8.3 Responsabilidade penal

8.3 Responsabilidade penal O Direito Penal age como ultimaratio, englobando apenas as condutas lesivas aos interesses da sociedade, quando a responsabilidade civil e/ou administrativa não se mostraram suficientes à prevenção geral e especial, bem como à retribuição específica que deveria gerar. De fato, lança-se mão do Direito Penal como forma última de se pacificar o convívio social abalado pela conduta danosa em face de bens jurídicos de alta relevância à coletividade. E não há exemplo mais especial de intervenção do Direito Penal do que nas condutas lesivas à vida, especialmente a que conduz à morte da vítima (crime de homicídio). Ora, com especial razão, portanto, a existência de um Direito Penal ambiental, ou seja, a existência de um rol de condutas típicas e antijurídicas cuja mácula é justamente o atentado aos bens de natureza ambiental. Não cansamos de dizer que, se a sociedade entende justa a intervenção do Direito Penal para punir os crimes dolosos contra a vida, também deve aplaudir a iniciativa legislativa de levar aquele ramo do Direito à defesa do meio ambiente, posto que a degradação do meio ambiente nada mais é do que um homicídio em doses homeopáticas, pois leva à perda da qualidade de vida de que tanto precisamos para manter nossa permanência neste planeta de forma equilibrada e satisfatória à perpetuação de nossa e das demais raças. 1 A preocupação atinge não apenas os doutrinadores nacionais, como podemos verificar das palavras de Juan Carlos Venini, ao noticiar que “el derecho a la vida no se manifiesta sólo como un derecho a ser tutelado de las agresiones directas de los demás individuos (delitos de homicidio, lesiones, etc.), o a su preservación frente a los avances asfixiantes del Estado (de corte autoritario o totalitario), que se concreta en el reconocimiento de la libertad en sus más diversas manifestacio- nes, sino que actualmente ese derecho a la vida, fluye, ante las agresiones al medio ambiente, ya que directa o indirectamente, más tarde o más temprano provocará un daño a la integridad psicofísica del ser humano”. 2 Ainda, a abalizada lição de Ivete Senise Ferreira ao firmar posicionamento no sentido de que “a ultima ratio da tutela penal ambiental significa que esta é chamada a intervir somente nos casos em que as agressões aos valores fundamentais da sociedade alcancem o ponto do intolerável, ou sejam, objeto de intensa reprovação do corpo social”. 3 No mesmo diapasão é o entendimento de Vladimir e Gilberto Passos de Freitas, que anotam que “o Direito Penal mínimo não deve ser aplicado em tema de infrações ambientais, onde os danos são de consequências graves e nem sempre conhecidas, e a preservação é um dever a ser levado com o máximo empenho e seriedade, não apenas para esta, mas principalmente para as futuras gerações”. 4 Realmente, o posicionamento liberal que se tem adotado por alguns doutrinadores do Direito Penal, enaltecendo o que se convencionou chamar de Direito Penal Mínimo, ou seja, a menor intervenção possível do Direito Penal nas condutas sociais, é repugnante ao Direito Penal Ambiental, pois a nocividade das condutas que atentem contra este bem jurídico é tão patente que por si só já demonstra a necessidade de afastamento de tal pretensão. Aliás, para sermos sinceros, não comungamos do entendimento daqueles que se filiam à tese da intervenção mínima do Direito Penal, pois os abusos na descriminalização de condutas podem trazer resultados nefastos na defesa de interesses jurídicos de relevância, mas que são postos de lado em nome dessa verdadeira guerra por um número cada vez menor de condutas consideradas típicas e antijurídicas, e, portanto, passíveis de sanções penais. No que tange à tutela penal do meio ambiente, pensamos que, não obstante todo o esforço do legislador em tipificar várias condutas que atentam contra este bem jurídico, muitas outras ainda podem ser abarcadas nos textos de legislação específica. Devemos destacar, entretanto, que, sendo a prevenção medida essencial à manutenção do equilíbrio ecológico, posto que, como já antes mencionado, o dano ambiental é tecnicamente irreversível, o tipo penal que visa a prevenir e reprimir o crime nesta área deve homenagear este megaprincípio. Para tanto, o legislador privilegiou os denominados crimes de perigo, muito embora também tenha, por necessário que é, abarcado nos diplomas que cuidam da matéria crimes de dano. Segundo Damásio Evangelista de Jesus, “crimes de dano são os que se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico” e “crimes de perigo são os que se consumam tão só com a possibilidade do dano”. 