Introdução

Introdução O pior cientista é aquele que não sabe seu objeto de trabalho. 1 01. A Constituição Federal de 1988 estabelece que os recursos minerais, petróleo e os potenciais de energia hidráulica são bens da União (art. 20, VIII e IX), sendo privativamente federal a competência legislativa (art. 22, IV, XII), podendo haver, contudo, competência comum sobre esta matéria (art. 23, XI) na forma de lei complementar (art. 23, parágrafo único). Estabelece ainda que o regime jurídico para a exploração dos recursos minerais e os potenciais de energia hidrelétrica será o de autorização ou concessão (art. 176), havendo monopólio da União na exploração da atividade petrolífera (art. 177) e na pesquisa, lavra e outras atividades relativas aos minérios nucleares e seus derivados (art. 21, XXIII e art. 177). A Constituição dispõe ainda que, decorrente da exploração desse patrimônio por pessoas físicas ou jurídicas, de capital público ou privado, a União receberá compensação financeira ou terá participação nos resultados, sendo que, do que for arrecadado, será estabelecida uma partilha federativa por meio de lei federal (art. 20, § 1.º). O objetivo deste trabalho é analisar as formas pelas quais o Estado Brasileiro faz incidir e rateia as receitas patrimoniais decorrentes da exploração de recursos naturais não renováveis, entre eles os minerais, petróleo e os potenciais de energia hidrelétrica, cujo permissivo constitucional encontra-se no art. 20, § 1.º, da CF. 2 Uma característica que cerca estes bens é o fato de serem esgotáveis. Com alguma licença técnica, que será explicada no estudo, pode-se dizer que se tratam de recursos naturais não renováveis, o que diferencia a análise de seu uso em face dos demais recursos naturais, os renováveis. Afinal, o que fica para a sociedade em face da exploração de seus recursos naturais não renováveis? Apenas o “buraco” deixado pelo esgotamento das reservas? Como a sociedade, através dos diversos entes federativos, se beneficia dessa receita? 02. Este é um tema que se encontra em plena efervescência administrativa, legislativa e jurisprudencial no Brasil, por diversos motivos, um dos quais o esgotamento das fontes tributárias de financiamento do Estado. A carga tributária no Brasil atual – receitas derivadas do poder de império do Estado – se encontra nas cercanias de 35% do PIB. Consequentemente, os olhos do Poder Público têm se voltado para outras fontes de recursos, sendo as decorrentes destas receitas patrimoniais umas das mais visadas. Outro fator de redobrada importância do tema decorre da descoberta de imensos campos petrolíferos na costa brasileira, na área denominada pré-sal. Estima-se que, com a exploração dessas reservas, o Brasil passe a integrar o grupo dos principais países produtores de petróleo no mundo – algo impensável há uma geração. Um terceiro aspecto é a construção de várias Usinas Hidrelétricas em diversos pontos do território brasileiro, em especial na Amazônia, nos Estados do Pará e Rondônia, o que traz à cena a questão das receitas decorrentes da exploração dos potenciais de energia hidrelétrica – conhecidos por royalties hidrelétricos – como outra fonte de receita pública patrimonial. Esses fatos vêm gerando cada vez mais disputa de duas naturezas: entre o setor privado e o público, acerca da exata delimitação da incidência dos royalties, que se caracteriza como um ônus financeiro (não tributário) sobre o custo de produção das empresas. A jurisprudência está atenta a este debate. As discussões sobre a natureza jurídica dos royalties, em especial da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração Mineral, seu prazo decadencial e a delimitação de sua base de cálculo são assuntos que têm sido fortemente debatidos perante o Poder Judiciário e que serão analisados nesta obra. Por outro lado, existem fortes disputas entre os entes federados sobre a divisão destas receitas, em especial das que decorrem da exploração de petróleo (royalties e participações especiais). No primeiro trimestre de 2013, após o Congresso Nacional rejeitar os vetos apostos pela Presidência da República à Lei 12.734/2012, que tratava da repartição dos royalties do petróleo, Ações Diretas de Inconstitucionalidade foram propostas pelos Estados do Rio de Janeiro (ADI 4.916), Espírito Santo (ADI 4.917) e São Paulo (ADI 4.020) perante o STF, que deferiu medida cautelar suspendendo os efeitos da lei aprovada pelo Congresso Nacional. Como se trata de uma política de “lençol curto”, na qual mais recursos para um ente federado implica menos recursos para os demais, iniciou-se um litígio de proporções gigantescas neste caso, com diversos Estados e outros entes legitimados ingressando na lide na qualidade de amicus curiae. Correlato a este tema, existe ainda a questão das cláusulas pétreas constitucionais, pois uma das alegações constantes das ADIs é que o federalismo fiscal, tal qual desenha- do pela Constituição de 1988 em sua redação original, se constitui em uma delas, e, portanto, não