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Flavio Galdino
É com enorme satisfação que tenho o privilégio de me associar a grandes nomes do Direito para participar da obra em celebração dos Vinte Anos do prestigioso Escritório de Advocacia Chalfin, Goldberg & Vanboim, que vem a ser uma referência na advocacia, incluindo, mas não se limitando à advocacia no âmbito do Direito dos Seguros. Verdadeiramente honrado com o convite dos eminentes colegas Ilan Goldberg e Thiago Junqueira, é motivo de grande orgulho participar desta justa e merecida homenagem!
O presente estudo tem por objetivo analisar a questão da sujeição de créditos derivados de contratos de seguro garantia ao regime concursal da recuperação judicial, apresentando um panorama acerca da discussão na doutrina e na jurisprudência, posicionando-se a respeito da controvérsia central surgida na prática processual. A discussão é jurídica, mas revela interesse econômico substancial, uma vez que os valores envolvidos tendem a ser relevantes e o posicionamento final que venha a ser adotado tende a influenciar de modo determinante as estratégias dos processos recuperacionais em que haja créditos oriundos deste tipo de relação contratual.
Para alcançar tal objetivo, sempre à luz do direito vigente 2 , mostra-se necessário desenvolver alguns conceitos que serão utilizados na discussão do tema central, como sejam (i) o conceito e os elementos essenciais do contrato de seguro; (ii) os contornos do contrato de seguro garantia e dos instrumentos assemelhados. Uma vez que tenham sido fixadas tais premissas, passa-se a analisar (iii) a sujeição (ou não) dos créditos derivados de contratos de seguro garantia ao regime concursal da recuperação judicial. Ao final, são enunciadas as conclusões do autor quanto ao tema discutido, posicionando-se acerca da controvérsia.
Nos termos do disposto no art. 757 do Código Civil (“CC”), o contrato de seguro é o negócio jurídico por meio do qual uma parte se obriga, mediante pagamento de um prêmio, a garantir interesse legítimo de outrem contra riscos predeterminados. Do ponto de vista prático, o seguro é um dos contratos de maior relevância econômica no direito privado e empresarial brasileiro, pois é instrumento de socialização de riscos.
Trata-se de contrato que é aperfeiçoado pela mera manifestação de vontade, sem a necessidade de qualquer ato adicional por parte dos contratantes, sendo certo que para sua prova é necessária a exibição de documento escrito (art. 758, CC) 3 . Usualmente trata-se de contrato de adesão e estabelece relação continuada: o contrato se protrai no tempo, vinculando o segurado e o segurador a prestações sucessivas durante um lapso temporal determinado 4 , quase sempre sujeito à renovação.
O risco é o elemento principal desse tipo negocial. Em obra já reputada clássica sobre o contrato de seguro, traduz-se o risco como o perigo de um mal 5 . O segurado, via de regra, será o tomador do seguro, ou seja, a pessoa que transfere o risco para o segurador, ficando garantida contra eventual sinistro. Como contraprestação, o segurado tem o dever de pagar a contraprestação (prêmio). É importante ressaltar que, em alguns casos, o tomador não será o titular do interesse legítimo protegido pelo seguro. Nessas hipóteses, haverá também a figura do beneficiário, indivíduo que usufruirá do benefício proveniente do contrato firmado entre segurador e tomador. O contrato de seguro é negócio jurídico bilateral, oneroso e consensual. Seu principal elemento é a socialização do risco, traduzido como o evento futuro e incerto a que está exposto o legítimo interesse segurado.
Em relação à prestação do segurador, há uma interessante controvérsia acadêmica. Um primeiro conjunto de estudiosos entende que a obrigação principal do segurador será a prestação de uma garantia. Neste viés de orientação, o contrato de seguro seria comutativo, pois as partes conhecem desde a celebração do negócio as suas prestações equivalentes (prêmio, para o tomador, e oferecimento de garantia para o segurador). Diversamente, outros autores afirmam que o contrato de seguro tem natureza aleatória. Para alcançar tal entendimento, a prestação do segurador seria a indenização, de modo que o oferecimento da garantia seria apenas o meio para sua consecução. Como o pagamento só ocorrerá na ocasião de um sinistro, que é um evento futuro e incerto, não existe equivalência originária entre as obrigações do segurador e do segurado, caracterizando o contrato como aleatório.
O texto legal é a referência fundamental na exegese do tipo contratual. O Código Civil em vigor (2002) parece ter se afastado do regime estabelecido pelo Código Civil anterior (1916): enquanto o anterior falava em indenização como característica essencial do contrato de seguro, o atual fala expressamente em garantia. Nesse sentido, a prestação principal do segurador teria deixado de ser a indenização exigível na hipótese de ocorrência do sinistro e teria passado a ser a própria garantia, exigível mesmo na hipótese de não ocorrer o sinistro (que é o que acontece na maioria dos casos). Essa leitura aproxima os institutos do seguro e das garantias, o que tende a ser útil na análise do regime aplicado no ambiente do concurso decorrente da recuperação judicial. Haveria no contrato de seguro um sinalagma atípico, decorrente da complexidade da obrigação do segurador: “o sinalagma seria simétrico na gênese, contrapondo prêmio (a prestação única do segurado) e garantia (o contínuo fazer do segurador) e assimétrico na função, pois se ocorresse o sinistro haveria indenização sem nova contrapartida do segurado” 6 .
De outro lado, o entendimento que parece ser (ao menos quantitativamente) majoritário 7 afirma que o contrato de seguro tem natureza aleatória: a prestação central do segurador seria a indenização efetiva em caso de sinistro, de modo que o oferecimento da garantia seria apenas o meio para sua consecução. Como o pagamento só ocorrerá na ocasião de um sinistro, que é um evento futuro e incerto, não existe equivalência originária entre as obrigações do segurador e do segurado, caracterizando o contrato como aleatório. Neste diapasão, ainda que o risco econômico seja virtualmente eliminado ou substancialmente atenuado em razão dos cálculos atuariais e do mutualismo, a …
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