5 Assim, não resta dúvida de que a tutela penal do meio ambiente deve sempre estar em sintonia com a necessidade de atacar primordialmente as condutas que criem risco de dano àquele bem jurídico. Neste diapasão o parecer de Paulo José da Costa Júnior, ao afirmar que “a concepção do crime ecológico como crime de perigo exercita sobre o legislador penal moderno enorme atração. Tal concepção torna o problema mais simples, principalmente se confrontado com as dificuldades objetivas que caracterizam, nessa matéria, qualquer tentativa de construir crime de dano real”. 6 Ainda no mesmo sentido o posicionamento de Luís Paulo Sirvinskas, que consigna que “são os crimes de perigo abstrato que marcam os tipos penais ambientais na moderna tutela penal. Procura-se antecipar a proteção penal, reprimindo-se as condutas preparatórias”. 7 E assim se portou o legislador nacional ao editar a LF 9.605, de 12.02.1998, que abarcou a quase totalidade dos tipos penais tendentes à proteção do meio ambiente na esfera criminal. De extrema modernidade, muito embora tenha despertado a ira doutrinária de alguns, o citado diploma legal teve o mérito de regularizar inestimável avanço na tutela ambiental prevista no art. 225, § 3.º, da Constituição da Republica, consistente na responsabilização penal da pessoa jurídica. Com isso, a conduta praticada pelo agente pessoa física no exercício de suas funções e em vista de gerar benefício ou interesse da entidade cria a responsabilidade penal a alcançar não apenas aquele primeiro, mas também a pessoa moral. Destarte, se, na execução das cláusulas previstas no compromisso de ajusta mento de conduta, uma pessoa jurídica interessada vier a praticar conduta descrita como crime ecológico (para usar a expressão de Paulo José da Costa Júnior), então ela também sofrerá os efeitos penais dessa mesma conduta, e não apenas o representante legal ou contratual da entidade, como costumava ocorrer antes da edição do texto legal em análise. Tratando-se de agente do Estado que, diante da concordância com os termos do compromisso de ajustamento, permita que venha a ocorrer o dano ou risco de dano ambiental punível pela legislação penal específica, o ente público também deverá figurar como réu na ação penal que porventura vier a ser instaurada. No entanto, nosso estudo pretende focar com maior ênfase a responsabilidade do representante do órgão público legitimado que vem a contribuir com a conduta criminosa, estando a ela ligado por meio de nexo de causalidade. Não temos dúvida em apontar que, afora responder pelos delitos descritos nas seções I a IV do Capítulo V da LF 9.605/1998, também poderá incorrer em fatos típicos e antijurídicos descritos nos arts. 67 e 68 dessa lei, que tratam dos crimes contra a Administração Ambiental. Os crimes descritos como praticados contra a Administração Ambiental se mostram de imensa relevância, na medida em que a responsabilidade social dos agentes públicos que atuam nesta área também é imensa. No campo do compromisso de ajustamento de conduta, vislumbramos a possibilidade de o agente público que representa órgão da mesma natureza deixar de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental, dolosa ou culposamente. 