Prefácio

Contam que um antigo Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco dizia que “o especialista é aquele que sabe cada vez mais [coisas] sobre cada vez menos [coisas], até que chega o dia em que ele sabe quase tudo, sobre quase nada”. Na enorme gama das relações humanas que interessam para o direito, conhecer o universo dos contratos é se especializar, sem dúvida. Mas é, ainda, uma especialização generalista e que atinge civilistas, comercialistas, trabalhistas, internacionalistas, filósofos, entre outros. No âmbito do direito contratual, conhecer sobre contratos internacionais circunscreve a temática e garante alguma proeminência a internacional-privatistas, muito embora não exclua os colegas que se dedicam àquelas outras especialidades. No espectro das contratações internacionais, são tantas as possibilidades de engenharia jurídica para satisfazer os interesses das partes e são tantas as prestações possíveis de caracterizarem as obrigações assumidas por uns e outros que se especializar em um específico contrato (o de pesquisa clínica), havido entre duas partes bem destacadas (o patrocinador e o centro de pesquisa), que assumem obrigações demarcadas e minuciosamente delineadas faria pressupor que a pesquisa (científica) empreendida pela autora estaria a confirmar o jargão atribuído, curiosamente, àquele antigo professor de Medicina Legal mencionado no primeiro parágrafo. Ocorre que isso não é de todo verdade. Como poderá notar o leitor, em que pese o assunto possa parecer limitado e circunscrito (um quase nada), tratado com uma profundidade digna de um estudo que desembocou numa belíssima tese acadêmica que valeu à Analluza Bolivar Dallari a obtenção do título de Doutora em Direito (um verdadeiro saber quase tudo, enquanto saber profundo), a verdade é que esse estudo que ganha agora a atenção do grande público é a demonstração de que é possível se especializar a partir de um recorte amplo e holístico. No caso de Analluza, esse estudo veio acompanhado de um fator que se mostrou, a um só tempo, facilitador e desafiador. Seu envolvimento profissional com o tema de sua tese lhe garantia o cabedal a partir do qual seria possível teorizar e, ao mesmo tempo, dificultava o desprendimento que um estudo científico precisa ter para atingir o objetivo de gerar conhecimento. Mas desafios estão aí para serem enfrentados e vencidos. E no caso dessa jovem advogada proveniente dos pampas gaúchos, vencidos com maestria. Sua experiência como advogada que atua na negociação desses contratos enriqueceu a elaboração da tese e – tenho certeza – o arcabouço teórico haurido durante os três anos de estudo e escrita contribuíram para refinar seus desafios profissionais. O texto que em boa hora a Thomson Reuters, por meio da RT, traz a público comprova o que acabo de afirmar. Com efeito, não é nem um manual de como negociar, redigir e firmar contratos internacionais de pesquisa clínica, nem é a tese acadêmica em sua integralidade. É, antes, um construído a partir dessas facetas. É um retrabalho necessário para garantir que a eventual discussão das questões que são aqui abordadas em tribunais ou em foros éticos partirá de um standard mínimo que resguarde, sempre, os interesses e os direitos dos participantes das pesquisas (pacientes, doentes) que visam auferir a efetividade de novos princípios ativos no tratamento de doenças ainda sem cura, bem como a melhor eficácia de novas combinações de substâncias que garantam menores efeitos colaterais aos pacientes, mas, também, os interesses econômicos dos patrocinadores de tais pesquisas (indústrias farmacêuticas), além de resguardar a dignidade profissional dos agentes de saúde envolvidos (médicos, enfermeiros, biólogos, farmacêuticos, pesquisadores). Esse texto é, em suma, o estágio atual das reflexões da autora acerca desse tema, o qual lhe ocupa a atenção, há alguns anos, entre a práxis e a análise que faz a partir daquela. Digo isso para concluir que encontrará aqui o leitor o melhor da reflexão teórica e da aplicação prática acerca de um tema para lá de relevante. Analluza não é, assim, aquela especialista que sabe quase tudo sobre um tema tão ínfimo e quase irrelevante. Ela é uma pesquisadora que se debruçou, com afinco e seriedade, sobre um tema que conhecia na prática para sobre ele tecer relevante construção teórica, de que dou testemunho, tendo sido seu orientador no Doutorado em Direito Internacional, subárea de Direito Internacional Privado, na Faculdade de Direito da USP. E no caminho de volta, como que a dirigir-se da Biblioteca ao Largo defronte à Faculdade, conseguir traduzir seu enorme conhecimento sobre o mesmo tema em uma construção útil para a sociedade. Com esse percurso, demonstra ser uma pesquisadora comprometida com a realidade de seu tempo: gerar conhecimento para o bem-estar da sociedade e das pessoas que a compõem. Por fim, seja-me permitida uma nota sobre a pessoa da autora. Sim, porque as obras são o que nelas vai contido, mas são também aqueles que a redigiram. Nesses anos de convivência acompanhei alguns fatos de sua vida pessoal e familiar: a troca de emprego, o falecimento de seu pai, seu casamento, a gestação de Francisco. Dirão que são fatos corriqueiros e que muitos de nós passamos por boa parte deles em algum momento de nossas vidas. É verdade. Ressalto, todavia, que nenhum desses bons ou maus momentos, que a encheram pessoalmente de alegrias ou de tristezas, fez dela alguém menos comprometida com seus ideais e objetivos. Seu agir foi, certamente, a maior homenagem que poderia ter feito a si própria e aos seus. E agora, a seus leitores. São Paulo, inverno de 2019. Gustavo Ferraz de Campos Monaco Professor Titular de Direito Internacional Privado Faculdade de Direito do Largo São Francisco, USP

Contrato de Pesquisa Clínica - Ed. 2020

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