Seção VI

Seção VI Da desqualificação Art. 16. O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão. § 1º A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão. § 2º A desqualificação importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. 1. Desqualificação da Organização Social (art. 16, caput ) A prática de atos ou a ocorrência de fatos tidos por ilícitos e relacionados ao descumprimento do Contrato de Gestão poderão ensejar a sua ruptura, conforme dispõe o art. 16, caput, da Lei Federal n.º 9.637/1998, bem como o art. 21 do Decreto Federal n.º 9.190/2017. O exame da validade (ou legalidade) envolve a compatibilidade, tanto sob o aspecto formal, quanto sob o aspecto material, da regular produção do instrumento jurídico-positivo posto no sistema por órgão competente e mediante processo previsto pelo próprio direito vigente. Afirmar a validade da conduta administrativa implica a sua perfeita consonância com os dispositivos legais superiores que legitimaram a produção. Assim, para levar a cabo a desconstituição da validade (ou constituição da invalidade) impõe-se outro comando de igual ou superior hierarquia, previsto no direito positivo. Antes de tal manifestação jurídico-prescritiva proferida por órgão constitucionalmente legitimado para tal fim, o simples fato de se afirmar a invalidade não passa de “mera opinião do jurista”. Por ocasião dos comentários ao art. 1º da Lei Federal n.º 9.637/1998, frisou-se a ausência de regramento sobre as hipóteses de descumprimento por parte do contratante ou do contratado, motivo pelo qual é de se aplicar subsidiariamente o disposto no art. 78 da Lei Federal n.º 8.666/1993. Todavia, é preciso cercar-se de todas as cautelas durante o processo de apuração dos vícios de validade, especialmente quanto à parte que causou a ilicitude e a existência de boa-fé dos envolvidos. 252 A identificação e a correção de eventuais vícios de validade serve igualmente à restauração da legalidade, viabilizando a segurança e a estabilidade das relações jurídicas construídas. 253 Acaso seja possível a restauração dos vícios perante o caso concreto, não há que se falar em rescisão, pois não poderá ser qualquer descumprimento contratual causa para a quebra do vínculo. N’outro giro, sem possibilidade de restauração da ilegalidade diante de vício insanável, a rescisão será empreendida tanto pela Administração Pública (sponte propria ou quando provocada) como pelo Poder Judiciário (quando provocado). A hipótese de descumprimento do Contrato de Gestão por conduta do contratado apta a ensejar a sua ruptura deve ser punida com todo o rigor possível, inclusive com a desqualificação da pessoa jurídica. Uma vez desfeito o Contrato de Gestão, exsurge o passo seguinte a ser considerado que é a providência para desqualificar a pessoa jurídica. Luciana Medeiros Fernandes 254 destaca que, apesar de o art. 16, caput, da Lei Federal n.º 9.637/1998, expressar o verbo “poderá desqualificar”, não há faculdade e sim um dever imposto ao Poder Público. Como exemplo, a autora exemplifica uma alteração superveniente do ato constitutivo da pessoa jurídica que possibilite a distribuição de excedentes financeiros entre os membros da Entidade. Dessarte, nesse caso citado, não há descumprimento de cláusula contratual, mas apenas modificação de critério de credenciamento da pessoa jurídica como Organização Social. Por ocasião dos comentários ao citado art. 1º, desta Lei, ficou consignado que a ausência de previsão inequívoca da autoridade administrativa à expedição do ato de qualificação da pessoa jurídica enseja a atração da competência para a cúpula do Poder Executivo (Presidente, Governador ou Prefeito), cujo veículo normativo será o decreto. 255 O art. 16, caput, da Lei Federal n.º 9.637/1998, assim como o art. 1º, limitou-se a indicar o órgão (Poder Executivo) responsável pela desqualificação da pessoa jurídica de direito privado como organizações sociais. Assim, para fins de subscrição do ato de desqualificação, aplicar-se-á o mesmo critério para o ato de qualificação da pessoa jurídica como Organização Social. 2. Processo administrativo (prévio) à expedição do ato de desqualificação (art. 16, § 1º) O art. 16, § 1º, “primeira parte”, da Lei Federal n.º 9.637/1998, bem como o art. 21 do Decreto Federal n.º 9.190/2017, dispõe que o ato administrativo de desqualificação da Organização Social será precedido de processo administrativo, com estrita observância ao devido processo legal (contraditório e a ampla defesa – art. 5º, LIV e LV 256 , da Carta de 1988, e art. 2º, caput, 257 da Lei Federal n.º 9.784, 258 de 29 de janeiro de 1999). A utilização do rótulo “processo” no dispositivo sob comento é estritamente adequada, pois o processo administrativo, 259 à luz da Carta Maior de 1988, é o instrumento para instaurar uma relação jurídica 260 referente às atividades desenvolvidas pelo Estado, no exercício regular da função administrativa. O processo tem relevante papel na organização democrática nacional, pois, ao esmerar uma relação jurídica interpessoal para aplicação (ou criação) do direito, consubstancia-se em verdadeiro instrumento de exercício de poder, capaz de superar atuações autoritárias ou arbitrárias. 261 O processo administrativo de desqualificação subdivide-se em fases (ou etapas) procedimentais necessárias (deflagratória, instrutória, decisória e de exteriorização) e eventual (recursiva), cuja abordagem foi detalhada por ocasião dos comentários ao art. 1º. No âmbito da União, foi perante o Mandado de Segurança n.º 10.527 – DF (2005/0046851-1), 262 que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), à unanimidade de votos em 14 de setembro de 2005, firmado pela Ministra-Relatora, Doutora Denise Arruda, reconheceu a validade do Processo Administrativo n.