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A Boa-Fé Objetiva Pré-Contratual - Ed. 2019
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Passada a fase em que os foros brasileiros acolheram o princípio da boa-fé com sabor de novidade, é chegada a hora de sua sedimentação, para o que imprescindível o lavor doutrinário crítico e propositivo de critérios orientadores de sua aplicação. Parece, assim, oportuno centrar o foco nas potencialidades operativas da boa-fé em vista da necessidade de delimitação desse instituto, melhor sendo precisados os contornos dos seus campos operativos e precisadas as suas distintas funções. 1
Judith Martins-Costa
No capítulo que a este precede (itens 2.5 e 2.6), foi demonstrada a necessidade do dirigismo contratual por meio da intervenção judicial e jurisprudencial do Estado para consecução dos fins da justiça social e afastamento da desproporcionalidade da prestação devida nos contratos civis não paritários, por adesão, em massa (Massenverträgen) e nos contratos condizentes às relações de consumo, adotando-se como base a instrumentalidade dos princípios jurídicos.
Viu-se, igualmente, que a teoria contratual tradicional, ao utilizar o parâmetro da vontade como um substrato do suporte fático, não consegue mais responder aos anseios sociais advindos da pós-modernidade, de acordo com o paradigma do presente.
A seguir, então, destacaremos a utilidade e a indispensabilidade do princípio da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, as suas funções e os seus deveres anexos de conduta (laterais ou secundários – Nebenpflichten, do direito alemão) que dela se originam, gradativamente, em uma relação negocial ou no contato social.
Antes, porém, vale dizer que o tema não deixa de suscitar controvérsias – ainda mais na doutrina brasileira 2 , polarizada entre a imutabilidade e a relativização da autonomia da vontade –, embora reste induvidosamente que o princípio da boa-fé seja um dos pilares mestres das codificações dos séculos XX e XXI.
Portanto, as críticas sobre a hipertrofia de princípios e cláusulas gerais, sobre as funções da boa-fé e o alargamento do seu campo de aplicação não coadunam com a moderna dinâmica do direito contratual rumo à prevalência do equilíbrio das prestações 3 e com a função social do contrato, que, frisa-se, também pode ter eficácia interna entre as partes (Enunciado n. 360 do CJF/STJ 4 ).
Aliás, o standard ético-jurídico vigente nos países que adotam o sistema de civil law demonstra isso, ou seja, a admissão de um Direito dos Contratos mais justo, equânime – e várias nações do common law tendem a recepcionar essa nova dinâmica, ainda que por via oblíqua, via indireta, implicitamente, sem que haja previsão legislativa 5 .
Como referências do primeiro sistema acima referido, podemos citar Itália 6 , Portugal 7 e, mais recentemente, França 8 , Argentina 9 e Alemanha 10 – esses três últimos reformaram por completo o direito contratual em 2016, 2014 e 2001, respectivamente –, que fortaleceram e incluíram, de forma expressa, a obrigação dos contratantes de agir segundo a boa-fé e de observar os deveres anexos na fase pré-contratual, denominada, respectivamente, trattative, fase de punctação, pourparlers, tratativas preliminares e Verhandlungen – no sistema anglo-saxão (common law), à essa fase, dá-se o nome de memorandum of understanding.
Assim, não merece prosperar o habitual argumento de que o princípio da boa-fé não tem no direito estrangeiro o vasto campo de atuação que lhe é destinado no direito pátrio; e também não merece prosperar o temerário discurso de que a sua demasiada aplicação gera insegurança jurídica no que condiz aos contratos, tamanha é a fragilidade dessas alegações diante dos fatos e frente ao sólido movimento contemporâneo do Direito Contratual, do novo Direito Contratual.
Ato contínuo de ilustração do que antes foi explicitado, o professor italiano Paolo Gallo 11 , da Universidade de Torino, por todos, asseverou que a gama de deveres pré-contratuais fundada na boa-fé objetiva é extremamente variada e diversificada, absolutamente indefinida, de limites vastíssimos, e que não se restringe à hipótese de retirada injustificada das negociações preliminares.
Logo, da análise dessa moderna legislação e doutrina estrangeiras precisas, no nosso ponto de vista, constata-se a preocupação com o equilíbrio das prestações, com a boa-fé no período pré-contratual, e com o que chamamos aqui de função social do contrato, projetada e considerada – anote-se, mais uma vez – em dois níveis: extrínseco (confronto com valores sociais) e intrínseco (confronto entre as próprias partes), ou, noutros termos, eficácia externa e eficácia interna.
Na Alemanha, os deveres anexos da boa-fé objetiva (Nebenpflichten), tais como a lealdade, a plena informação e o cuidado, merecem robusta proteção no contato social (negocial) e nas relações contratuais. Há muito admitidos pela jurisprudência, são intitulados, sugestivamente, “deveres de consideração” (Rücksichtnahmepflichten) 12 e foram incluídos na parte do direito das obrigações por ocasião da reforma (Gesetz zur Modernisierung des Schuldrechts) do BGB – Código Civil alemão – em 26 de novembro de 2001.
Outro destaque importante deve ser dado à inserção da figura do consumidor 13 (Verbraucher) e do fornecedor (Unternehmer) no próprio BGB, conforme se nota nos §§ 13 e 14, por exemplo. Esses dispositivos são muito semelhantes aos arts. 2º e 3º do nosso CDC, que, recordando, trazem a definição de consumidor e de fornecedor de produtos ou serviços 14 .
Considera-se que a modificação legislativa de …
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