, não escapamos de focar e fazer escolhas na distribuição de recursos, nos gastos do governo. Isso significa concentrar no que é realmente necessário: proteger as vidas, as pessoas mais vulneráveis, os informais e os autônomos, os empregos e as pequenas e médias empresas. As grandes obras, proteção das grandes empresas e outros deverão ser deixados para um segundo momento, caso haja mais recursos ou a crise se revelar mais curta. Não é o momento de exacerbar os conflitos e as diferenças, enfraquecer as instituições e com isso ameaçar a democracia. Há que se lembrar de que estamos no meio de uma das piores crises de saúde pública das nossas vidas com consequências graves sobre a população e a economia. Esse momento exige responsabilidade, coordenação e gestão.

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