8 Mencionada obrigação de relevante interesse ambiental está consubstanciada na necessidade de o órgão colegitimado somente firmar o compromisso de ajustamento de conduta quando este venha a dar integral proteção ao meio ambiente ameaçado de lesão, ou já degradado. Porventura poderá ocorrer, ainda, no termo de compromisso de ajustamento, a prática do delito previsto no art. 67 da LCA, pois poderá, de forma absolutamente ilegal, o representante do órgão público legitimado vir a licenciar, autorizar ou permitir, em desacordo com as normas ambientais, atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público. Não é difícil imaginar os exemplos, tal como o representante de órgão de controle de poluição atmosférica que permite, em cláusula do compromisso de ajustamento, que o interessado continue mantendo ativa sua empresa ad perpetuam sem a obtenção das devidas licenças de instalação e funcionamento. Ou no caso do órgão autorizador de desmatamentos que permite a supressão de vegetação considerada como de preservação permanente, fora das hipóteses legalmente previstas. Tais condutas levariam à tripla responsabilidade prevista no Texto Magno (art. 225, § 3.º), notadamente a criminal, que certamente tem forte peso na tomada de decisões por parte dos funcionários públicos que atuam na área. Por fim, conforme abordagem já iniciada no item 7.4, poderá caracterizar o crime previsto no art. 68 da LCA a conduta dolosa ou culposa do órgão público que, após obter sentença condenatória ou compromisso de ajustamento de conduta, deixa de iniciar sua execução. O crime somente estaria caracterizado, a nosso ver, a partir do momento em que o representante legal ou quem tenha a atribuição legal de cuidar dos interesses jurídicos do órgão público deixa, deliberadamente ou por negligência, de promover a execução do título executivo. Ainda, estará verificada a ocorrência do crime quando o órgão público, mesmo não constando como credor do título, vier a tomar formal conhecimento de sua existência, não cuidando para que o mesmo seja efetivamente cumprido. Questão tortuosa a ser transposta é quanto à consumação do delito, pois é necessário no caso em análise verificar quando o órgão público deveria agir para executar o compromisso de ajustamento de conduta ou a sentença condenatória e não agiu. Entendemos que, nestes casos, dever-se- á aplicar o mesmo prazo previsto no art. 15 da LACP para que o Ministério Público promova a execução da sentença obtida por associação. E, ainda, não podemos olvidar as condutas criminosas previstas no CP, que se caracterizam como crimes contra a Administração Pública: a) peculato doloso ou culposo (art. 312); b) concussão (art. 316, caput); c) corrupção passiva (art. 317); d) prevaricação (art. 319). Édis Milaré aduz de forma acertada que “preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é questão de vida ou morte. Os riscos globais, a extinção de espécies animais e vegetais, assim como a satisfação de novas necessidades em termos de qualidade de vida, deixam claro que o fenômeno biológico e suas manifestações sobre o Planeta estão sendo perigosamente alterados. E as consequências desse processo são imprevisíveis, já que ‘as rápidas mudanças climáticas, (...) a menor diversidade de espécies fará com que haja menor capacidade de adaptação por causa da menor viabilidade genética e isto estará limitando o processo evolutivo, comprometendo inclusive a viabilidade de sobrevivência de grandes contingentes populacionais da espécie humana’. Por isso, arranhada estaria a dignidade do Direito Penal caso não acudisse a esse verdadeiro clamor social pela criminalização das condutas antiecológicas” (Direito do ambiente, p. 345 -346). El daño y los intereses difusos. In: Parellada, Carlos A (coord.).Derecho de daños, segunda parte. Tutela penal do patrimônio cultural, p. 68. Crimes contra a natureza, p. 33. Direito penal – Parte geral, vol. 1, p. 166-167. Direito penal ecológico, p. 74. Tutela penal do meio ambiente, p. 20. Luiz Regis Prado lembra, quanto ao crime do art. 68, que “cuida-se de infração penal própria, comissiva por omissão, simples, de mera atividade e de forma livre” (Crimes contra a natureza: anotações à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, p. 211).

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