º 02000.001704/2001-14, instaurado para apurar a quebra do Contrato de Gestão em razão da baixa performance no cumprimento dos percentuais de avaliação utilizados pelo Ministério do Meio Ambiente, especialmente quanto à execução das metas fixadas. Já a “segunda parte” do art. 16, § 1º, da Lei Federal n.º 9.637/1998, prescreve a responsabilidade individual e solidária dos dirigentes da Organização Social pelo descumprimento do Contrato de Gestão, após comprovada a existência de danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão. O dispositivo reforça o rol de regras existentes na legislação (art. 264 e art. 942 263 do Código Civil brasileiro) para obter ressarcimento por ilícitos cometidos pelos envolvidos na administração da pessoa jurídica, que, inclusive, serão solidariamente obrigados a responder pelos danos em igual intensidade. Assim, os membros da diretoria poderão ser responsáveis pela mesma obrigação e o eventual credor pode exigir o cumprimento da obrigação imposta a todos os representantes da pessoa jurídica ou de apenas um deles, ocasião em que se reserva ao pagador o direito de regresso contra os demais devedores solidários. 3. Reversão do patrimônio decorrente da desqualificação da Organização Social (art. 16, § 2º) Perante os comentários já tecidos aos arts. 12 e 13 da Lei Federal n.º 9.637/1998, registrou-se que a Organização Social pode receber recursos orçamentários e bens públicos (móveis ou imóveis) necessários ao cumprimento das metas fixadas no Contrato de Gestão. A rescisão por descumprimento do Contrato de Gestão enseja a descontinuidade da parceria entre o Poder Público e a Organização Social. Logo, é decorrência natural que a desqualificação ensejará a reversão de qualquer bem permitido ou de valor repassado à pessoa jurídica de direito privado. Inclusive, o art. 23 do Decreto Federal n.º 9.190/2017 regulamenta o mecanismo para o Poder Público reassumir as atividades outrora absorvidas pela entidade privada. Outrossim, a cessão especial de servidor ocupante de cargo público efetivo para ter exercício junto à Organização Social será automaticamente revogado e o servidor deve se reapresentar ao Órgão ou Entidade de origem. Por fim, a reversão dos bens e recursos trespassados à Entidade privada não a exime de ser responsabilizada nas esferas administrativa, cível e criminal, em razão de suas ilícitas condutas praticadas. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O princípio do enriquecimento sem causa em direito administrativo. Revista de Direito Administrativo, n.º 210, out/dez. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 26-27. FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 54-55. Reforma do Estado e Terceiro Setor Curitiba: Juruá, 2009, p. 373 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; (…).” “Art. 5º (…): (…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…).” “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (…).” “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.” “Processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumento para o legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais (processo administrativo, legislativo) e mesmo não-estatais (processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para aumento de capital etc.).” (CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido. Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 276). MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 41. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes da. Princípios constitucionais da Administração Pública. Revista de Direito Administrativo, v. 209, jul/set. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 191-192. “EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI 9.637/98 – ORGANIZAÇÃO SOCIAL – DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE GESTÃO – DESQUALIFICAÇÃO DA ENTIDADE IMPETRANTE – ATO DA MINISTRA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL – ANÁLISE DA SUBSTANCIOSA DEFESA APRESENTADA PELA IMPETRANTE – LEGALIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE CULMINOU COM O ATO IMPETRADO – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER PROTEGIDO PELA VIA ELEITA – DENEGAÇÃO DA ORDEM – PREJUDICADO O EXAME DO AGRAVO REGIMENTAL. (…) 2. No caso dos autos, a impetrante foi qualificada como organização social por meio de Decreto Presidencial (em 18.3.1999) e celebrou contrato de gestão com a União, representada pelo Ministério do Meio Ambiente, em 14.11.2001. Em virtude da apuração de irregularidades no cumprimento do referido contrato, a autoridade apontada como coatora determinou a instauração de processo administrativo que, após os trâmites legais – inclusive a análise da defesa apresentada pela ora impetrante – culminou com o ato impetrado, determinando a desqualificação da impetrante como organização social. 3. Diversamente do que alega a impetrante, não houve cerceamento de defesa, tampouco ocorreu violação dos princípios do contraditório e do devido processo legal. Isso porque o processo administrativo foi regularmente instaurado e processado, oportunizando-se o oferecimento de defesa pela impetrante, que foi exaustivamente analisada pelo Ministério do Meio Ambiente. (…) 5. Assim, o exame dos autos e a análise da legislação de regência demonstram, com absoluta segurança, que não há nenhuma ilegalidade no processo que, motivadamente, desqualificou a impetrante como organização social. (…) 9. Infere-se, portanto, que inexiste ilegalidade ou inconstitucionalidade no ato motivadamente praticado pela autoridade apontada como coatora, não havendo direito líquido e certo da impetrante a ser protegido pela via eleita. 10. Segurança denegada, restando prejudicado o exame do agravo regimental interposto pela impetrante.” “Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda. (…) Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.”

Organizações Sociais - Lei 9.637/1998 - Ed. 2020

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