9. Legitimidade e Interesse para Embargar - Embargos de Declaração

Autor: Luís Eduardo Simardi Fernandes Informa o art. 996 do CPC que os recursos poderão ser interpostos pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, este como parte ou como fiscal da ordem jurídica. 1 Trata-se de disposição geral a incidir sobre as diversas modalidades de recurso, relacionadas pelo nosso diploma no art. 994. A legitimidade para recorrer é um dos requisitos de admissibilidade do recurso, e as partes no feito, assim como o Ministério Público, o terceiro prejudicado e o assistente litisconsorcial, têm essa legitimidade autônoma. O assistente simples, contudo, somente poderá recorrer se o assistido consentir ou não o vedar. 2 A legitimidade não se confunde com o interesse em recorrer – outro requisito de admissibilidade dos recursos –, como ensina Barbosa Moreira: 3 “Da legitimação para recorrer deve distinguir-se, como acima exposto, o interesse em recorrer, que é outro dos requisitos de admissibilidade do recurso. A noção de interesse, no processo, repousa sempre, a nosso ver, no binômio utilidade + necessidade: utilidade da providência judicial pleiteada, necessidade da via que se escolhe, para obter essa providência”. Afirma Nelson Nery Jr. 4 que haverá necessidade quando o recurso de que a parte pretende se valer for o único meio para se obter, naquele processo, a vantagem pretendida. E se estará diante da utilidade quando o julgamento desse recurso puder trazer algum proveito ao recorrente. Tratando-se especificamente da hipótese de embargos de declaração, a regra do art. 996 merece ser apreciada com cuidado, notadamente na parte em que afirma poder ser o recurso interposto pela parte vencida, e não pela vencedora. Habitualmente, para efeito de se enquadrar a parte no conceito de vencida a que alude o art. 996, levamos em consideração o fato de a sua pretensão ter sido, total ou parcialmente, desatendida pelo julgador. Ou será vencido o autor que teve o seu pedido indeferido, por inteiro ou de forma parcial, ou o réu, quando não teve a sua defesa integralmente acolhida e não alcançou o resultado pretendido. Nessas hipóteses, não parece haver dúvida que esses litigantes estariam dentro da definição de “parte vencida” – mesmo que parcialmente – a que faz menção o caput do art. 996 do estatuto processual. Em sede de embargos de declaração, todavia, essa concepção de “parte vencida” deve ser vista com ressalvas. Isso se dá porque aquele que vai ao Poder Judiciário em busca de um pronunciamento judicial que o favoreça pode, mesmo em caso de procedência do pedido, ter interesse em opor o recurso de embargos de declaração contra a decisão – razão pela qual os embargos não podem ficar, pela sua própria natureza, reservados exclusivamente à “parte vencida”, segundo a definição que essa expressão habitualmente recebe. Quando a decisão judicial apresentar vício que impeça a sua total compreensão, porque eivada de contradições ou de obscuridades, tiver deixado de apreciar toda a matéria a respeito da qual o magistrado deveria ter se pronunciado, ou então contiver erro material, tanto o vencido quanto o vencedor, autor ou réu, terão interesse de pleitear o seu esclarecimento, complementação ou correção por meio dos embargos. Na falta de decisão clara, precisa, completa e livre de erros materiais, ambos os litigantes sofrem o gravame que possibilita oporem embargos, pois têm interesse no esclarecimento ou complementação do julgado. É que sobre eles, ou sobre a relação entre eles existente, incidiu um pronunciamento incompleto, eivado de erro material ou que não pode ser integralmente compreendido. E, estando sujeitos aos efeitos dessa decisão viciada, evidente o interesse de qualquer das partes em embargar. O interesse aqui, portanto, reside no fato de que ambas as partes podem sofrer prejuízos em face da decisão proferida, pelos vícios que apresenta. Ou seja, em face da obscuridade, da contradição, da omissão ou do erro material na decisão judicial, mesmo a parte que aparentemente ocupa a posição de vencedora não terá obtido tudo aquilo que poderia esperar do julgado, que, para satisfazê-la integralmente, deveria não só lhe ser favorável, mas também completo, revestido de clareza e livre de erros materiais. Ausentes essas qualidades, inegável a existência do interesse em recorrer. Não resta dúvida que, sendo proferida decisão viciada, também terá interesse em embargar o vencedor da demanda, porque o cumprimento dessa decisão, se não esclarecida, complementada ou corrigida, poderá vir a ser prejudicado, contrariamente às suas pretensões. 5 Por essa razão, em boa parte das vezes, é justamente o vencedor, e não o vencido, quem se utiliza dos embargos de declaração para buscar o esclarecimento ou a complementação da decisão. Além das partes, também o terceiro prejudicado pode opor embargos de declaração. Todavia, esse terceiro, para ter reconhecida sua legitimidade para recorrer, deverá ter interesse jurídico em atacar a decisão, não sendo suficiente o interesse de fato ou econômico. Além de conferir legitimidade ao terceiro prejudicado, o art. 996, em seu parágrafo único, também a concede ao Ministério Público, nos casos em que atuou como parte, ou em que oficiou como fiscal da ordem jurídica. Poderá então o Ministério Público, nessas hipóteses, lançar mão de todos os recursos de que dispõem as partes, inclusive dos embargos de declaração. Feitas as considerações aqui apresentadas, forçoso concluir que os embargos de declaração poderão ser opostos pelas partes no feito – e não só pela vencida –, como também pelo terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público. “Art. 996. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica. Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.” Nelson Nery Jr., Código de Processo Civil comentado, p. 975. Comentários ao Código de Processo Civil, vol., p. 235. Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, p. 261. Nesse sentido, Antonio Carlos Matteis de Arruda, Recursos no processo civil – Teoria geral e recursos em espécie, p. 209: “No recurso de embargos de declaração o pressuposto subjetivo reside na falta de clareza da decisão, vale dizer, o gravame, o ônus processual sofrido pela parte consiste na obscuridade, na contradição ou na omissão existente na decisão, dificultando sua intelecção, seu real sentido e alcance para fins de futuro cumprimento do que nela se dispõe. Logo, tal recurso pode ser interposto tanto pelo vencido, quanto pelo vencedor, visto que a ambos interessa que a decisão seja clara, de imediata compreensão, indene de dúvidas no tocante ao seu conteúdo, pois ao vencedor não interessa uma decisão favorável que não possa ser executada (se se tratar de decisão condenatória), ou fielmente cumprida pelo vencido (hipóteses de decisões declaratórias ou constitutivas), bem como ao vencido também não interessa uma decisão cujo teor obscuro, contraditório ou omisso venha a ensejar sua futura execução ou lhe impor o cumprimento, de modo desbordante dos reais limites do que nela se contém”.

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