15. Reformatio In Pejus - Embargos de Declaração

Autor: Luís Eduardo Simardi Fernandes Nosso sistema processual civil consagra o princípio da proibição da reformatio in pejus. Quer esse princípio significar que o recorrente, ao pleitear a reforma de determinado pronunciamento, não poderá ser surpreendido com uma nova decisão que lhe traga resultados práticos ainda piores que aquela da qual recorreu. 1 Não é ele um princípio constante de regra explícita, mas, como ensina Nelson Nery Jr., 2 “essa proibição, que entre nós efetivamente existe, é extraída do sistema, mais precisamente da conjugação do princípio dispositivo, da sucumbência como requisito de admissibilidade e, finalmente, do efeito devolutivo do recurso”. Trata-se, pois, de princípio consagrado entre nós, que impede a reforma da decisão no sentido de piorar a situação, sob o ponto de vista prático, do recorrente. Respeitado esse princípio, o pior que pode ocorrer ao recorrente é a negativa de provimento do recurso, com a manutenção da decisão recorrida tal como foi lançada. Contudo, situação diferente se dá em caso de sucumbimento parcial, quando ambas as partes recorrem. Nessas hipóteses, o tribunal poderá dar provimento ao recurso de qualquer delas, melhorando a situação de uma e piorando a da outra, sem violar o princípio da proibição da reformatio in pejus. Isso porque, nessas situações, o amplo âmbito da devolutividade assim o permite. Também não se entende violada a proibição da reformatio in pejus quando o Judiciário, ao apreciar o recurso, conhece de questão de ordem pública, que pode ser examinada de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição. Essa apreciação das questões de ordem pública não decorre do efeito devolutivo do recurso, mas sim do princípio inquisitório. 3 Dessa forma, poderão ser examinadas independentemente de pedido do recorrente nesse sentido, e, ao se autorizar seu exame de ofício, é óbvio que se deve garantir liberdade para o magistrado fazê-lo. Ou seja, careceria de sentido permitir a sua apreciação apenas se do seu resultado se alcançasse situação mais favorável ao recorrente. Ora, se pode apreciá-la, essa apreciação poderá piorar a situação do recorrente, sem que seja violado, nessas hipóteses especiais, o princípio da proibição da reformatio in pejus. Outra questão interessante sobre o tema diz respeito à liberdade que terá o tribunal de apreciar a matéria que lhe é encaminhada em razão da remessa necessária, conforme previsão do art. 496 do CPC: ao apreciar a matéria objeto da remessa necessária, poderá ele piorar a situação da União, do Estado, do Distrito Federal, dos Municípios e das suas respectivas autarquias e fundações de direito público? O Superior Tribunal de Justiça responde negativamente à pergunta por último formulada, tendo inclusive editado a Súmula 45 , com o seguinte teor: “No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”. Esse entendimento baseia-se na ideia de que, tendo sido a remessa necessária instituída em benefício da Fazenda, não poderia o Tribunal piorar ainda mais a situação que fora imposta a ela pela decisão. Não nos parece ser esse o melhor entendimento, e aqui manifestamos nossa concordância com a posição defendida por Nelson Nery Jr., 4 entre outros. Sustenta ele que a remessa obrigatória não é recurso, mas condição de eficácia da sentença, razão pela qual não se poderia invocar no caso um princípio, o da proibição da reformatio in pejus, que se refere exclusivamente aos recursos. Afirma o autor, então, que fica obstada a preclusão das sentenças proferidas contra a Fazenda, o que vale para ambas as partes, “transferindo-se toda a matéria suscitada e discutida no processo ao conhecimento do tribunal ad quem”, que, portanto, poderá piorar a situação da Fazenda. Não é o entendimento que prevalece em sede de jurisprudência, conforme acima assinalado. Feitas essas breves considerações acerca do princípio da proibição da reformatio in pejus, necessário dedicarmos algumas linhas à análise da eventual incidência desse princípio no julgamento dos embargos de declaração. 15.1. Reformatio in pejus e embargos de declaração Apreciando o princípio da proibição da reformatio in pejus à vista do recurso de embargos de declaração, vem à tona a seguinte indagação: o magistrado, ao julgar os embargos de declaração, sofre alguma limitação em razão da incidência do princípio da proibição da reformatio in pejus? A resposta a essa pergunta exige algumas reflexões prévias. Como já vimos, os embargos de declaração têm como objetivo obter o esclarecimento de uma decisão viciada pela ocorrência de obscuridade ou contradição, a sua complementação, em vista da presença do vício da omissão, ou a correção de um erro material. A legitimidade e o interesse para embargar são de qualquer das partes, além do Ministério Público e do terceiro prejudicado. Como já visto, não podemos limitar os embargos apenas à parte vencida, excluindo a oposição pela parte vencedora, o que poderia decorrer da letra do art. 996 do CPC. É que se permite que tanto vencido como