9. Extinção do contrato de transporte

9 Extinção do contrato de transporte O contrato de transporte não difere da disciplina geral dos contratos em relação as suas causas de extinção. O modo típico de extinção do contrato é o adimplemento. A obrigação tende ao adimplemento, o que no caso do contrato de transporte, compreende o desembarque do passageiro no destino, em segurança e no prazo ajustado, ou a entrega da coisa ao destinatário, no prazo estipulado e sem avarias. Todavia, a noção de extinção é ampla. Envolve tanto a extinção de efeitos quanto a invalidade do contrato. Em relação à invalidade do contrato de transporte, aplicam-se ao contrato de transporte as causas previstas para a invalidade dos negócios jurídicos em geral. Neste sentido, cumpre atenção aos requisitos de validade estabelecidos no art. 104’do CC/2002 , aos negócios jurídicos em geral. Estabelece a norma em questão: “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” A desatenção a estes requisitos dá causa à invalidade, que ou é nulidade, nos termos do art. 166 do CC/2002 ; ou anulação, no caso da incapacidade relativa do agente (art. 105 do CC/2002 ). Conforme já se mencionou, o contrato de transporte não tem forma pré-estabelecida para sua celebração. O que pode haver, por força de lei ou dos usos, é a obrigação do transportador de emitir títulos de legitimação do contratante, caso do bilhete de passagem, ou documento comprobatório da existência e conteúdo do contrato, caso do conhecimento de transporte. No tocante à capacidade do agente, note-se que, em especial no transporte de pessoas, pode haver situações de passageiro incapaz sem que haja a intervenção de seus representantes para a celebração do contrato. Neste caso, todavia, não se cogitaria propriamente de contrato, mas mero ato-fato – segundo conhecida definição de Pontes de Miranda – ou contato social, que se juridiciza dada sua relevância social. Contudo, isso aplica-se apenas naquelas situações em que há conduta social típica. A capacidade do agente é decisiva para a celebração do contrato de transporte, tal qual para os contratos em geral. Mesmo no transporte de pessoas, observa-se que em proteção dos incapazes, não se admite que viajem desacompanhados, em atenção a disposições do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 83). Da mesma forma, requer-se capacidade para a contratação do transporte de coisa, resultando da sua ausência a nulidade do contrato. Todavia, neste caso, é possível que mesmo com a invalidade do contrato, tendo havido a entrega da coisa a ser transportada pelo incapaz ao transportador, identifique-se a manutenção do dever de custódia, conforme as circunstâncias, com fundamento na tutela da confiança. Se o incapaz entregou ao transportador a coisa, para o fim de que levasse ao destino, eventual decretação da nulidade do contrato não afasta o dever de custódia, quando a entrega se deu mediante a crença de que era para o fim do transporte ao destino. Há, pois, custódia para transportar, cujo fundamento deixa de ser o contrato cuja nulidade se pronuncie, para ser a tutela da confiança do incapaz. Por fim, cumpre examinar a invalidade do contrato, sob a perspectiva da ilicitude, impossibilidade ou indeterminação do objeto. Caracteriza o contrato de transporte a deslocação espacial, o que exige a determinação do destino da pessoa ou coisa. O destino é lugar, onde no transporte de coisas, se deva indicar um destinatário, a quem a deve ser entregue. Há necessidade de que haja determinação quanto a estes pontos, sob pena de invalidade do contrato. No tocante à ilicitude, tudo o que seja proibido transportar ou ter posse conduz à ilicitude do objeto. Neste caso, tem o transportador o dever do transportador de recusar a coisa para transporte, conforme prevê o art. 747 do CC/2002 : “O transportador deverá obrigatoriamente recusar a coisa cujo transporte ou comercialização não sejam permitidos, ou que venha desacompanhada dos documentos exigidos por lei ou regulamento”. No caso da impossibilidade do objeto, note-se que, sendo ela inicial, não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado (art. 106 do CC/2002 ). Pode haver, contudo, impossibilidade superveniente, hipótese de resolução, cujos efeitos serão definidos conforme haja culpa ou não do devedor. Extingue-se o contrato de transporte, igualmente, por resolução. A condição resolutiva pode ser expressa ou tácita, conforme esteja ou não prevista no contrato. Da primeira, se tem evidenciado nos contratos sinalagmáticos, que ocorrendo o descumprimento da obrigação por uma das partes, é facultado àquele que sofre o inadimplemento exercer o direito de resolução ou exigir o cumprimento e reclamar indenização, e outros efeitos previsto em lei. Dispõe o art. 475 do CC/2002 : “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” Da mesma forma, pode ocorrer hipótese de exceção de contrato não cumprido, nos termos do art. 476 do CC/2002 : “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”. Todavia, é imperioso que se distinga o inadimplemento culposo – que decorre de causa imputável ao devedor, do inadimplemento sem culpa do devedor, em que a impossibilidade de cumprimento