Cuidar da saúde

4 CUIDAR DA SAÚDE A concepção de vida como verdadeiro dom faz com que a sua preservação constitua dever de todos os humanos. A saúde sempre foi considerada parcela componente da felicidade humana. “A saúde é o princípio fundamental da vida”, proclamava Thomson. E na visão de John Gay, “quando a saúde se perde, nada há que possa dar felicidade a um coração, uma hora só que seja: nem o amor, nem as honras, nem a fortuna, nem o poder. Cuida da tua saúde, porque, sem ela, todos os prazeres desaparecem”. É muito antiga a preocupação com a higidez física e mental. Desde há muito não se desconhece que “um corpo sadio estimula a inteligência e aumenta o poder criador; um corpo doente sente a inteligência a minguar, as ambições nobres a diluirem-se, todo o ser a desmoralizar-se”. 1 Ocupar-se de evitar enfermidades e de aumentar a longevidade é saudável. Todavia, o final do século passado e a primeira década do século XXI evidenciam um paroxismo que chega a ser doentio. O filósofo Luiz Felipe Pondé adverte: “Atenção, pecadores e viciados em sexo, comida, bebida, dinheiro e poder: vocês estão ultrapassados. Há uma nova ganância no ar: a mania de qualidade de vida e saúde total. Esta ganância é o que o jornal Le Monde Diplomatique já chamava ‘la grande santé’ (a grande saúde) nos anos 90. A mania de ter a saúde como fim último da vida”. 2 Pondé critica o fanatismo com que uma parcela crescente de pessoas procura satanizar certos hábitos e consumos. Exagero que ele considera inútil: “No caso da morte, probabilidade é como gravidade: 100% de certeza. Logo, a luta contra a morte é uma batalha perdida, nunca uma vitória definitiva. Se você não morrer de acidentes (carro, avião, atropelamentos, assaltos, homicídios) ou de epidemias (tipo pestes) ou por endemias (tipo doença de chagas), ou de doença metabólica *tipo diabetes) ou de doenças cardiovasculares (tipo AVC ou acidente cardiovascular e ataque cardíaco), você sempre morrerá de câncer”. 3 A morte é um evento certo, para ocorrer em data incerta. O amor à vida impõe ao homem o dever de contínuo zelo por sua conservação. Mais ainda, a obtenção de uma qualidade de vida que a dignifique e evidencie o valor absoluto que a civilização a ela conferiu. Saúde é um conceito complexo. Envolve a higidez física e a mental. Esta é cada vez mais vulnerável, mercê da complexidade do mundo contemporâneo. A vida saudável impõe hoje a adequada preservação do corpo, a medicina preventiva, a prática dos exercícios, a alimentação com os nutrientes adequados. Os exames médicos periódicos e a mente aberta a receber sem traumatismos as notícias das vicissitudes que a todos acometerão. Quem é que pode garantir a vida dos entes queridos? Quem pode assegurar imunidade a qualquer doença? Ou estar incólume a quaisquer acidentes? A saúde mental, quando comprometida, gera consequências orgânicas. Tudo é somatizado e vai se refletir em sintomatologia física. A mente controla tudo, dirão os especialistas. “Qual é, então, o ideal para a saúde mental?”, indaga Ernest Becker. E responde: “É uma ilusão vivida, compulsiva, que não minta sobre a vida, a morte e a realidade; uma ilusão honesta o suficiente para seguir seus próprios mandamentos, quero dizer, não matar, não tirar a vida dos outros para justificar a si mesma”. 4 A psicologia recomenda, portanto, a religião autêntica, ou sua prática honesta e consequencialista, como estratégia de se preservar a higidez da mente. Por óbvio, as religiões têm um discurso que nem sempre é concretizado pelos fiéis. Ajustar o discurso à prática é remédio sem contraindicações para suportar as agruras da vida e saber fitar a morte. Singular conjugação de aproximação da morte física e depauperamento mental é a velhice. Aquilo que Morin chama de “a vanguarda da morte”. Por isso, “conhecer o envelhecimento é também conhecer a morte. A experiência do envelhecer, estudada por Max Scheler do ponto de vista fenomenológico, é como uma pressão do passado, que cresce, enquanto se reduz a possibilidade do futuro. O ego dos velhos (...) está próximo do ego dos moribundos”. 5 Saber envelhecer faz parte dos cuidados com a saúde e facilita o aprendizado da morte. A senilidade pode ser acentuada ou atenuada, a partir da postura de cada indivíduo. Há centenários em número crescente e muitos deles preservam o vigor físico, a capacidade sexual e as aptidões intelectuais. É a velhice saudável, ao lado da senilidade patológica, esta mais comum. Resultante de uma série de causas: maltrato físico e mental, pobreza, maus hábitos e cultura do descarte, enfatizada pela sociedade que endeusa a juventude e hostiliza a velhice. Geriatria é a ciência que se dispõe a cuidar da velhice. As clínicas de rejuvenescimento crescem paralelamente à constatação do aumento da longevidade. Pode-se tentar driblar a morte. Retardá-la. E isso é muito válido. Só não se aprendeu ainda a dominá-la. Ninguém conseguiu fazer funcionar a técnica ou instalar a máquina da ressurreição. Marden, O. S. O corpo e o espírito. Porto: Casa Editora de A. Figueirinhas, 1926. p. 10. Pondé, Luiz Felipe. 100%. Folha de São Paulo, Ilustrada, 12.07.2010, p. E10. Idem, ibidem. Becker, Ernest. Op. cit., p. 248. Morin, Edgar. Op. cit., p. 316.

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