INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO A partir da constatação de que a democracia representativa deveria ser complementada com formas mais diretas de participação, criou-se a democracia participativa com mecanismos de interferência popular mais acentuada no processo decisório estatal, cuja intensidade varia de acordo com os instrumentos colocados à disposição do cidadão para o controle do poder estatal. Direito de petição, legitimidade para ação popular, plebiscito, referendo, direito de acesso ou à informação, cogestão de órgão ou de entidade, iniciativa popular de lei, audiências e consultas públicas, amicus curiae, são citados como instrumentos de participação, normalmente classificados como pertencentes à democracia participativa. Esses instrumentos apresentam graus variados de influência nas decisões estatais e alguns têm sido distorcidos pela ausência de compreensão, não apenas da democracia, mas também da própria cidadania perante o Estado. A Partizipationeuphorie ou a existência de uma ideologia da participação, citadas por Enterría e Fernandez, 1 distorcem a correta compreensão dos institutos políticos e adminis trativos da democracia participativa. O presente trabalho trata do potencial da audiência pública na formação da vontade estatal em face da cidadania que esse instrumento de participação prestigia, visando contribuir para que sejam evitadas as deformações que têm surgido, por exemplo: a necessidade de se disponibilizar transporte gratuito para os cidadãos participarem da audiência, ou do seu suposto caráter plebiscitário, mormente na questão urbanística, ou, ainda, a de que elas existem para informar (salvo casos pontuais), ao invés de colher subsídios para o processo decisório estatal, o que muitas vezes acaba deixando de fora os agentes econômicos nas audiências públicas promovidas pelas agências regulatórias. Primeiro, discorre-se sobre os fundamentos que embasam a participação envolvida na audiência pública, para, então, tratar da sua teoria geral e das previsões específicas de audiências públicas no direito brasileiro. A leitura isolada das audiências públicas específicas compromete a sua correta inteligência, devendo haver a sua interpretação conjugada com a tentativa de teoria geral que se esboça no Capítulo IV e nos que o precedem. As audiências públicas, assim como as consultas, não obstante serem mecanismos que visem operacionalizar a democracia participativa, têm se transformado, praticamente, em mecanismos de declaração de nulidades de ações governamentais quando fazem parte de algum processo cuja decisão não agrada a quem as contesta. De sadio instrumento de participação, transformou-se em fomentadora de que- relas judiciais cujo propósito se distancia da participação cidadã. Como decidiu o Tribunal de Justiça do rio de Janeiro (TJrJ): Tampouco colhe o agravo quando se bate contra a inexistência de audiência pública, que vem se degenerando ao longo do tempo, quando perdeu a fisionomia de instrumento democrático para se transformar em oportunidade para obstar a marcha do procedimento de licenciamento. Com ações distribuídas às dezenas, resistência ou cumplicidade das entidades ambientais ou simplesmente balbúrdia orquestrada, lutam os opositores dos projetos contra a própria realização das audiências, tudo com o objetivo de apontar sua falta como entrave à concessão da licença. 2 Tais tentativas decorrem não apenas da rediscussão da matéria em outro foro, mas também da má compreensão do significado, alcance e finalidade das audiências e consultas públicas dentro do ordenamento jurídico. A análise desse potencial protetivo das audiências públicas se restringirá aos aspectos daquelas que se desenvolvem perante o Poder Executivo, não fazendo parte do objeto de estudo as audiências que ocorrem no âmbito dos Poderes Le gislativo (v.g., CF/1988, art. 58, II) ou Judiciário (v.g., Leis 9.868/1999, art. 9.º, § 1.º, e 12.562/2011, art. 7.º), embora em relação a essas se façam considerações sobre a sua finalidade e regramento aplicável às que se desenvolvem no Executivo. Por isso, a recente e polêmica Política Nacional de Participação Social, criada pelo Dec. 8.243/2014, será analisada quando impactar no tema audiências públicas. ENTERRÍA, Eduardo García de, FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Trad. Arnaldo Setti. São Paulo: Ed. RT, 1991. p. 799. TJRJ, AgIn 0023843-43.2010.8.19.0000 , 3.ª Câm. Cível, j. 27.10.2010, v.u., rel. Des. Eduardo Gusmão Alves de Brito

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