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Judith Martins-Costa
A função do cosseguro está em fragmentar ou diluir horizontalmente os riscos segurados 2 , evitando que apenas uma seguradora arque, isoladamente, com a indenização ao segurado, o que é da maior valia quando há uma grande exposição ao risco ou a elevada possibilidade de ocorrência de sinistro. Já por aí se vê que o cosseguro corresponde a relevantes e prementes necessidades práticas, como aponta, aliás, recente relatório elaborado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) 3 . Em face dos efeitos da pandemia da COVID-19 4 , essas necessidade e urgência fazem da contratação de um cosseguro uma medida especialmente útil. Só esses fatores justificariam um retorno ao tema passadas quase duas décadas desde minhas primeiras reflexões sobre o tema 5 .
Neste retorno, todavia, constato certo paradoxo e inegável incongruência: a par da evolução no tratamento legislativo do instituto está a persistência de um antigo problema – comumente, na experiência jurídica brasileira, o que se pratica são certas formas de colaboração interempresarial diversas do modelo do cosseguro, embora ajustadas sob o seu nomen juris. A existência de um pool de seguradoras e a não revelação (ou a revelação incompleta) dessa circunstância ao tomador do seguro desvirtuam o cosseguro a ponto de a figura ser denominada “cosseguro anômalo” ou “oculto”, também conhecido como “cosseguro atípico ou administrativo” 6 . A distorção remanesce apesar de o Código Civil de 2002 ter disciplinado o cosseguro 7 e regrado o dever de informar e de guardar a veracidade a cargo de ambas as partes 8 . É assim atestada por textos doutrinários e decisões recentes que dão conta da reiterada violação, pelas seguradoras, do dever de informar o segurado a respeito da “distribuição” do risco em quotas-partes entre outras seguradoras, por vezes sequer inserindo essas informações no contrato.
Diante desse cenário, resta saber se existem e quais são as soluções oferecidas pelo Ordenamento jurídico ao adequado tratamento do cosseguro e de suas distorções. Um ensaio de resposta requer recordar o que constitui, tipicamente, um cosseguro (Parte 1) para, em seguida, endereçar os arranjos e as fragilidades verificadas na prática brasileira (Parte 2).
Diz-se haver cosseguro quando, por meio de um único contrato 9 , duas ou mais cosseguradoras atuam de modo conjunto diante do risco, oferecendo cobertura completa ao segurado. Como já antes apontado, a peculiaridade está em que várias seguradoras asseguram o mesmo interesse 10 e assumem determinado risco, comumente mediante um contrato de seguro único, com as mesmas garantias e período de duração e com um prêmio global, e sem que entre elas haja solidariedade.
Nos termos do art. 2º, II, da Lei Complementar nº 126/2007, o cosseguro constitui operação econômico-jurídica por meio da qual “2 (duas) ou mais sociedades seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada apólice, sem solidariedade entre elas”. Trata-se, sinteticamente, do “seguro do mesmo interesse” celebrado com duas ou mais seguradoras 11 . Do ponto de vista estrutural, observa-se a vinculação entre um “polo segurador”, formado por várias empresas seguradoras, e um “polo segurado”, onde está o credor do seguro ou o seu beneficiário. Já do ponto de vista funcional, a principal característica do cosseguro está no fato de o risco ser garantido conjuntamente por todos os integrantes do polo segurador, embora cada qual assuma, no que diz respeito aos aspectos financeiros da operação econômica, uma parte dele 12 .
O cosseguro distingue-se da hipótese de pluralidade de seguros e do resseguro, seja pela análise da operação econômica subjacente, seja pelo exame da relação estabelecida entre as empresas seguradoras e a parte segurada.
No caso de pluralidade de seguros pelo mesmo risco, o segurado contrata, separadamente, com dois ou mais seguradores. Há, portanto, dois ou mais contratos totalmente independentes, sujeitando-se o segurado tão só ao princípio indenitário, segundo o qual a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato 13 . Não há qualquer relação a vincular as distintas seguradoras, os vínculos só sendo formados entre cada uma delas e o segurado, apartadamente. Já no cosseguro há, normalmente, um único contrato e há uma cosseguradora líder que deve, necessária e expressamente, ser indicada na apólice, responsabilizando-se pela centralização e execução dos atos de execução contratual no interesse dos segurados e das demais cosseguradoras 14 .
Já o resseguro é o “seguro do seguro”: o segurador cede, total ou parcialmente, os riscos assumidos, os riscos de determinados tipos, ou o que excede determinado limite dos riscos que assegurou a outro …
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