Da Jurisdição Voluntária

16.1. Considerações geraisTradicionalmente, divide-se a jurisdição civil em contenciosa e voluntária. Na primeira, diante do conflito de interesses, o Estado intervém, substitui as partes no encaminhamento do litígio e fixa a norma jurídica para regular aquele caso concreto. Já a jurisdição voluntária consistiria na administração pública de interesses privados. Não se trataria de atividade jurisdicional, mas administrativa. Além disso, não seria exatamente voluntária, em função do ordenamento impor aos interessados que determinados assuntos sejam necessariamente conduzidos perante o Poder Judiciário, ainda que não exista litígio. Nesse contexto, não se fala em litígio, mas em controvérsia, e nem em partes 1 , mas em interessados. Haveria apenas procedimento, mas não processo. Igualmente não se reconhece a formação de coisa julgada material, em sede de jurisdição voluntária. Todavia, mesmo que se possa constatar distinções na atividade desenvolvida na chamada jurisdição voluntária, há quem aponte que não se pode negar o seu caráter jurisdicional 2 . O seu principal escopo é a pacificação social e a tutela de pessoas, o que, por si só, é suficiente para reconhecer o caráter jurisdicional. Além disso, mesmo que não se tenha a produção de coisa julgada material, há sim certo grau de imunização dos pronunciamentos emanados no campo da jurisdição voluntária, os quais não podem ser simplesmente desconsiderados. Em regra, na jurisdição voluntária, diante da ausência de litigiosidade, não há condenação em honorários advocatícios. Todavia, a existência de disputa excepciona essa lógica e autoriza a condenação na verba honorária 3 . 16.2. Do procedimento padrão na jurisdição voluntáriaExistem vários procedimentos específicos jurisdicional voluntária, os quais serão estudados. Entretanto, são estabelecidas regras para os casos não disciplinados e ainda que se aplicam subsidiariamente aos procedimentos específicos ( CPC, art. 725, parágrafo único). O procedimento pode ser instaurado por provocação do interessado, do Ministério Público ou da Defensoria Pública 4 , que formularão pedido “devidamente instruído com os documentos necessários e com a indicação da providência judicial” ( CPC, art. 720). Apresentado o pedido, serão citados todos os interessados para que se manifestem, querendo, no prazo de 15 dias. Quando houver interesse público ou social, interesse de incapaz e litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana, nos termos do art. 178 do CPC, o Ministério Público será intimado para intervir, no prazo de 30 dias, na condição de fiscal da ordem jurídica. Se a Fazenda Pública tiver interesse, igualmente determinar-se-á a sua oitiva ( CPC, art. 722). O juiz apreciará o pedido no prazo de dez dias, sendo que, no julgamento, poderá se apoiar em juízo de equidade ( CPC, art. 723). É dizer: “o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (art. 723, parágrafo único) 5 . Da sentença caberá apelação ( CPC, art. 724). Submetem-se ao procedimento padrão os seguintes pedidos ( CPC, art. 725): i) emancipação; ii) sub-rogação; iii) alienação, arrendamento ou oneração de bens de crianças ou adolescentes, de órfãos e de interditos; iv) alienação, locação e administração da coisa comum; v) alienação de quinhão em coisa comum; vi) extinção de usufruto, quando não decorrer da morte do usufrutuário, do termo da sua duração ou da consolidação, e de fideicomisso, quando decorrer de renúncia ou quando ocorrer antes do evento que caracterizar a condição resolutória; vii) expedição de alvará judicial; e viii) homologação de autocomposição extrajudicial, de qualquer natureza ou valor. Do acórdão proferido no REsp 1.138.103 (4ª T, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 06/09/2011, DJe 29/09/2011), colhe-se o seguinte trecho: “Desnecessária a inclusão de todos os componentes do tronco familiar no polo ativo da ação, uma vez que, sendo, via de regra, um procedimento de jurisdição voluntária, no qual não há lide nem partes, mas tão somente interessados, incabível falar-se em litisconsórcio necessário, máxime no polo ativo, em que sabidamente o litisconsórcio sempre se dá na forma facultativa”. No julgamento do REsp 942.658 (3ª T, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. em 02/06/2011, DJe 09/06/2011), averbou-se o quanto segue: “... não parece adequado afirmar categoricamente que na jurisdição voluntária não há bem litigioso e tampouco lide. A mais recente doutrina processualista tem ressaltado o equívoco em se qualificar a chamada jurisdição administrativa de atividade não jurisdicional em razão da suposta ausência de lide. Afirma-se, modernamente, que a jurisdição voluntária não equivale a demanda sem lide. O litígio pode ou não verificar-se no seio da jurisdição administrativa: ele apenas não é essencial para a propositura da ação”. STJ, 3ª T, REsp 1431036, rel. Min. Moura Ribeiro, j. em 17/04/2018, DJe 24/04/2018; STJ, 3ª T, REsp 1.524.634, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 27/10/2015, DJe 03/11/2015; STJ, 4ª T, AgRg no AG 1.362.095, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. em 10/04/2012, DJe 18/4/2012. Conforme o Enunciado 56 do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) da Justiça Federal, “A legitimidade conferida à Defensoria Pública pelo art. 720 do CPC compreende as hipóteses de jurisdição voluntária previstas na legislação extravagante, notadamente no Estatuto da Criança e do Adolescente”. A aplicação dessa regra levou o STJ (3ª T, REsp 758.739, rel. Min. Castro Filho, j. em 20/09/2005, DJ 10/10/2005) à seguinte solução: “No caso, o curador também subscreveu a petição onde é postulada a juntada do substabelecimento feito pelo causídico que, até então, atuara no feito. Assim, pode-se entender que ratificou o mandato anterior, que fora outorgado pelo interdito, e aquiesceu na concessão de poderes ao novo advogado, pelo que descabe falar em ausência de representação processual. Ainda que defeituoso o ato, à luz da ortodoxia do processo, é de se ter presente tratar-se de feito com curso pelo procedimento especial de jurisdição voluntária, não havendo propriamente uma lide a ser decidida. Em casos que tais, é aplicável o disposto na segunda parte do artigo 1.109 do vigente Diploma processual civil, que autoriza o juiz a não observar critério de legalidade estrita”.

Curso de Processo Civil Completo

16.1. Considerações gerais

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