4.4 Objeto e limites objetivos

4.4 Objeto e limites objetivos Não podemos olvidar que, em sede de compromisso de ajustamento de conduta, o Ministério Público e os órgãos públicos que possuem legitimação para obtê-lo possuem um poder/dever no sentido de, nele, abarcar todos os pedidos que seriam lícitos de serem feitos em ação civil pública. Com efeito, se o objetivo do ajustamento é readequar a conduta do degradador ou potencial degradador ao ordenamento jurídico vigente, a fim de afastar o risco de dano e/ou recompor aqueles já ocorridos, não pode o órgão público que toma aquele compromisso deixar de pleitear todas as medidas tendentes ao efetivo e integral resguardo do meio ambiente. 1 Nem se fale que age o membro do Ministério Público ou a autoridade pública com discricionariedade, por meio de critérios de oportunidade e conveniência, uma vez que, como acima já mencionado, não é esta figura uma transação stricto sensu, pouco sobrando de liberdade para o agente público que toma o ajustamento. Em suma, o ajustamento de conduta é substituto da ação civil pública, sen do, portanto, nele admissível se prever toda e qualquer obrigação que pudesse ser pleiteada naquela ação coletiva, nos termos do art. 83 do CDC. Todavia, um dos grandes questionamentos formulados em relação ao compromisso de ajustamento de conduta cinge-se aos limites objetivos deste, notadamente porque o órgão público legitimado a tomá-lo não é o titular do bem difuso ou coletivo tutelado, motivo pelo qual não pode fazer concessões que impliquem, inclusive, desvio da finalidade precípua do instrumento de tutela, que é a proteção dos direitos e interesses daquela natureza, e não dos interesses do compromissário. Cumpre-nos de chofre anotar que os órgãos públicos legitimados à formulação do ajustamento de conduta, justamente por integrarem a Administração Pública, direta ou indireta, devem se pautar pelos princípios que a regem, e que se encontram insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Daqueles citados princípios, devemos destacar, para o nosso estudo, os princípios da legalidade e da finalidade. O primeiro nos orienta no sentido de que, enquanto ao particular vige o princípio da liberdade, garantindo-lhe a possibilidade de agir sempre que a lei não lhe determinar uma conduta em sentido contrário, à Administração Pública, por meio de seus agentes, só é dado agir nos termos impostos pela lei, limitando sua atuação. O segundo nos dirige a sustentar que além de se pautar estritamente aos termos da lei, a Administração Pública deve sempre almejar atingir a finalidade contida no texto legal, não podendo se desvirtuar deste objetivo. Celso Antônio Bandeira de Mello traz lição no sentido de que “(...) enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o princípio da legalidade é o específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei”. E continua, afirmando que “o princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalistados governantes. Opõe-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista, contra o qual irrompeu, até as manifestações caudilhescas ou messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O princípio da legalidade é antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a ideia de soberania popular, de exaltação da cidadania. Nesta última se consagra a radical subversão do anterior esquema de poder assentado na relação soberano-súdito (submisso)”. 2 Não há conduta da Administração Pública fora dos limites impostos pela lei. Mas não é só, essa ação deve se pautar de forma estrita à finalidade contida na lei, e não ser alvo de uma interpretação que possa desvirtuar sua essência. Bem por isso que Celso Antônio Bandeira de Mello, ao tratar do princípio da finalidade, nos adverte que “por força dele a Administração subjuga-se ao dever de alvejar sempre a finalidade normativa, adscrevendo-se a ela”. E reforça, anotando que “em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois cor- responde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício – denominado de ‘desvio de poder’ ou ‘desvio de finalidade’ – são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei”. 3 O Código de Defesa do Consumidor, ao introduzir um parágrafo 6.º, art. 5.