3.1 Considerações gerais - 3 - O inquérito civil como meio de proteção do meio ambiente - Compromisso de ajustamento de conduta ambiental

3.1 Considerações gerais Não há dúvida de que o inquérito civil, do qual passaremos a tratar, teve como fonte inspiradora o inquérito policial, instrumento de investigação, de cunho administrativo e inquisitório, presidido pelo Delegado de Polícia, tendente a elucidar os fatos da ocorrência criminal. Baseado naquele, e sabendo que era necessário conferir um instrumento de investigação ao colegitimado mais estruturado à propositura da ação civil pública, qual seja, o Ministério Público, o legislador da LF 7.347/1985 previu, em seu art. 8.º, § 1.º, que “o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inqué rito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis”. Assim, o legislador, acolhendo anteprojeto de lei apresentado pelos então Promotores de Justiça Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz, Édis Milaré e Nelson Nery Junior ao XI Seminário Jurídico dos Grupos de Estudos do Ministério Público do Estado de São Paulo, conferiu um forte instrumento de proteção aos direitos e interesses difusos e coletivos, inclusive ao meio ambiente. Dizemos que se trata de forte instrumento de tutela coletiva na medida em que as investigações levadas a efeito em seu bojo, quando positivas, servem de base para a obtenção de compromisso de ajustamento de conduta, ou para instruir ação civil pública. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli, “o inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva”. 1 O referido instrumento de investigação tornou-se tão importante na defesa dos interesses da coletividade que ganhou contorno constitucional, pois a CF de 1988 previu em seu art. 129, inc. III, que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. Diante de seus elementos conceituais, não podemos discordar de que a natureza jurídica do inquérito civil é de procedimento administrativo, de cunho eminentemente inquisitório, o que afasta, portanto, a imposição do contraditório. Neste sentido, a lição de José Luiz Mônaco da Silva, ao consignar que o inquérito civil “é um procedimento administrativo criado pela lei com a finalidade de coadjuvar o Ministério Público na tarefa de investigar fatos ensejadores da propositura de ação civil pública. Não é processo e tampouco procedimento judicial. É simplesmente procedimento administrativo investigatório”. 2 Ainda, nas palavras de Paulo Márcio da Silva, o inquérito civil “é de natureza inquisitorial, nos mesmos moldes do que ocorre com o inquérito policial”. 3 No mesmo diapasão é a ponderação de José Marcelo Menezes Vigliar no sen tido de que, “sendo um instrumento dispensável, constituindo, em seu conjunto, peças de informação, não há que se cogitar da incidência ou não dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, para que se caracterize como um instrumento válido”. 4 E, muito embora não haja a obrigatoriedade, e até mesmo o interesse do estabelecimento do contraditório no inquérito civil, é certo que sempre que possível é válido dar ciência ao investigado acerca dos fatos em análise, até porque poderá ocorrer algum esclarecimento por parte deste que venha a colaborar no resultado final da investigação. A possibilidade de permitir o conhecimento da existência da investigação se dá em razão de que nem sempre é adequado tal procedimento, posto que, por vezes, a ciência quanto à existência do inquérito civil poderá se retratar na tentativa de obstaculização das diligências determinadas nos autos do procedimento investigatório. Porém, não fica dúvida no sentido de que, ao Ministério Público, o que inte ressa é o estabelecimento da verdade, e, diante da ocorrência de lesão ou ameaça de lesão a bem jurídico difuso ou coletivo, notadamente, para nosso estudo, o meio ambiente, o inquérito civil ajudará na colheita dos elementos necessários para que se possa eventualmente convocar o investigado para tentativa de conciliação por meio do compromisso de ajustamento de conduta, ou na obtenção de provas suficientes a demonstrar o fumus boni juris na ação civil pública. Interessante consignar que a LOMP criou a possibilidade de o órgão ministerial “praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório” (art. 26, inc. V). Também dispõe o diploma legal acima citado, em seu art. 26, inc. I: “No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes (...)”. No âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo, sua lei orgânica previu no art. 106, § 1.