4.2 A exceção da obrigatoriedade e a regra da facultatividade da realização das audiências públicas - Capítulo IV - Teoria geral das audiências públicas no Direito Administrativo

4.2 A exceção da obrigatoriedade e a regra da facultatividade da realização das audiências públicas A importância de saber se a audiência pública é obrigatória ou facultativa reside nos efeitos da sua não realização. Caso a audiência pública seja obrigatória dentro de certo processo decisório, haverá nulidade, em regra, se ela não for efetuada. Nesses casos, Gustavo Justino fala na audiência pública como “condição de validade do processo administrativo em que está inserida”. 1 Na legislação federal, podem ser apontados como exemplos de audiência pública obrigatória as das Leis de Licitação (Lei 8.666/1993, art. 39, caput), Lei 9.427/1996 2 (art. 4.º, § 3.º), Lei 9.478/1997 3 (art. 19), Lei de responsabilidade Fiscal (LC 101/2000, arts. 9.º, § 4.º, e 48, parágrafo único, I), Lei 10.233/2001 4 (art. 68) e do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001, art. 40, § 4.º, I). Embora haja exceções, sua obrigatoriedade é comum no âmbito das agências administrativas regulatórias, pela opção do legislador nacional em seguir a tradição de auscultação pública vigente na legislação estadunidense. O Administrative Procedure Act (APA) de 1946 exige que as agências federais noticiem e deem oportunidade para comentários do público quando da implementação de regra que afete seus direitos (§ 553 e ss.), mas não exige que essa participação seja em audiência pública, apenas que o público possa se manifestar, o que acabou ocorrendo na regulação da matéria no Brasil. Tais previsões não tornam as audiências públicas elementos obrigatórios no processo decisório estatal, ainda que dentro das agências reguladoras. A regra ainda é a sua realização mediante expressa regra nesse sentido, uma vez que, sem previsão expressa, aplica-se o art. 32 da Lei 9.784/1999, que, ao regular o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, prevê a sua realização facultativa. Na redação do dispositivo: Art. 32. Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo. Não existe presunção em favor da realização de audiências ou consultas públicas caso haja pedido de interessados, contrariamente ao que reconhece Alexandre Santos de Aragão com base em princípios e valores constitucionais “que privilegiam a participação dos interessados nas decisões administrativas (art. 1.º, caput e inc. I; art. 5.º, XXXIII e XXXIV; 37, caput, e § 3.º; 175, II, da CF)”. 5 Muito embora ele afirme que a realização da participação popular é discricionária, diz que a recusa tem que ser satisfatoriamente motivada caso haja pedido de algum interessado. O que ele defende, então, uma vez que qualquer ato administrativo deve ser fundamentado, é que existe presunção de realização da audiência ou consulta públicas quando em face de um pedido. Ocorre que, de todos os artigos constitucionais que o jurista cita, não é possível extrair uma presunção do direito à participação administrativa. O art. 1.º, caput, fala em Estado Democrático de Direito, citando o seu inc. I a soberania. Os incs. XXXIII e XXXIV do art. 5.º citam o direito de acesso aos documentos, o direito de petição e de obtenção de certidões em repartições públicas. O art. 37, caput, cita os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), e seu § 3.º fala que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública, especialmente sobre prestação dos serviços, acesso aos registros administrativos e representação contra o exercício negligente ou abusivo da função pública. O art. 175, II, fala em direitos dos usuários a serem disciplinados pela lei. A negativa da realização das consultas ou audiências públicas deve ser motivada, como qualquer ato administrativo, bem como o pedido de quem requer. Essa fundamentação, entretanto, pode ser bem ampla, fundando-se, inclusive, na discricionariedade da realização do ato. O mero pedido do interessado não transforma a auscultação pública em algo obrigatório. A realização da consulta ou audiências públicas é ato discricionário quando ela não for obrigatória por lei. De qualquer forma, como se verá adiante, ser obrigatória, ainda que mediante pedido, não torna capaz de multiplicar o número de audiências públicas. Quando a lei for dúbia, deve-se interpretá-la de acordo com a regra, ou seja, não imposição obrigatória da realização da audiência pública. Como exemplos de audiência pública facultativa podem ser citadas aquelas das Comissões do Congresso Nacional ( CF, art. 58, § 2.º, II), 6 as da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/1999, art. 32), e as do licenciamento ambiental (res. Conama 9/1987), estas últimas desde que interpretadas sistematicamente. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. As audiências públicas e o processo administrativo brasileiro. Revista Trimestral de Direito Público. n. 21. p. 161-172, São Paulo: Malheiros, 1998. Lei que institui a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências. Lei que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Lei que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, e dá outras providências. ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 439. “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2.º – às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: (...) II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;”

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