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Autores:
HAMILTON DIAS DE SOUZA
Sócio fundador dos escritórios Dias de Souza Advogados Associados (SP) e Advocacia Dias de Souza (DF), Mestre e especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), onde lecionou.
THÚLIO JOSÉ MICHILINI MUNIZ DE CARVALHO
Membro do escritório Dias de Souza Advogados (SP), Mestrando em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
No passado, muito se discutiu quanto à natureza dos empréstimos compulsórios, existindo registros de, pelo menos, quatro linhas sobre o tema. Houve quem os considerasse um “misto” entre empréstimo e imposto (DUVERGER, 1960, pp. 174 e ss.; LAUFENBURGER, 1945, p. 8). Houve, ainda, quem os encarasse como mútuo forçado, fruto de contrato “coativo” entre Estado e particular (FLEINER, 1933, p. 256; SAN TIAGO DANTAS, 1953, pp. 13 e ss.). Além disso, alguns os identificaram com requisições estatais de dinheiro (JÈZE, 1922, pp. 468-469; FONROUGE, 1962, p. 882). E, por fim, parte dos autores os trataram como impostos restituíveis (GRAZIANI, 1897, p. 625; BALEEIRO, 1958, p. 867).
Atualmente, tal discussão encontra-se superada no âmbito do direito pátrio. Afinal, as dúvidas quanto ao tema foram eliminadas pela Constituição de 1988 ( CF/88), que, além de encartar os empréstimos compulsórios em seu capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, é expressa ao tratar-lhes como tributos de competência privativa da União (art. 148 c/c art. 150, III, b). Adicionalmente, há iterativos julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que, mesmo à luz da Constituição de 1969 (CF/69), empréstimos compulsórios já se consideravam tributos, sujeitando-se, como tais, às limitações constitucionais ao poder de tributar 1 - 2 .
Assim, como qualquer tributo (gênero), o empréstimo compulsório consiste em prestação pecuniária (em moeda), de caráter obrigatório, exigida em decorrência de lei e mediante atividade administrativa vinculada, tendo por pressuposto atos/fatos lícitos relacionados ao sujeito passivo ( CTN, art. 3º). Suas notas específicas residem no fato de que, além de ser da competência exclusiva da União e instituída por lei complementar, a exigência: (i) deve ser justificada por situações graves ou relevantes ( CF/88, art. 148), caracterizadas de modo claro (DERZI, 2010, 1064-1067); (ii) tem caráter finalístico e vinculado, na medida em que é devida não apenas “‘porque’ algo ocorreu, mas ‘para que’ algo se obtenha” (GRECO, 2001, p. 18; SCHOUERI, 2017, p. 226); e (iii) implica promessa irretratável de devolução do valor recolhido (LOBO TORRES, 2007, pp. 669 e ss.).
Embora o instituto exista em nosso ordenamento jurídico há muitos anos, suas especificidades não foram examinadas em toda sua extensão. Há, de fato, uma série de questões que ou não foram enfrentadas à luz do sistema vigente, ou o foram de modo superficial. Assim, diante do surto de COVID-19, que tem suscitado discussões sobre a possível criação de empréstimo compulsório para reforçar os cofres públicos, convém resgatar alguns dos traços relevantes do instituto, a fim de contribuir para o controle de legitimidade de eventual tributo que venha a ser criado sob esse pretexto.
Nos termos do art. 148 da Constituição, duas são as hipóteses de empréstimos compulsórios admitidas pelo ordenamento jurídico vigente. Na primeira, o tributo é criado “para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência” (inc. I). Na segunda, a exigência destina-se a arrecadar recursos para a realização “de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional” (inc. II) 3 .
Especificamente no que concerne ao surto de COVID-19, a única hipótese que, em tese, autorizaria a instituição de empréstimo compulsório é a que se refere a gastos emergenciais decorrentes de calamidades públicas ( CF/88, art. 148, I). Afinal, de um lado, parece claro que o quadro não é de guerra externa, atual ou iminente. E, de outro lado, embora alguns possam dizer que a epidemia requer “investimentos” nas áreas econômica e médico-hospitalar, tal hipótese não se adequa ao “caso”, sobretudo porque, se adotada, seria obrigatória a observância à regra da anterioridade anual ( CF/88, art. 148, II c/c 150, III, b), o que inviabilizaria a arrecadação “imediata” que a atual conjuntura do País aparenta reclamar.
Desse modo, o objeto do presente trabalho são os aspectos fundamentais dos empréstimos compulsórios relacionados a calamidades públicas, especialmente os critérios de controle de legitimidade aplicáveis a eventual tributo criado sob esse rótulo.
Decorre do art. 148 da Constituição que empréstimos compulsórios integram estruturas meio/fim bem definidas e, como tais, são instrumentos atribuídos à União para que ela possa agir no âmbito de competências que lhes são próprias. Realmente, do ângulo gramatical, a norma é expressa no sentido de que o instituto existe “para algo”, isto é, “para atender” às necessidades estatais ali indicadas. Assim, a regra de competência dá o meio atrelado a fins predeterminados, isto é, endereça as ações da União a serem financiadas pelo tributo, indicando, taxativamente, as finalidades ou as causas que legitimam sua instituição 4 .
Numa perspectiva lógico-sistemática, essa estrutura meio/fim torna-se ainda mais evidente. Afinal, de um lado, tem-se a “competência-meio”, privativa da União, para criar empréstimos compulsórios para custeio de gastos específicos. E, de outro, tem-se um conjunto “competências-fim” que também são próprias do governo federal, seja por força de disposições constitucionais expressas, como a defesa do Estado em caso calamidade ou guerra ( CF/88, arts. 21 5 e 22 6 ), seja em função de interesses gerais da Nação, como no caso de investimento público “de relevância nacional”, que são da alçada da União e atraem ações por parte desta, nos termos da doutrina 7 e de julgados do Supremo Tribunal Federal (STF) 8 .
Nesse exato sentido, empréstimos compulsórios assemelham-se às contribuições, pois também constituem tributos cujos fatos geradores são qualificados pela finalidade, incidindo “não ‘porque’ algo ocorreu, mas ‘para que’ algo se obtenha” (GRECO, 2001, p. 18). Consequentemente, é obrigatório …
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