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Marcia Mannheimer
Guilherme Bernardes
O direito brasileiro é incipiente quando se trata da normatização do direito dos seguros. Enquanto no direito comparado o instituto possui leis dedicadas à sua regulação desde o início do século XX 3 , no Brasil sua sistematização é feita de forma genérica, do artigo 757 ao artigo 802 do Código Civil.
Embora alguns projetos de lei já tenham sido propostos para disciplinar a matéria 4 , todos eles sem sucesso até momento, naturalmente acaba sendo legada à doutrina e à jurisprudência a função de aprofundar adequadamenteo tema, enquanto a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) regulam os produtos e entidades atuantes no mercado.
Por essa característica, algumas zonas cinzas ainda podem ser notadas, como ocorre com os beneficiários. Trata-se de figura com especial relevância nos seguros de vida propriamente ditos 5 , produto cujo fato gerador a atrair a cobertura é a morte do segurado 6 , criando para a seguradora obrigação de indenizar um terceiro.
Se os seguros são disciplinados em parcos quarenta e cinco artigos, tratam da figura do beneficiário somente quatro deles, não escapando aos olhos mais atentos que o legislador, em vez de disciplinar sua indicação, preferiu tratar de sua ausência ou da não prevalência da que foi feita 7 .
Essa avareza de normas dificulta a identificação do real titular do capital segurado, gerando intensas disputas entre os possíveis beneficiários e retardando o pagamento da indenização, exigindo, assim, a intervenção do Poder Judiciário para tentar compreender a verdadeira intenção do segurado ao indicar – ou deixar de fazê-lo – o beneficiário, gerando um vasto contencioso com soluções nem sempre uniformes.
Não fosse a insuficiente normatização – note-se, v.g., a lei brasileira sequer apresenta dispositivo dedicado a disciplinar a interpretação da cláusula beneficiária 8 –, a parte dedicada ao beneficiário no Código Civil contempla regra de direito de família, trazendo para o âmbito do direito securitário questões dessa seara e do direito de sucessões, muitas delas complexas, que exigirão uma visão conjunta destes diferentes campos do direito.
Assim, embora a doutrina nacional dedique algumas laudas a respeito do tema e a jurisprudência já o tenha enfrentado diversas vezes, a figura merece melhor investigação. É o que se propõe nesse artigo.
O contrato de seguro é, de maneira geral, composto entre duas partes, o segurado e o segurador, e caracterizado pela existência de quatro elementos: interesse segurável, prestação do segurador, prêmio e risco. Nessa relação, por expressa previsão do artigo 765 do Código Civil, as partes devem sempre prestar informações de forma verídica, atendendo à mais estrita boa-fé (uberrimae fidei), que, pela própria redação, é mais profunda que a boa-fé habitual que rege os contratos (bona fidae) e está prescrita no artigo 422 do mesmo diploma.
No caso do seguro de vida por morte, o beneficiário surge como uma terceira figura, sem ser parte do contrato e como titular do crédito que será pago pela seguradora com ocorrência do sinistro 9 . Na maioria dos casos, até o momento da morte do segurado, é normal que o beneficiário sequer conheça a existência dessa relação contratual que lhe gerará frutos. Para a seguradora, portanto, independe quem seja o segurado, com quem a única obrigação é efetuar o pagamento da indenização pactuada.
Trata-se, assim, de seguro a favor de outrem/em benefício de terceiros, daí o nome beneficiário, já que o direito de indenização a ele pertencerá, devendo ser esclarecido, de antemão, que não se trata de seguro feito sobre a vida de outros, previsto no artigo 790 do Código Civil, que será avaliado no item 4. Quando não decorrer de obrigação assumida pelo segurado ou esse não a renunciar, a escolha do beneficiário é livre e pode ocorrer a qualquer momento. Para que seja eficaz, deve ser recebida pela seguradora (declaração recipienda) 10 , regime que também se aplica à substituição.
Caso a designação/substituição/indicação de mais um beneficiário não chegue ao conhecimento da seguradora, o negócio jurídico permanecerá válido, sendo ineficaz apenas em relação ao novel beneficiário e, nessa ocasião, a seguradora estará livre da obrigação de pagar a indenização ao novo indicado se, de boa-fé, pagar o capital segurado ao beneficiário anteriormente informado 11 .
Da mesma forma, o segurado não está impedido de fazer indicações genéricas, ou até mesmo de nem as fazer, já que a falta de designação específica de um beneficiário não influirá na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio 12 .
Assim sendo, é possível que sejam imprecisamente indicados “mulher e filhos” como beneficiários e, quando o segurado deixar de nomeá-los, quando a indicação for contra a lei ou imprecisa ou, ainda, nos casos em que o beneficiário apontado não sobreviver ao segurado, o capital segurado será pago, em relação à parte sem destinação, “ao cônjuge não separado judicialmente e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da vocação hereditária”.
Nesse sentido, em não havendo os listados, o pagamento será feito àqueles que provarem depender financeiramente do segurado, observando-se, aqui e acolá, a opção do legislador pela inclusão de critério afetivo/socioeconômico. Dessa disposição, verifica-se que o seguro de vida tem por função social proteger aqueles que vivem com o segurado, experimentavam de sua companhia e, com a perda, ficarão financeiramente prejudicados.
Por fim, aplicam-se também ao beneficiário as proteções previstas no Código de Defesa do Consumidor 13 , tanto pela sua posição no contrato, não sendo parte, quanto pela estrutura de contrato de adesão que marca o contrato de seguro de vida por morte 14 .
O beneficiário é designado, na grande maioria dos casos, no momento da contratação, cujos formulários de informação a serem preenchidos pelo segurado contêm campos para indicação de nome, grau de parentesco e percentual de participação 15 . Pela ausência de disciplina legal do momento de designação, nada impede que ela seja feita em qualquer momento da vida do segurado, inclusive por testamento.
O beneficiário pode ser indicado a título gratuito ou oneroso e a lógica para a substituição segue o mesmo regime da indicação: se feita de forma gratuita, pode ser alterada de forma gratuita; se atrelada a uma obrigação, só pode ser alterada se satisfeita a obrigação.
A indicação a título gratuito, mais frequente, é feita livremente e por ato unilateral do segurado, já que não depende de anuência da seguradora e tampouco aceitação do beneficiário. Nessa situação, a substituição do beneficiário é livre, contanto que o segurado não tenha expressamente renunciado a ela, conforme determina o caput do artigo 791 do Código Civil.
Já a indicação a título oneroso ocorre quando o segurado a faz como contraprestação de uma obrigação assumida, havendo vinculação da indicação do beneficiário do seguro a outro negócio jurídico. Ao contrário da gratuita, a designação onerosa só pode ser substituída enquanto a obrigação vinculada tiver sido extinta, por qualquer título que seja, havendo quem defenda que o adimplemento de parte da obrigação possibilite que parcela do percentual designado possa ser substituída 16 .
O momento da designação do beneficiário, por sua vez, não se confunde com o momento do aperfeiçoamento da sua condição.
Como a regra geral das designações é a forma gratuita, o beneficiário regularmente é um terceiro que experimenta efeitos patrimoniais favoráveis decorrentes do contrato de seguro 17 e, nesse sentido, sua condição só se …
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