Apresentação - Princípios do Registro de Imóveis Brasileiro - Vol. II

O Registro de Imóveis corresponde à modalidade de Registro Público afeta, principalmente, à publicidade dos direitos reais sobre imóveis, permitindo o amplo conhecimento de seu status jurídico. A Lei nº 6.015/73, atual Lei de Registros Publicos, trouxe grandes avanços na sistemática registral imobiliária, em especial o fólio real, que permitiu estruturar a publicidade em torno da matrícula, ou seja, em torno de um imóvel, que ela especializa e individualiza. Essa técnica facilita a compreensão da situação jurídica imobiliária, concentrando, em uma única folha, o denominado fólio real, as informações relativas ao bem. As mudanças introduzidas pela Lei nº 6.015/73 não tornaram obsoletas as construções doutrinárias elaboradas sob a égide do sistema anterior. A ciência avança progressivamente, partindo das contribuições daqueles que nos antecederam. É conhecida, a propósito, a metáfora dos anões sobre os ombros de gigantes. Se as gerações posteriores podem ver mais longe, é porque puderam valer-se da experiência anterior. A recente evolução qualitativa da doutrina registral imobiliária deve, portanto, pagar seu tributo aos antigos autores. Esta obra pretende cumprir com essa obrigação, fazendo remissão àquilo que há de mais recente, mas sem descurar de autores clássicos. Frequentes serão as remissões a Miguel Maria de Serpa Lopes, Afrânio de Carvalho, e, em questões de natureza teórica mais acentuada, Francisco C. Pontes de Miranda. Muito antes de a processualística acenar à necessidade do respeito aos precedentes, importando, segundo alguns, o sistema anglo-saxão do stare decisis, ou revivendo, segundo outros, a antiga tradição lusitana dos “estylos da corte”, o Registro Imobiliário desenvolveu uma cultura de reverência aos julgados proferidos em procedimentos administrativos, aos quais, há muito, se reconheceu eficácia disciplinadora e orientadora do serviço. A jurisprudência administrativa conta aqui com grande prestígio, dificilmente encontrável em outros ramos do Direito. Mas isso não torna inútil a dogmática, seja como instrumento pedagógico, para aqueles que dão seus primeiros passos na área, seja como ferramenta de trabalho àqueles que já a conhecem. Há que se sistematizar o cipoal de julgados e estes mesmos se desenvolvem segundo uma lógica interna. Para tanto, exige-se o conhecimento dos mandamentos nucleares do sistema, enfim, de seus princípios. Os princípios do Registro de Imobiliário brasileiro permitem conhecer as vigas-mestras do sistema, orientando a conduta de todos quantos militam na área e permitindo a solução de casos difíceis ou omissos na legislação. No âmbito da teoria do direito e do direito constitucional, avolumam-se autores, dentre os quais se destacam os nomes de Robert Alexy, Ronald Dworkin e Humberto Ávila, que se dedicam ao trato teórico do tema da norma jurídica. Em que pese não haja entre eles uniformidade de critérios, tem prevalecido a visão daqueles que encaram as regras e princípios como subespécies das normas jurídicas. As teorias buscam extrair as características básicas de cada categoria, normalmente ligando os princípios à ideia de mandados de otimização, de imperativos decorrentes da equidade e do senso de justiça, de normas que apresentam elevado grau de indeterminação e forte conteúdo axiológico, ao passo que as regras se vinculariam à lógica do tudo ou nada, do comando imperativo e certo, com alto grau de determinação. Os princípios estariam sujeitos à ponderação, que buscaria, por meio de um procedimento relacionado à proporcionalidade, definir a prevalência em concreto de um dos princípios em colisão. Já as regras, ao entrarem em conflito, não se submeteriam à ponderação, mas se excluiriam, com a prevalência de apenas uma daquelas em conflito, mediante a aplicação dos critérios de solução de antinomias, notadamente os critérios de especialidade, hierarquia e cronologia. Seria, talvez, possível sustentar que, à luz dessas novas tendências da ciência jurídica, vários dos chamados princípios registrais ostentam a estrutura de regras, por determinarem comandos imperativos certos, que ou se cumprem, ou não. Não se pretende, neste momento, ingressar nesta discussão. Toma-se como ponto de partida a denominação consagrada de “princípios registrais” para tratar do conjunto de normas que constitui o arcabouço mais importante, mais fundamental e que estrutura, como pilar, o direito registral imobiliário brasileiro. É com esse olhar que devemos nos voltar aos princípios registrais. E, sob esse ângulo, eles se afiguram deveras úteis, porque permitem conhecer com profundidade o funcionamento do sistema registral imobiliário. Existem, naturalmente, diversos procedimentos e diversas outras regras, para além desses princípios. Seu conhecimento, no entanto, permite ao jurista, ao profissional jurídico e até mesmo ao leigo a compreensão imediata do funcionamento do registro e entender a grande maioria das exigências que são feitas pelos Registradores. Para aqueles que hão de atuar internamente nas Serventias (como Oficiais, escreventes ou auxiliares), ou como profissionais que militam diretamente na área – Juízes Corregedores, Promotor Curador dos Registros Públicos, advogado imobiliário, corretor de imóveis –, a plena compreensão dos princípios é fundamental ao êxito no desempenho de suas atividades. É que os princípios registrais possibilitarão