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Carlos Nelson Konder
Apesar de sua longa trajetória histórica, o enriquecimento sem causa ainda sofre pela falta de precisão técnica na sua evocação pelos operadores do direito. Não obstante os esforços dogmáticos no sentido de apresentar requisitos precisos e científicos para a sua incidência, ele é diuturnamente confundido com o enriquecimento ilícito ou mesmo citado como argumento contra qualquer situação que se repute injusta ou desequilibrada. A insegurança gerada por esse apelo ao enriquecimento sem causa como um “faça-se justiça” gera efeitos negativos no meio empresarial e é incompatível com a sistematicidade do ordenamento jurídico.
No âmbito securitário esse tipo de problema se torna especialmente dramático, tendo em vista que o funcionamento do mercado depende de cálculos atuarias precisos, que não podem absorver decisões arbitrárias fundadas em referências genéricas e não científicas. 2 O preço pago pelo contrato é fundado justamente na avaliação cuidadosa de probabilidades e riscos, razão pela qual se torna especialmente importante que a invocação de uma figura secular como o enriquecimento sem causa, central à sistemática do nosso ordenamento, ocorra com base em critérios objetivos e devidamente fundamentados.
Cumpre, portanto, iniciar pela exposição geral de quais seriam os critérios gerais para a invocação do enriquecimento sem causa, confrontando-os com as peculiaridades do contrato de seguro, para então passar a um panorama das principais controvérsias que envolvem as ligações entre esses dois institutos fundamentais do direito negocial brasileiro.
Antes mesmo de sua previsão no Código Civil de 2002, a vedação ao enriquecimento sem causa era reconhecida no ordenamento brasileiro como um princípio geral de direito, inferido a partir de hipóteses específicas que se inspiravam nele, como o dever de ressarcir benfeitorias, a retribuição pela gestão de negócios e, principalmente, a obrigação de devolução do pagamento indevido. 3 Fundamentado tradicionalmente na ideia de justiça comutativa 4 ou na teoria da destinação dos bens 5 , a doutrina mais recente vem buscando reler o princípio da proibição de locupletamento indevido à luz da boa-fé 6 e dos princípios constitucionais 7 .
No âmbito jurisprudencial se fazia sentir a grande generalidade do conteúdo do princípio e de seus fundamentos, invocado como válvula de escape, de forma similar à razoabilidade, para as situações mais diversas, que foram desde a utilização do cheque como garantia, passando pela ampliação das hipóteses de correção monetária, até o recorrente uso para o controle das indenizações por dano moral: a ampliação exagerada da abrangência do princípio veio acompanhada de relativo esvaziamento de seu conteúdo e maior imprecisão em seus termos. 8 Em boa hora o Código Civil positivou o enriquecimento sem causa como instituto, atuando como fonte da obrigação de restituir nos casos em que se caracterizou o locupletamento indevido e prevendo alguns dos requisitos para a pretensão restitutória (actio de in rem verso).
De início, a positivação na codificação consolida sua autonomia, apartando-se das demais fontes das obrigações. Frente aos negócios jurídicos, como testamentos e contratos, o enriquecimento sem causa se distingue pela ausência de manifestação de vontade para a criação daquela obrigação específica de restituir. Diferencia-se da responsabilidade civil por prescindir da caracterização de ilícito (conduta culposa) ou risco, bem como não depender de dano, para o surgimento do dever restitutório. 9 Ao contrário da confusão recorrente, o enriquecimento sem causa não é enriquecimento ilícito, mas somente uma …
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