decorre de causa estranha às partes, de modo que só no primeiro cogita-se da responsabilidade do devedor inadimplente. No caso do contrato de transporte, conforme já se referiu à exaustão, assenta-se a obrigação do transportador em ciclo elaborativo do resultado, que é a deslocação da pessoa ou coisa ao destino ajustado, garantindo sua incolumidade. Quando este resultado é perturbado, de regra responde o transportador perante o passageiro, o remetente/expedidor e o destinatário, conforme se trate de transporte de pessoa ou coisa. Contudo, há hipóteses peculiares de extinção por resolução, sem que se cogite de culpa do transportador. É o caso do art. 753 do CC/2002 , no tocante ao transporte de coisas. Sendo impossível a realização do transporte de modo a assegurar a incolumidade da carga, poderá depositá-la ou vendê-la, conforme o caso, extinguindo-se o contrato. O mesmo não se diga, contudo, em relação ao transporte de pessoas, em que se afasta o direito do transportador de resolver o contrato, no caso de impossibilidade de executá-la do modo ajustado, obrigando-se a concluí-la em outro veículo, ou mesmo, com a anuência do passageiro, pelo uso de modalidade de transporte diversa (art. 741 do CC/2002 ). Pode, por outro lado, ser impossível a execução do contrato, no transporte de pessoas, por morte do passageiro, por exemplo. Trata-se, a toda evidência, causa de extinção do contrato por impossibilidade absoluta de cumprimento. Extingue-se o contrato de transporte, igualmente, desistência do passageiro, nos termos do art. 740 do CC/2002 , que estabelece: “O passageiro tem direito a rescindir o contrato de transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser renegociada. § 1.º Ao passageiro é facultado desistir do transporte, mesmo depois de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor correspondente ao trecho não utilizado, desde que provado que outra pessoa haja sido transportada em seu lugar. § 2.º Não terá direito ao reembolso do valor da passagem o usuário que deixar de embarcar, salvo se provado que outra pessoa foi transportada em seu lugar, caso em que lhe será restituído o valor do bilhete não utilizado. § 3.º Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.” Também o CDC prevê, como regra geral, o direito de arrependimento do consumidor para as contratações feitas fora do estabelecimento comercial (art. 49). As hipóteses tem mesma natureza jurídica. Trata-se de desistência ou arrependimento para a qual não é necessário declinar o motivo. Utiliza-se, o Código Civil, da expressão rescindir, conduzindo à noção de rescisão do contrato. Tratando-se de decisão voluntária do passageiro, melhor seria dizer resilição. Todavia, aqui se diga que não há conformidade na doutrina quanto ao uso dos termos. No autorizado magistério de Ruy Rosado de Aguiar Jr., 1 reserva-se a noção de rescisão às hipóteses de desconstituição do negócio, por estado de perigo ou lesão, situações às quais o Código Civil vigente trata como causas de anulação (arts. 156 e 157). Todavia, há quem trate rescisão como gênero, do que surgem com espécies a resolução e a resilição. No caso, tratando-se de hipótese de ato voluntário do passageiro, autorizado por lei, preferimos tratar por resilição unilateral, em conformidade ao disposto no art. 473 do CC/2002 . A restituição dos valores ao passageiro, rege-se por normas distintas conforme a modalidade de transporte. Do Código Civil emerge, todavia, a regra geral, que harmoniza o interesse das partes. Se é possível, após a desistência do passageiro, colocar outro em seu lugar, é devida a restituição, desde que feita em tempo de ser renegociada (no caso de desistência antes de iniciada a execução), ou provando que outra pessoa foi transportada em seu lugar (caso da desistência durante a execução). Sob a perspectiva do passageiro, trata-se de situações difíceis de serem demonstradas. Mediante incidência das normas do Código de Defesa do Consumidor, contudo, a possibilidade e inversão do ônus da prova (art. 6.o, VI), eventualmente conduzirá ao transportador o ônus de demonstrar que não houve renegociação da passagem, ou de que outro passageiro o remunerou e fez uso do serviço no lugar do desistente. Também há de se recordar o distrato (resilição bilateral) como hipótese de extinção, que deve ser feita da mesma forma com a qual celebrou-se o contrato (art. 472, do CC/2002 ) E a resolução por onerosidade excessiva, sobre a qual dispõe o art. 478 do CC/2002 : “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Tratam-se, todavia, de hipóteses cuja realidade conduz à aplicação no contrato de transporte de coisas, em especial no tocante à incidência do art. 478 do CC/2002 , que pressupõe contratos de execução continuada ou diferida o que remonta a ajustes que celebrem com o transportador, para execução sucessiva, como é aquele em que o remetente adere a condições gerais para dispor de serviço de transporte, que se executa mediante a entrega de diversas coisas, ao longo do tempo, para transportar. AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por inadimplemento do devedor.

Uma experiência inovadora de pesquisa jurídica em doutrina, a um clique e em um só lugar.