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Autor:
LUÍS ROBERTO BARROSO
Professor Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestre pela Yale Law School. Doutor e Livre-Docente pela UERJ. Ministro do Supremo Tribunal Federal.
A chegada de uma Constituição à sua terceira década, na América Latina, é um evento digno de comemoração efusiva. Sobretudo se ela, apesar de muitos percalços, tiver conseguido ser uma Carta verdadeiramente normativa, derrotando o passado de textos puramente semânticos ou nominais 1 . É certo que houve chuvas, trovoadas e tempestades. É inevitável em uma vida completa. No momento em que escrevo essas linhas, aliás, o céu continua bem escuro. A fotografia do quadro atual é devastadora. Porém, como se pretenderá demonstrar ao longo do presente ensaio, o filme da democracia brasileira é bom. Temos andado, no geral, na direção certa, embora certamente não na velocidade desejada. É sempre bom relembrar: a história é um caminho que se escolhe, e não um destino que se cumpre. Ao longo dos anos, a Constituição tem sido uma boa bússola. Sobre o desencanto de uma República que ainda não foi, precisamos que ela nos oriente em um novo começo.
Quando a Constituição completou a sua primeira década, escrevi um artigo intitulado “Dez anos da Constituição de 1988: foi bom para você também?”. Logo ao início do artigo, eu voltava o relógio no tempo a 20 anos antes, ao ano de 1978, quando começara o movimento pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Escrevi, então:
O País ainda se recuperava do trauma do fechamento do Congresso Nacional para outorga do Pacote de Abril, conjunto de reformas políticas que eliminavam quaisquer riscos de acesso da oposição a alguma fatia de poder. Os atos institucionais que davam poderes ditatoriais ao Presidente da República continuavam em vigor. O bipartidarismo artificial, a cassação de mandatos parlamentares e casuísmos eleitorais diversos falseavam a representação política. A imprensa ainda enfrentava a censura. Havia presos políticos nos quartéis e brasileiros exilados pelo mundo afora 2 .
Em seguida, o texto dava um salto no tempo para o ano de 1998, ocasião da celebração dos dez anos, quando então anotei:
Mova-se o relógio, agora, de volta para o presente. Estamos no final do ano de 1998. Refazendo-se da longa trajetória, o intrépido viajante intertemporal contempla a paisagem que o cerca, enebriado pelo marcante contraste com a aridez que deixara para trás: a Constituição vige com supremacia, há liberdade partidária, eleições livres em todos os níveis, liberdade de imprensa e uma sociedade politicamente reconciliada.
(...) [É] inegável: sem embargo das dificuldades, dos avanços e dos recuos, das tristezas e decepções do caminho, a história que se vai aqui contar é uma história de sucesso. Um grande sucesso.
Sorria. Você está em uma democracia. 3
O tom moderadamente otimista, sem ignorar os múltiplos obstáculos e dificuldades, marcou, ao longo do tempo, minha percepção da Constituição e do avanço institucional brasileiro.
Por ocasião do vigésimo aniversário da Constituição, voltei ao tema, escrevendo um longo artigo denominado “Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: o Estado a que chegamos”. Na abertura do texto, consignei:
Percorremos um longo caminho. Duzentos anos separam a vinda da família real para o Brasil e a comemoração do vigésimo aniversário da Constituição de 1988. Nesse intervalo, a colônia exótica e semi-abandonada tornou-se uma das dez maiores economias do mundo. O Império de viés autoritário, fundado em uma Carta outorgada, converteu-se em um Estado constitucional democrático e estável, com alternância de poder e absorção institucional das crises políticas. (...) A Constituição de 1988 representa o ponto culminante dessa trajetória, catalizando o esforço de inúmeras gerações de brasileiros contra o autoritarismo, a exclusão social e o patrimonialismo 4 , estigmas da formação nacional 5 . Nem tudo foram flores, mas há muitas razões para celebrá-la 6 .
Após análise detida das instituições e dos governos que se sucederam no período, assinalei na conclusão:
O modelo vencedor chegou ao Brasil com atraso, mas não tarde demais, às vésperas da virada do milênio. Os últimos vinte anos representam, não a vitória de uma Constituição específica, concreta, mas de uma ideia, de uma atitude diante da vida. O constitucionalismo democrático, que se consolidou entre nós, traduz não apenas um modo de ver o Estado e o Direito, mas de desejar o mundo, em busca de um tempo de justiça, fraternidade e delicadeza. Com as dificuldades inerentes aos processos históricos complexos e dialéticos, temos nos libertado, paulatinamente, de um passado autoritário, excludente, de horizonte estreito. E vivido as contradições inevitáveis da procura do equilíbrio entre o mercado e a política, entre o privado e o público, entre os interesses individuais e o bem coletivo. Nos duzentos anos que separam a chegada da família real e o vigésimo aniversário da Constituição de 1988, passou-se uma eternidade 7 .
O futuro parecia ter chegado, com atraso mas não tarde demais, no final da primeira década dos anos 2000. Em sua edição de 12 de novembro de 2009, a revista The Economist, uma das mais influentes do mundo, estampou na capa uma foto do Cristo Redentor elevando-se como um foguete, sob o título Brazil takes off (“O Brasil decola”). Tendo escapado da crise de 2007 com poucas escoriações, o país voltara a crescer a taxas anuais superiores a 5%. Exibindo prestígio internacional, havia sido escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014, as Olimpíadas de 2016 e pleiteava uma vaga no Conselho de Segurança da Nações Unidas. Investimentos internacionais abundavam e o preço das commodities bombava.
O foguete, porém, aparentemente, não conseguiu sair da atmosfera e libertar-se da gravidade das muitas forças do atraso. Quatro anos depois, a mesma The Economist, em sua edição de 28 de setembro de 2013, foi portadora das más notícias. Na nova capa, o Cristo Redentor dava um looping e descia em queda livre. A aterrisagem não seria suave. O ciclo de prosperidade parecia ter chegado ao fim. Na sequência, veio o impeachment, que foi um trauma para o país. Uma vez mais, fomos do ufanismo à depressão. Não foi …
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