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Transação Tributária na Prática da Lei Nº 13.988/2020 - Ed. 2021
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Autor:
Júlia Silva Araújo Carneiro
A transação em matéria tributária é assunto sobre o qual muitos estudiosos se concentraram ao longo dos anos em razão da previsão do art. 171 do Código Tributário Nacional ( CTN), mas em relação ao qual a realidade dos fatos insistia em sonegar relevância, seja pela ausência de uma lei geral de transação, apesar de esforços envidados nesse sentido 2 , seja pela generalidade e pouca eficácia das leis já editadas 3 .
Recentemente, contudo, o assunto retornou ao centro dos debates tributários e readquiriu especial destaque em decorrência da edição pela União da MP nº 899/19, conhecida como “MP do Contribuinte Legal”, convertida na Lei nº 13.988/20 em abril de 2020. Regulamentou-se, enfim, a transação tributária em âmbito federal.
A transação, segundo o art. 171 do CTN, é forma de resolução consensual de litígios entre sujeito passivo e fisco mediante a qual as partes realizam concessões recíprocas com o propósito de resolver uma controvérsia e, ao final do cumprimento das obrigações impostas, extinguir o crédito tributário 4 .
Há muitas controvérsias em torno da transação tributária e de seus limites, a exemplo da validade da transação preventiva no CTN.
Com a disciplina da transação em âmbito federal, novas questões surgiram. Uma delas se conecta com a interação entre o princípio da livre concorrência e a transação e, para além disso, com a exclusão do devedor contumaz do rol de destinatários da Lei n. 13.988/20 (art. 5º, III).
A MP nº 899/19 e a Lei nº 13.988/20, ao contrário do Projeto de Lei Geral de Transação Tributária 5 , trouxeram como efeito essencial da transação a impossibilidade de restrição à livre concorrência (arts. 4º, I, e 3º, I, respectivamente). Também a Portaria PGFN nº 9.917/20, editada com a finalidade de regulamentar a Lei nº 13.988/20, enumerou a concorrência leal como princípio aplicável à transação (art. 2º, II), reforçando a relevância de tal diretriz para o instituto.
Com base em tais premissas, é preciso investigar, de um lado, se comportamentos assumidos na transação podem atuar como instrumento de restrição à livre concorrência (livre concorrência como efeito) e, de outro, o espaço de aplicação da transação para contribuintes que adotam postura lesiva à concorrência leal (livre concorrência como pressuposto), como é o caso do devedor contumaz 6 .
Todos são livres para se lançarem em atividades econômicas e, uma vez inseridos no mercado, terem seu destino pautado pelas leis que o regem. Entretanto, há práticas que podem descaracterizar a justa competição e violar a proteção outorgada aos agentes econômicos pelos princípios constitucionais referentes ao livre mercado 7 .
O princípio da livre iniciativa não pode existir sem a livre concorrência, embora ambos não se confundam semanticamente 8 . Para assegurar aquele, é necessário coibir o abuso 9 de poder econômico no mercado (condutas abusivas) e reprimir estruturas impeditivas da livre iniciativa produzidas pelo mercado (condutas estruturais) 10 .
A Constituição prevê, nesse sentido, a livre concorrência como princípio geral da ordem econômica (art. 170, IV). Impõe-se ao Estado atuar com a finalidade de coibir o abuso de poder econômico (art. 173, § 4º), protegendo, assim, o mercado interno, ao qual a Constituição atribui papel central no desenvolvimento do país (art. 219).
A atuação estatal pode adquirir também caráter de indução 11 do comportamento de agentes econômicos, inclusive por meio do exercício da competência tributária 12 .
Entre as áreas em que a tributação se relaciona com a ordem econômica de forma mais próxima está a livre concorrência 13 . Essa interação pode ocorrer, v.g., com o fomento do acesso ao mercado por meio da redução de alíquotas do IPI pela União.
Apesar disso, nem sempre medidas adotadas pelo Estado no campo tributário produzirão como efeito a preservação da livre concorrência. Muitas vezes é o próprio Estado o causador ou agravador de distúrbios concorrenciais, como deixa explícito o art. 146-A da Constituição, que, para muitos, admite a criação de critérios especiais de tributação para prevenir distúrbios concorrenciais provocados pela própria tributação 14 .
A tributação nunca é completamente neutra em seus efeitos. Todo tributo, ainda que não tenha efeitos predominantemente extrafiscais, atua sobre o comportamento dos agentes de mercado. Isso apenas não ocorre nos tributos conhecidos como lump-sum, em que o contribuinte nada pode fazer para alterar a imposição tributária, como tributos impostos a todos os cidadãos de forma idêntica, independentemente da manifestação de signos presuntivos de riqueza, ou tributos incidentes sobre bases imutáveis, como idade e sexo 15 . Esses tributos, porém, seriam considerados odiosos por aniquilarem por completo o ideal de justiça fiscal, do qual a capacidade contributiva faz parte 16 .
Com base nessa onipresente interferência da tributação na eficiência econômica, há quem defenda a superação da neutralidade tributária 17 . Contudo, é possível buscar um conteúdo para a neutralidade que a torne compatível com a livre concorrência.
A neutralidade concorrencial, da qual deriva a tributária, advém diretamente do princípio da livre iniciativa, inibindo a interferência estatal que, no plano jurídico ou fático, obste a criação ou continuidade de empresas dedicadas a atividades lícitas 18 . Nesse sentido, a neutralidade tributária assume viés negativo e positivo 19 .
Em seu sentido negativo, a política fiscal não deve intervir no acesso e no desempenho do mercado enquanto este funcionar adequadamente, i.e., impõe-se à norma tributária que não reduza injustificadamente o grau de concorrência no mercado 20 . Sob esse viés, a neutralidade é uma manifestação da própria igualdade quando se conecta com o princípio da livre concorrência 21 , já que impede distinções arbitrárias de agentes econômicos pelo Estado.
Todavia, muitas vezes as condições para o pleno funcionamento da concorrência inexistem, são insuficientes ou produzem resultados contraditórios. Assim, em seu …
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