Prefácio

Prefácio Há muito tempo no direito brasileiro, Celso Antônio Bandeira de Mello observa que a Administração Pública deve servir ao interesse público, conceito este que “só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das que o integrarão no futuro”. 1 Com esta noção procura afirmar um dos pilares fundantes da democracia: de que o Estado não existe para servir a si mesmo, nem o interesse do Governo ou dos agentes públicos que exercem o poder devam ser, em razão da sua origem, considerados interesse público per se. O Estado e a Administração Pública servem ao cidadão, e nesta direção, nada mais certo do que serem aperfeiçoados tanto a possibilidade de controle social do Estado, quanto os meios de participação dos cidadãos na definição das políticas públicas e sua execução pela Administração Pública. É neste sentido que ora se apresenta esta obra notável do jurista gaúcho Bruno Miragem, intitulada “A nova Administração Pública e o direito administrativo”. Seguindo a trilha da renovadora doutrina brasileira de direito administrativo, a obra que ora se apresenta ao cenário editorial brasileiro pode ser definida a partir de duas de suas principais qualidades: o compromisso com a busca de métodos de realização efetiva do interesse público e do acesso do cidadão ao Estado, como destinatário dos serviços públicos tão necessários a uma vida digna; e também como participante ativo da atividade administrativa, na formulação, execução e controle dos resultados das políticas públicas desenvolvidas pela Administração. Conheci Bruno Miragem por intermédio da minha querida amiga Claudia Lima Marques, que foi sua professora no Rio Grande do Sul, e com quem desenvolve uma virtuosa parceria acadêmica e profissional até hoje. Tive o prazer de dividir com Claudia e com ele um importante projeto, dos Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, que hoje se encontra já na sua 3.ª edição. 2 Desde então, acompanho a destacada produção intelectual do autor, em campos diversos como o direito civil, o direito do consumidor, o direito constitucional e como, neste trabalho, o direito administrativo. Destacam-se em seus trabalhos a originalidade do pensamento e o compromisso com o interesse público. Atualmente, ao lado de uma intensa atividade acadêmica no Brasil e no exterior, e após ter ocupado relevantes funções públicas no Rio Grande do Sul por largo tempo, consolida exitosa carreira na advocacia privada. A obra de Bruno Miragem está dividida em duas partes: na primeira, o autor examina as características do que denomina nova administração pública, a partir das transformações do Estado brasileiro pelas reformas do final do século passado, compondo uma fotografia desta realidade, sem perder de vista a perspectiva crítica sobre vários de seus aspectos. Para tanto examina o surgimento de novos conceitos no direito administrativo brasileiro, como o Estado regulador, o princípio da eficiência, as novas linhas acerca do poder de polícia administrativo e modelos de ação administrativa neste novo contexto, no que destaca o exame dos convênios e consórcios administrativos como instrumentos de cooperação dentre os membros da Federação e as parcerias público-privadas. Na segunda parte, por sua vez, o autor busca examinar a força dos princípios constitucionais sobre a Administração Pública. Neste sentido vale destacar o título escolhido para designar a análise: “Sol lucet omnibus: densidade jurídica e eficácia dos princípios constitucionais do direito administrativo”. A expressão é feliz e correta: das grandes transformações do direito público brasileiro com o advento da Constituição de 1988, a afirmação e eficácia dos princípios constitucionais da Administração Pública são inegavelmente os grandes protagonistas da redefinição das relações entre o Estado e o Cidadão no contexto do Estado Democrático de Direito, e que permitem, como mais uma vez ensina Bandeira de Mello, a cada cidadão defender-se contra a violação da legalidade substancial pela atuação do Estado, considerando a afirmação do princípio da legalidade que vincula a ação da Administração Pública a partir da força normativa da Constituição. 3 É, a Constituição, o Sol que ilumina o direito administrativo, assim como o faz em relação a todas as outras disciplinas jurídicas, e a partir dela é que se originam os deveres fundamentais que vinculam a todos, inclusive, e principalmente, o Estado e seus agentes. Neste sentido vale trazer as lições de outro grande professor, José Afonso da Silva, que ao explicar o princípio da legalidade sob a ordem constitucional vigente, indica-o como legalidade democrática, “da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais”. 4 A obra de Bruno Miragem apresenta-se com esta visão, trazendo subsídios valiosos para a discussão do direito administrativo brasileiro sob a égide da Constituição Democrática, seguindo o fecundo caminho dos mestres e anunciando tendências inovadoras de abertura do Estado ao cidadão. Em especial, por intermédio do aperfeiçoamento dos instrumentos de controle e participação ativa dos cidadãos no cotidiano da Administração Pública. Cumprimento, afinal, a Revista dos Tribunais, por apresentar ao cenário jurídico brasileiro mais esta renovadora obra. Brasília, dezembro de 2010. ANTONIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Doutor em Direito (UFRGS); Mestre em Direito (University of Illinois) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, p. 52-53. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 185-186. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 125.

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