saber como agir na grande maioria dos casos; indicarão a solução nos casos de conflito ou de dúvida; permitirão extrair um preceito em situações omissas. Em suma, é impossível atuar na área imobiliária sem conhecer a fundo os princípios registrais, pois tal corresponderia a tatear soluções num inaceitável empirismo, sem que se saiba exatamente o que está fazendo. Do lado de dentro do balcão, são esses princípios que indicarão ao Oficial ou seus prepostos como analisar os títulos apresentados e o que exigir (ou não exigir). Do lado de fora do balcão, esses princípios nortearão a decisão do Juiz, no caso de dúvida registral; fundamentarão a manifestação do Ministério Público consubstanciada em parecer; pautarão as orientações que os advogados darão a seus clientes, como também embasarão as impugnações e pedidos de reconsideração que façam com relação às exigências registrais eventualmente indevidas. Enfim, a utilidade prática dos princípios registrais é imensa, servem de fonte de orientação e iluminação. Contudo, não só sob o aspecto prático os princípios registrais são de suma importância, mas também sob o prisma teórico-doutrinário. Uma ciência se constrói ao redor de proposições básicas, de caráter estruturante. Estas não só lhe conferem os fundamentos, mas também lhe dão unidade. Não haveria, portanto, um sólido saber registral, uma ciência jurídica dos registros, sem seus mandamentos fundamentais, sem seus princípios. São os princípios que conferem substância, individualidade e autonomia ao direito registral imobiliário em relação ao direito civil, do qual se destacou. O mesmo ocorre em relação ao direito registral em geral, do qual o registro imobiliário se afigura como uma espécie diferenciada, na medida em que se debruça sobre os direitos reais imobiliários e seus mecanismos específicos de publicização. De mais a mais, não há como entender o Registro de Imóveis brasileiro sem o concurso de seus princípios, na medida em que eles descrevem as características e as aspirações do sistema, bem como os meios pelos quais as atinge. Em suma, os princípios têm uma expressão epistemológica, porque são a via pela qual se conhece o sistema; pragmática, porque orientam a ação; e teleológica, porque sinalizam os fins do sistema. Naturalmente, tal como se dá nos demais ramos do direito, não se verifica uma uniformidade entre os doutrinadores acerca dos princípios registrais, não havendo uma catalogação definitiva e exaustiva. De acordo com os critérios e as especificidades que cada jurista tem em vista, torna-se variável a sua enumeração dos princípios registrais. Esta obra apresenta ao leitor aqueles que, segundo o entendimento dos autores, são os mais relevantes no Registro de Imóveis brasileiro. Sem embargo de seu caráter mais acentuadamente teórico, trata-se de uma obra de direito positivo. Não se aspira a uma teoria geral aplicável a todo e qualquer modelo de Registro Imobiliário, mas, isto sim, a uma exposição dos princípios emergentes de um modelo específico. Foram selecionados aqueles princípios que, segundo a opinião dos autores, fornecerão ao estudioso a base necessária para iniciar-se e progredir em direção aos níveis mais elevados da ciência jurídica registral. Ao longo desse percurso, evidentemente, o leitor encontrará classificações e princípios outros. Na elaboração deste trabalho, pretendemos conjugar a teoria haurida dos livros com a experiência prática, já significativa, como Registradores de Imóveis. Este objetivo orientou tanto a seleção do material quanto o desenvolvimento discursivo. Destarte, abordaremos os seguintes princípios, na ordem que nos afigurou mais lógica, por retratar a ordem temporal do processo de registro. Parte-se do princípio da segurança jurídica, estrela-guia de quantos navegam pelo registro imobiliário, seguindo-se o princípio da inscrição, esta que é o objeto central de nossa ciência. Atende-se, na sequência, ao princípio da instância, meio pelo qual se deflagra o processo do registro, o que torna necessário tratar das situações em que se mostra possível a cisão do título inscritível, bem como indagar dos efeitos da rogação. Uma vez deflagrado o processo de registro, este se orienta segundo critérios formais, iluminados pelos princípios da prioridade (que também gera implicações na seara do direito material), unitariedade matricial, especialidade e continuidade. Enquanto instituição jurídica, o Registro Imobiliário orienta-se pela legalidade, princípio que frequentemente suscita questionamentos quanto à sua amplitude. Por fim, uma vez alcançado o registro, afigurou-nos natural que se versassem os princípios da publicidade e seus efeitos, a saber, legitimação e fé pública registral, com suas implicações com o princípio da concentração. Cada coautor ficou responsável por versar sobre determinados princípios, assumindo integral responsabilidade pelas opiniões expostas nos capítulos específicos. Nosso intuito, a todo momento, foi aliar a solidez teórica, explicando as bases doutrinárias, a uma visão didática e prática da aplicabilidade do princípio estudado, na medida do possível, pois nem todos possuem a mesma dimensão prática. Embora, naturalmente, a leitura integral propicie a visão de conjunto colimada pela obra, os capítulos apresentam independência entre si, o que facilita a consulta pelos interessados. Boa leitura! Jundiaí/Guarujá, verão de 2020 Os autores

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