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Temas Atuais de Direito dos Seguros - Tomo I - Ed. 2021
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Autores:
Guilherme Henrique Lima Reinig
Viviane Isabel Daniel Speck de Souza
Nas últimas décadas, o direito brasileiro adotou medidas rigorosas visando à prevenção de acidentes de trânsito provocadas por condutores sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. A conduta é considerada infração gravíssima , sujeitando-se o infrator à multa e à suspensão do seu direito de dirigir por 12 (doze) meses, conforme previsão do art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro ( CTB). As mesmas consequências também são imputadas ao condutor que se recusa a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa (art. 165-A do CTB). Intolerante com a direção sob a influência de álcool, o CTB dispõe que “ qualquer concentração de álcool por litro de sangue ou por litro de ar alveolar sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165” (art. 276, caput – destaque nosso) e estipula regras estritas na disciplina penal do tema (arts. 291 e ss.).
A orientação repressiva do legislador contrastava com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na seara securitária. Para a Corte, a simples comprovação do consumo de álcool pelo condutor de veículo automotor envolvido em acidente não era suficiente para a seguradora recusar o pagamento da indenização securitária. Para isso, seria indispensável a comprovação de que o estado de embriaguez foi a causa determinante do sinistro. A orientação do Tribunal da Cidadania, favorável aos segurados e beneficiários do seguro, era criticada por parte da doutrina. Apontava-se, em síntese, uma incoerência com os valores e objetivos acolhidos pelo ordenamento jurídico no enfrentamento do grave problema da segurança no trânsito. 3
Independentemente do acerto ou não dessa crítica, em 2016 o STJ deu início a uma mudança de seu entendimento sobre o tema. No julgamento do Recurso Especial n. 1.485.717 -SP, a 3ª Turma entendeu que a condução do veículo, após o consumo de álcool, agrava o risco de sinistro e justifica a perda da garantia, nos termos do art. 768 do Código Civil , 4 sendo ônus do beneficiário do seguro comprovar que o acidente ocorreria independentemente do estado de embriaguez do condutor. Não obstante a discordância de parte da doutrina, 5 essa orientação consolidou-se em posteriores acórdãos do STJ.
Nesse contexto, uma importante questão consiste em definir como deve se dar a prova da ausência de nexo causal entre o agravamento do risco e a ocorrência do infortúnio. Por questões processuais, 6 os julgados do STJ não enfrentam esse aspecto em sua integralidade. Todavia, é relevante estabelecer o critério para decidir, in concreto , se o segurado atendeu ao seu ônus probatório, indagando acerca da aplicabilidade das principais teorias sobre o nexo causal. Antes de analisar esse problema (itens 3 e 4) será realizada uma breve contextualização da disciplina legal da perda da garantia securitária por agravamento do risco pelo segurado (item 1) e uma exposição sobre o entendimento do STJ a respeito da hipótese específica de embriaguez ao volante (item 2).
A hipótese de agravamento do risco coberto já era prevista no art. 1.454 do Código Civil de 1916, segundo o qual, “enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro”. Com redação diversa, o art. 768 do vigente Código Civil determina que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.
O teor literal do dispositivo ocasiona algumas dificuldades de interpretação. Embora se afirme que o artigo consagra o denominado princípio do absenteísmo , segundo o qual o segurado deve se abster de todo e qualquer ato que possa agravar o risco, 7 não é efetivamente todo e qualquer agravamento do risco que enseja a consequência legal da perda da garantia securitária. Judiciosamente, o art. 1.456 do Código Civil de 1916 rezava que, “no aplicar a pena do artigo 1.454, procederá o juiz com equidade, atentando nas circunstâncias reais, e não em probabilidades infundadas, quanto à agravação dos riscos”. Sobre o tema, Clóvis Beviláqua entendia que “não se há de exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo perigo para evitá-lo”. 8 Esse mesmo espírito continua presente no direito vigente, conquanto a regra do Código de 1916 não tenha sido mantida no atual diploma civil. 9
Na interpretação do art. 768, dois extremos devem ser evitados: (i) punir o segurado por todo e qualquer descuido relacionado ao objeto do contrato; e (ii) inviabilizar a aplicação do dispositivo por exigências doutrinárias ou jurisprudenciais não condizentes com a legítima finalidade da previsão legal. Eis, portanto, a importância de se compreender o exato sentido e alcance do referido enunciado, para o que a doutrina oferece uma importante orientação hermenêutica ao considerar o art. 768 um complemento da regra prevista no art. 766, caput , segundo o qual, “se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”. 10
Com efeito, o equilíbrio econômico do contrato de seguro pressupõe tanto uma adequada valoração do risco pelo segurador, para o que concorre a previsão do art. 766, quanto o não agravamento do referido risco por conduta deliberada do segurado, para o que é fundamental a previsão do art. 768. Em ambas as hipóteses (na do art. 766 e na do art. 768) o problema de fundo é o mesmo: a delimitação dos riscos que constituem o objeto da garantia securitária, que pode ser negativamente afetada de duas maneiras: i) por uma inexatidão de informações relevantes imputada ao segurado; ou ii) por uma conduta posterior deste alterando circunstâncias fundamentais para a estimação do risco. 11
Por isso, de forma muito semelhante ao que ocorre com o art. 766, a agravação do risco objeto do contrato, prevista no art. 768, “deve ser interpretada em função do próprio risco”, conforme acertadamente lecionou Serpa Lopes sobre o art. 1.454 do diploma civil revogado: “A agravação caracteriza-se e justifica-se pelo fato de importar numa apreciação diversa do risco não garantido pelo segurador, isto é, que não teria garantido ou não o teria coberto senão mediante um prêmio mais elevado”. 12 É nesse sentido que a …
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