Prefácio

Prefácio É uma honra e um privilégio prefaciar o trabalho do Julio Guilherme Muller, intitulado “Negócios processuais e desjudicialização da produção da prova: análise econômica e jurídica”, que agora vem a público pela Editora Revista dos Tribunais. Trata-se da versão comercial da tese com que este brilhante advogado e professor catarinense obteve seu Título de Doutor em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, perante banca composta pelos Professores William Santos Ferreira, Eduardo Arruda Al- vim, Flávio Luiz Yarshell e Heitor Vitor Mendonça Sica, além do signatário que, na qualidade de orientador do autor, presidiu os trabalhos. Conheci o Julio ao longo do curso de doutorado, em um dos créditos que ofereci. Chamou-me a atenção a precisão de suas intervenções, a facilidade de aliar conhecimento teórico à prática e a sua incrível capacidade de pesquisa. Diante disso, convidei-o para ser meu assistente em uma das aulas que ministrava à época na graduação da Faculdade de Direito da PUC-SP. O exercício do magistério, ainda que em regime assistencial, é uma das diversas (e indispensáveis) exigências feitas aos mestrandos e doutorandos. Tratava-se de uma disciplina optativa, ministrada aos alunos do 9º e 10º se- mestres, o quinto ano, sobre o Novo Código de Processo Civil. Minha preocupação naquelas aulas era a de expor criticamente aos alunos – a despeito de se tornar uma disciplina optativa, as classes invariavelmente tiveram todas as vagas preenchidas durante todo o tempo em que a ofertei – os principais pontos e as principais novidades do CPC de 2015, que, naquele momento, encontrava-se na vacatio legis. Como assistente, o que esperava do Julio era que acompanhasse as minhas aulas teóricas e que me ajudasse mais intensamente na preparação e direção das aulas práticas que chamamos de seminários. Como vinha acompanhando com muito interesse o resultado de sua pesquisa sobre negócios processuais e sendo testemunha de seu interesse crescente sobre o tema, convidei-o a ministrar, sob minha supervisão, a aula teórica sobre o art. 190 do CPC de 2015, até como oportunidade de ele “experimentar” algumas de suas ideias, parte delas ainda em ges tação, perante uma classe composta de alunos, como é característica da graduação da PUC-SP, preparadíssimos e interessantíssimos. O resultado não poderia ter sido mais satisfatório. Para ele, para mim e, o mais importante, para os alunos. Eles adoraram e pediram bis, que foi concedido em forma de uma segunda aula, na semana seguinte, dedicada a “testar” alguns exemplos e situações de negócios processuais. Nada mais compreensível: aplicar, na prática, a teoria apresentada na aula anterior, característica indelével do ensino (e do estudo) do direito, mais ainda, por suas próprias características, do direito processual civil. Vejo com muita nitidez – e também com muita alegria – os frutíferos resultados daquela experiência na tese do Julio, que agora está, em forma de livro, à disposição do público leitor. Este, aliás, um dos grandes méritos do trabalho dele: aliar profunda pesquisa e conhecimento teórico – que extrapola os lindes do direito processual civil – com aplicação prática. O Julio soube aliar – e muito bem – sua pesquisa acadêmica, com total rendimento ao longo do curso de doutorado, com sua intensa vivência como advogado e conhecedor, por isso mesmo, da realidade do foro brasileiro e de suas reais necessidades. Trata-se de algo, aliás, que me parece caríssimo ao processualista em geral: aliar o discurso teórico da “efetividade do processo” (ou, como venho preferindo mais recentemente, “efetividade do direito pelo processo”), com efeitos concretos, realmente sentidos e experimentados na prática do foro. Chego a me perguntar, no meu Manual de direito processual civil, indo além do que já enfrentava em meu Curso sistematizado de direito processual civil, qual seria o interesse de qualquer tema e/ou instituto no direito processual civil se não fosse para surtir efeitos práticos e concretos em prol da prestação da tutela jurisdicional àquele que é dela merecedor. É uma das facetas do que venho chamando de neoconcretismo. É