pode ser modificado pela redivisão federativa das receitas petrolíferas. Será que este preceito constitucional tem tão grande extensão de modo a congelar a dinâmica financeira interfederativa e comprometer ajustes fiscais que a sociedade entenda necessários? No âmbito minerário, o debate está centrado no Ministério das Minas e Energia, que promete a mudança do marco regulatório para a exploração desses recursos naturais, bem como para a incidência e o rateio dos royalties. A despeito de alguma tardança, o Poder Executivo enviou um Projeto de Lei ao Congresso Nacional em junho de 2013, estabelecendo o Novo Marco Regulatório da Mineração, que se encontra em debate no Congresso Nacional e é analisado nesta obra. A forte expansão do setor de hidrelétrico brasileiro, cuja matriz é fortemente concentrada nessa fonte de energia limpa, implica no aumento dos royalties hidrelétricos (CFURH em especial, havendo também os royalties específicos de Itaipu), que igual- mente são analisados neste estudo. A despeito de ser um recurso natural renovável, as receitas patrimoniais advindas dos potenciais de energia hidrelétrica encontram-se na mesma norma constitucional que estabelece a incidência e o rateio federativo dos royalties do petróleo e dos recursos minerais. 03. Esses são alguns dos fatores que nos levam a desenvolver este trabalho volta- do ao estudo sistemático das receitas patrimoniais decorrentes da exploração desses recursos naturais no Brasil. Não iremos abordar aspectos geográficos, geológicos, econômicos ou de segurança nacional – estes temas, quando tratados, serão de maneira incidental, no que apoiar o debate sobre a incidência e a divisão dos royalties. O foco do trabalho é tratar das receitas públicas, e, entre elas, das receitas patrimoniais. Delimitando de forma ainda mais precisa, o que se analisará neste trabalho são apenas as receitas públicas patrimoniais arrecadadas e rateadas em face da exploração de recursos minerais, petróleo e potenciais de energia hidrelétrica. 04. Pode-se escrever um trabalho acadêmico de várias formas. A opção aqui desenvolvida parte da delimitação do tema mediante a apresentação de algumas questões a guiar os rumos da análise, identificadas como problemas teóricos. Deles, segue-se em busca de respostas, analisadas nas conclusões. A questão que guia este estudo pode ser assim formulada, em termos objetivos: “O sistema adotado no Brasil para a incidência e o rateio federativo dos royalties (marítimos e terrestres), caracterizados como receitas públicas decorrentes da exploração de recursos naturais não renováveis (petróleo, minérios e os potenciais de energia hidrelétrica), está adequado ao uso estratégico desse patrimônio público ou exerce apenas uma função arrecadatória?”. Buscar-se-á respostas ao problema acima apresentado com um trabalho desenvolvido em 4 capítulos. No Capítulo I serão apresentados aspectos conceituais e iniciada a delimitação do objeto teórico a ser analisado pela apresentação de algumas de suas características principais, bem como sua arrecadação e importância estratégica. No Capítulo II será finalizada a delimitação do objeto de estudo, analisada a trajetória do modelo de exploração dos recursos naturais não renováveis no âmbito das Constituições brasileiras, sendo também abordados aspectos referentes às receitas públicas decorrentes desses bens. Destaque especial será dado ao processo constituinte que desembocou na Carta de 1988, importantíssimo para a perfeita compreensão de suas normas e da complexa realidade normativa atual. No Capítulo III será apresentada a legislação infraconstitucional que estabelece as regras para a incidência dos royalties minerários, hidrelétricos e petrolíferos, o debate jurisprudencial acerca da matéria e a análise do direito estrangeiro, por meio do qual será possível verificar as diversas formas pelas quais este assunto vem sendo tratado em diferentes países. No último Capítulo será analisada a forma de rateio federativo dessas receitas, com ênfase na questão petrolífera que se encontra em acirrado debate no Supremo Tribunal Federal, por meio de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade de natureza interfederativa. Embora o foco deste trabalho, nesse tópico, seja o rateio espacial dessas receitas – que se configura no federalismo fiscal –, breve análise será realizada sobre o rateio temporal dessas receitas, pela utilização do Fundo Social do Pré-Sal, que foi criado com nítido caráter de implementação de justiça intergeracional. Por fim, nas Conclusões, será respondida a questão supra-apontada com base nas informações apresentadas ao longo do estudo. Não será feito um resumo, mas ofertadas respostas ao questionamento acima delineado. Regis Fernandes de Oliveira, Receitas não tributárias (taxas e preços públicos), 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 9. “Art. 20. São bens da União: § 1.º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”

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