º da Lei 7.347/1985, claramente pretendeu admitir que, extrajudicialmente, se pudesse obter as necessárias obrigações dos interessados, de sorte a afastar os riscos de lesões ou reparar as já ocorridas, em relação a bens de natureza difusa ou coletiva. E, para sustentar este posicionamento, basta uma rápida leitura do dispositivo: “Os órgão públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Os órgãos públicos legitimados, portanto, somente estão autorizados a firmar o ajustamento de conduta, se as obrigações assumidas efetivamente tiverem o condão de alcançar a finalidade da norma jurídica, no sentido de restabelecer a conduta do compromissário às exigências legais. Assim, é absolutamente nulo o compromisso de ajustamento de conduta que se afaste deste desiderato, que nada mais é do que a proibição de disponibilidade do interesse público (primário), que, na visão de Lúcia Valle Figueiredo, é a consequência da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 4 Não há campo para agir discricionariamente, na medida em que a lei não dá esta margem de subjetividade material ao agente ligado ao órgão público tomador do ajustamento de conduta. E, mesmo se desse, o que reiteramos não ter aconte cido, não poderia ele se pautar senão de acordo com a lei, pois como retrata Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “(...) é sempre útil sublinhar que, como ocorre no símile da delegação, o exercício da discricionariedade não pode ultrapassar o cometimento outorgado, só tendo cabimento, o seu exercício, dentro dos limites da lei, razão pela qual não deve ser confundida com a arbitrariedade, que consiste no agir fora da lei ou contra ela”. 5 O que está cometido ao órgão público tomador do ajustamento de conduta é uma discricionariedade formal, ou seja, para definir a melhor forma, dentro de critérios de conveniência e oportunidade, mas sempre de acordo com a finalidade da lei, para que o compromissário volte a pautar a conduta do compromissário de acordo com as exigências legais. Não pode o órgão público, destarte, se furtar a exigir do compromissário todas as obrigações necessárias (sejam elas de que natureza for) para que o objetivo legal de recuperar o bem jurídico difuso ou coletivo lesado, ou afastar por completo o risco de lesão a estes, possa ser concretamente alcançado. A conduta do órgão público deve estar pautada não apenas nos estritos termos da lei vigente, mas na ética no trato dos bens difusos e coletivos, invariavelmente ligados aos direitos fundamentais sociais e à ordem social e, portanto, ao alcance da dignidade da pessoa humana. Posicionamentos pessoais do agente público que naquele momento esteja investido de poder para representar seu órgão público no ajustamento de conduta não podem superar a necessária observância da suprema- cia do interesse difuso sobre os interesses público (da Administração; secundário, portanto) e particular. Não se pode trocar obrigações de fazer, por exemplo, por indenização em dinheiro, quando o dano não seja irreversível, pois fica o espírito da lei aviltado. O ajustamento de conduta que contenha ilegalidade, portanto, possibilita a propositura de ação civil pública por outro legitimado. 6 Já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça que “se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais – o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP”. 7 Em conclusão, o compromisso de ajustamento de conduta é um instrumento de acesso à justiça de máxima importância dentro de nosso ordenamento jurídico, na medida em que permite a tutela de interesses difusos e coletivos de maneira mais célere e com sensível diminuição dos riscos do inadimplemento, em face de seu caráter consensual. Todavia, os legitimados a tomar este ajustamento de conduta devem observar a finalidade da norma, não abrindo mão de exigir todas as obrigações necessárias a alcançar aquela, no sentido de eliminar os riscos de lesão aos bens jurídicos protegidos, ou a total reparação (in natura e/ou por equivalência e/ou em dinheiro) dos danos causados, quando a lesão já tenha ocorrido. Quanto ao objeto do ajustamento de conduta, Hugo Nigro Mazzilli propõe que “não raro o órgão público legitimado e o causador do dano ajustam quaisquer tipos de obrigações, ainda que não apenas de fazer ou não fazer, e esse ajuste é convalidado seja pelo seu caráter inteiramente consensual, seja pelo fato de que prejuízo algum trazem ao interesse metaindividual tutelado, pois constituem garantia mínima e não limitação máxima de responsabilidade do causador de danos a interesses difusos” (O inquérito civil, p. 303). Curso de Direito Administrativo. p. 58-59. Op. cit., p. 64. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 38. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 107. STJ, REsp 1.309.948/SP , j. 18.12.2014, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 24.02.2015. REsp 1.245.149/MS , j. 09.10.2012, rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 13.06.2013.

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