esta junção de teoria e prática, de conhecimento e de aplicação que, desde o início, capítulo a capítulo, tanto me cativou no trabalho do Julio; que realmente me conquistou. Trata-se de um trabalho que aborda, com profundidade, tudo o que já havia sido produzido entre nós sobre negócio processual e que não se contenta com a apresentação do instituto, muito menos com a sua exposição acrítica. Ele vai além. Faz um recorte – ousado, mas pertinentíssimo – para expor a utilidade e a importância dos negócios processuais no campo do direito probatório, em especial para autorizar a viabilidade de as partes colherem a prova oral antes (e independentemente) do processo judicial. Como quem está na prática bem sabe, nenhuma decisão sobre litigar e/ou como litigar faz sentido sem avaliação prévia de diversos fatores, inclusive sobre os custos envolvidos. Por isso e para isso, o trabalho do Julio, indo muito além do que normalmente os processualistas conseguem ir, excursio na com brilho incomum na doutrina norte-americana do law and economics para apreciar, em perspectiva objetiva, de que maneira aquelas escolhas, corporificadas em negócios processuais, podem (ou não) fazer sentido. Anunciado o escopo do trabalho, vale a pena destacar como ele foi construído. O trabalho é dividido em três partes, impressionantemente bem balanceadas. A primeira delas, volta-se a tratar da autonomia da vontade, da cooperação e dos negócios processuais. É nela que o Julio contextualiza o tema dos negócios processuais, sabendo distinguir, como é necessário, onde reside e até onde pode ir a autonomia de vontade das partes para os fins do art. 190 do CPC de 2015. Trata-se de exposição completa sobre aquele dispositivo codificado, tão polêmico quanto fascinante, e que, fosse outra pessoa, poderia, até mesmo, querer fazer as vezes da tese como um todo. No entanto, o Julio vai além e, na segunda parte do trabalho, dedica toda a sua atenção à demonstração da viabilidade de a prova oral ser produzida diretamente pelas partes e de maneira desjudicializada, isto é, fora do ambiente jurisdicional, a partir de negócio processual entre elas celebrado. Na terceira e última parte, a culminante, Julio aborda o tema na perspectiva do law and economics para mostrar – faceta menos comum mas nem por isso menos essencial para a compreensão do problema – vantagens/desvantagens acerca do negócio processual com vistas probatórias. O trabalho, como o leitor já terá percebido do que leu até aqui, é instigante. Tenho certeza de que agradará muito – e será muito útil – ao público leitor. Útil não só pelo que ele contém de excelência de pesquisa acadêmica desde a concepção que o Julio propõe para a compreensão do art. 190 do CPC de 2015, mas também porque faz proposições e demonstrações de aplicações práticas daquele instituto. Julio não se deixa levar pela “propaganda” do CPC de 2015, prática que venho chamando de panfletarismo processual, e faz análise crítica da nova codificação como um todo e de seus institutos e, como não poderia deixar de ser, também dos negócios processuais. E sai do comodismo do laboratório porque sabe aplicar (e bem) sua construção teórica para impactar a realidade forense. Para melhor, sem dúvida alguma. Parabenizo imensamente o Julio pela forma exemplar com conduziu seu curso de doutorado na nossa Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela conquista do seu Título de Doutor e pelo lançamento que, agora, faz-se realidade. Parabenizo também a Editora Revista dos Tribunais pela oportunidade que sempre deu e continua a dar a autores mais jovens e, como no caso do Julio, a consagrar. A iniciativa é digna de destaque e de elogios nesta nova coleção da Editora sob a segura direção de Luiz Guilherme Marinoni e sob a coordenação de Daniel Mitidiero e Sergio Cruz Arenhart. Por fim, dirijo ao leitor uma última palavra, que é a de certeza de uma excelente e proveitosa leitura que o conduzirá a uma reflexão mais detida sobre as possibilidades do negócio processual como um todo e, em específico, no campo do direito probatório. Cassio Scarpinella Bueno

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