vencedor oponham embargos de declaração, pois qualquer deles pode pretender o esclarecimento, a complementação ou a correção da decisão judicial, uma vez que ambos têm direito a uma decisão clara, precisa e completa. Opostos os embargos de declaração, a atuação do magistrado deverá se dar no sentido de afastar os vícios do pronunciamento, sem, propriamente, modificações no teor da decisão e de seus efeitos no plano prático. Todavia, diante da circunstância de os embargos de declaração poderem ter efeito modificativo, o julgamento desse recurso provocará, eventualmente, a reforma da decisão. Diante disso, exsurge a seguinte indagação: os embargos de declaração, recebidos com efeitos infringentes, podem provocar a reforma do pronunciamento no sentido de produzir uma decisão mais desfavorável ao embargante? Nessa hipótese, não se estará violando o princípio da proibição da reformatio in pejus? Ora, ao opor os embargos de declaração, seja a parte vencida ou vencedora, deverá ela alertar o magistrado para os vícios da decisão, requerendo sejam eles sanados. É justamente essa a atuação que se espera do julgador, que, ao afastar o vício, poderá proferir decisão que traga uma piora na situação de uma das partes. Nada impede que a parte que tenha a situação piorada seja a embargante, uma vez que o recurso visa a aprimorar a manifestação judicial, e não a esclarecê-la, complementá-la, corrigi-la ou reformá-la exclusivamente em favor do recorrente. Este, via do recurso, pede a correção do vício, e é isso que o magistrado deverá fazer, sem se preocupar com a possibilidade de essa revisão vir a prejudicar uma das partes. Estará, isso sim, aprimorando a prestação jurisdicional, que é o objetivo maior do recurso. Pensemos na hipótese de o réu entender pela existência de contradição entre a fundamentação e o dispositivo de uma sentença que julga o feito parcialmente procedente. Opõe, então, embargos de declaração em face dela, esperando, claro, que da extirpação da contradição advenha decisão que lhe seja mais favorável, talvez até de improcedência total. Nada impede, todavia, que o magistrado, constatando a presença da contradição alegada, conheça dos embargos e, ao adaptar o dispositivo à fundamentação, profira decisão ainda mais desfavorável a esse réu-embargante. Não existe qualquer vedação para que isso ocorra, e não há que se invocar aqui, em favor do embargante, o princípio da proibição da reformatio in pejus. Ora, se a decisão judicial tem de ser clara, precisa e completa, livre de contradições, obscuridades, omissões e erros materiais, a atuação do magistrado não pode sofrer limitações a ponto de impedir a correção desses vícios, sob pena de se frustrar a própria missão do recurso. Assim, embora reconheçamos que se trata de situação difícil de ocorrer – até porque aquele que perceber que a reapreciação da decisão por força dos embargos de declaração poderá gerar pronunciamento que lhe seja mais desfavorável não a embargará, deixando o recurso por conta daquele que provavelmente dele se beneficiará – não se pode descartar a possibilidade de o juiz ter de piorar a situação do recorrente. E, nessas hipóteses, há que se garantir liberdade ao juiz para corrigir o vício, sempre tendo em conta que os embargos de declaração têm como finalidade maior não o atendimento do direito subjetivo da parte, mas sim o aprimoramento da prestação jurisdicional 5 . Na definição de Barbosa Moreira, “há reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso. A diferença para pior, entre a decisão recorrida e a decisão no recurso, pode ser qualitativa ou quantitativa. É qualitativa a diferença, quando se substitui a providência jurisdicional por outra, de teor diverso, praticamente menos vantajosa ainda para o recorrente” (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 5, p. 336). Princípios fundamentais – Teoria geral dos recursos, p. 155. Idem, p. 153: “Da mesma maneira, como as questões de ordem pública podem ser examinadas a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (art. 267, § 3.º, CPC), devendo, inclusive, ser pronunciadas ex officio pelo juiz ou tribunal, seu exame independe de alegação da parte ou interessado. Esse exame das questões de ordem pública ocorre em nome do princípio inquisitório e nada tem a ver com o efeito devolutivo do recurso, que é decorrência do princípio dispositivo. Assim, não haverá reforma para pior proibida se o tribunal, a despeito de só haver um recurso interposto, decidir contra o recorrente em razão do exame de uma dessas matérias de ordem pública”. Idem, p. 159. Defende essa mesma posição Renato Montans de Sá, Manual de Direito Processual Civil, p. 1.442: “Contudo, não incide a proibição da reformatio in pejus nos embargos na medida em que o juiz tem amplos poderes para esclarecer sua decisão, inclusive piorando-a. O interesse recursal dos embargos não tem como fato gerador a sucumbência. Dessa forma não se há falar em reforma para pior e sim corrigir (aperfeiçoar) aquilo que deveria ser feito.”

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