º, que, “sempre que necessário para formar seu convencimento, o membro do Ministério Público poderá instaurar procedimento administrativo preparatório do inquérito civil”, no que foi acompanhado pelo Ato 19, de 25.02.1994, do Colégio de Procuradores de Justiça do Estado de São Paulo, ao prever em seu art. 16 que “o Procurador-Geral de Justiça e os Promotores de Justiça poderão instaurar procedimento preparatório de inquérito civil, de ofício ou em face de representação, quando houver necessidade de esclarecimentos complementares para formar seu convencimento sobre o cabimento, em tese, da tutela de interesses difusos e coletivos”. Com previsões semelhantes às Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos dos Estados de Pernambuco (LC 12, de 27.12.1994), do Paraná (LC 85, de 27.12.1999), de Santa Catarina (LC 197, de 13.07.2000) e do Pará (LC 57, de 06.07.2006), em seus arts. 6.º, inc. V; 58, inc. V, 83, inc. II, e 54, inc. I, respectivamente. No que tange ao Ministério Público do Estado de São Paulo, em face do teor da Súmula 12 de seu Conselho Superior no sentido de que “sujeita-se à homologação do Conselho Superior qualquer promoção de arquivamento de inquérito civil ou de peças de informação, bem como o indeferimento de representação, desde que contenha peças de informação alusivas à defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos”, poder-se-ia ter a impressão de que não haveria necessidade de se submeter àquele Colegiado o arquivamento do procedimento preparatório de inquérito civil. Ao contrário, não haveria justificativa para essa omissão, na medida em que, se para o indeferimento da representação, que é menos, exige-se aquele providência, para o mais também se deve exigir. E assim tem sido feito. Mas a existência paralela, ao inquérito civil, deste seu procedimento preparatório não encontra apenas vozes favoráveis, tendo sofrido a crítica de Hugo Nigro Mazzilli, que anota, sobre sua previsão na Lei Orgânica do Ministério Público Paulista, que esta “contém o mesmo absurdo que o faria uma lei estadual que, alegando também tratar-se de mero procedimento, estabelecesse que o delegado de polícia deveria instaurar um procedimento preparatório para, se a seguir julgasse necessário, vir a instaurar o inquérito policial. Quem negaria que, dessa forma, a lei estadual estaria a disciplinar diversamente o procedimento instituído pela lei federal? Esse era, aliás, o írrito sistema das velhas sindicâncias policiais, instauradas justamente para elidir, et pour cause, os rígidos controles administrativos e judiciais que existem sobre o inquérito policial. (...) Por isso, essas sindicâncias foram, com tardança aliás, abolidas”. 5 Em sentido contrário, a aplaudir a iniciativa de previsão desse novo procedi- mento de investigação preliminar, José Luiz Mônaco da Silva aduz que, “em algumas hipóteses, a instauração de procedimento preparatório é de valiosa importância para a apuração de fatos que possam ensejar a abertura de inquérito civil. Uma carta anônima, recebida pelo promotor de Justiça da comarca, caso não conte com elementos suficientes para a instauração de inquérito civil, ensejará a abertura de procedimento preparatório”. 6 A nosso ver não há argumento que possa nos convencer acerca das vantagens de instaurar um procedimento preparatório, que na verdade é um procedimento de investigação, para que futuramente se possa convertê-lo em inquérito civil, que possui a mesma natureza de procedimento investigatório. Trata-se, portanto, de mera redundância. Independentemente de ser inquérito civil ou procedimento preparatório do mesmo, entendemos que sua instauração deverá ocorrer por meio de portaria, que deverá estabelecer de forma clara qual o objeto da investigação, de sorte a dar a correta publicidade à mesma. Em caso de ampliação do objeto da investigação, deverá haver aditamento à portaria inaugural. Também interessante que na portaria inaugural se dê um mínimo de embasamento legal aos direitos em tese protegidos pela via da investigação, bem como se determinem, de chofre, as diligências iniciais a serem providenciadas. Havendo necessidade de requisitar informações ou perícias técnicas, é sempre recomendável que o ofício requisitório contenha quesitos a serem respondidos pela pessoa física ou jurídica destinatária, o que certamente ajudará a evitar pedidos de complementação ou de reiteração em razão de o teor da resposta não estar de acordo com as expectativas do órgão ministerial. Não podemos olvidar que, se ao final das investigações não se coletarem provas que possam ensejar justa causa à propositura de ação civil pública, o que também afasta a possibilidade de estabelecimento de compromisso de ajustamento de conduta, os autos deverão ser arquivados, submetendo-se a providência adotada à augusta apreciação do Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do que dispõe o art. 9.º da LACP. 7 O inquérito civil, p. 46. Inquérito civil, p. 28. Inquérito civil e ação civil pública – Instrumentos da tutela coletiva, p. 99. Tutela jurisdicional coletiva, p. 128. O inquérito civil, p. 131. Op. cit., p. 127. Sobre o arquivamento do inquérito civil com compromisso de ajustamento de conduta, cf. item 4.5.

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