Capítulo 39 - Desconsideração do direito estrangeiro - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 39- Desconsideração do direito estrangeiro Outro elemento que chama a atenção na presente Lei é o fato dela utilizar conceitos próprios do Direito material brasileiro para justificar a sua aplicação ultraterritorial. Porém, os ordenamentos jurídicos de diversos países não têm regras harmonizadas nessa matéria, divergindo sobre conceitos como controle societário e extensão da jurisdição administrativa. A presente Lei v.g. considera como empresas submetidas às suas regras aquelas controladas, direta ou indiretamente, por sociedades estrangeiras, devendo o controle ser considerado segundo a Lei Societária brasileira, em especial o artigo 116 da Lei de 6.404/76. Nesse ponto, é sabido que o Brasil tem uma noção particular de controle societário 1 Assim, não é possível controle minoritário no Brasil, ao contrário de outros países 2 , na medida em que a nossa Lei Societária impõe direitos e deveres exclusivamente àquele que detém a maioria absoluta do capital votante. Na mesma linha, os parágrafos 1º a 3º, do artigo 5º, da presente Lei, referem-se a conceitos pátrios, puramente nacionais, para definir o que faz parte da estrutura da administração pública estrangeira e quem deve ser considerado agente público estrangeiro. Ela define, ainda, se uma empresa é controlada pelo Estado estrangeiro, independentemente desse Estado considerá-la como integrante de sua Administração Pública. 3 Para responder a essa indagação, é necessário recorrer aos princípios de Direito Internacional Privado. É sabido que o Brasil adota a qualificação lege fori para determinar qual o Direito aplicável a uma lide internacional, ou seja: se Direito pátrio ou o de um Estado estrangeiro. Assim, para determinar se uma questão diz respeito, v.g. ao Direito Penal, ao Direito de Família ou ao Direito Contratual, o juiz brasileiro deve levar em consideração os conceitos próprios do nosso Direito nacional. Ademais, cumpre destacar que o artigo 16 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) exclui, expressamente, o reenvio. Desse modo, o juiz brasileiro não aplicará o Direito Internacional Privado do país cuja lei foi considerada aplicável pela LINDB, mas apenas as regras de Direito material desse Direito estrangeiro. Em consequência, a Lei determinada como aplicável pela LINB será efetivamente reconhecida pelo juiz brasileiro, sendo irrelevante se ela manda que a questão seja resolvida segundo as regras de um terceiro Estado. Para atenuar os inconvenientes da qualificação lege fori e da ausência de reenvio, alguns autores sugerem considerar-se as categorias jurídicas lege causae, ou seja, da Lei determinada como aplicável pelas regras de conflito do foro. Nessa linha, Battifol e Lagarde sustentam que na hipótese de o juiz estar diante de um instituto estrangeiro desconhecido do Direito local, o julgador deve promover uma qualificação prévia e informal segundo o Direito estrangeiro aplicável. Deve, o juiz, consultar tal Direito, de onde emana o instituto em questão, para descobrir a natureza de tal instituto. Somente assim ele poderá aplicar uma qualificação lege fori adequada 4 . Essa teoria jusinternacionalista deve, com efeito, orientar a aplicação da presente Lei, de forma que o Direito estrangeiro seja consultado sobre a natureza dos atos praticados sobre o seu território antes de aplicar ultraterritorialmente a Lei brasileira. Se a regra é a qualificação lege fori, pois o julgador está mais habituado aos conceitos próprios de seu sistema jurídico, essa regra deve ser suficientemente flexível para levar em consideração elementos do Direito estrangeiro, principalmente quando a matéria em questão é diferentemente tratada pela lege causae. É o que ocorre com os conceitos de corrupção, de controle societário e de Administração Pública. Ora, sabemos que determinados atos punidos pelo Direito brasileiro não são considerados ilícitos em outros países, principalmente pela abrangência daqueles previstos no artigo 5º da presente Lei. Da mesma forma, o Direito brasileiro possui conceitos bastante peculiares de controle societário e de Administração Pública, que não são encontrados em muitos países, como reiterado. A consideração dos conceitos estrangeiros, antes de se proceder à aplicação dos princípios nacionais à matéria processual, é uma medida de bom senso, de respeito à soberania estrangeira e que já faz parte da disciplina da ultraterritorialidade no Brasil, nos termos do reiterado artigo 7º, § 2º, b, do Código Penal ao exigir que o ato seja punível também no local onde foi cometido. Essa consulta à lex causae é fundamental para evitar aplicações unilaterais e irrazoáveis da presente Lei, não apenas na tentativa de punição de um ato que é perfeitamente lícito dentro do ambiente onde foi praticado, mas também pela punição de atos contra pessoas que não são agentes públicos ou que não fazem parte da Administração Pública do outro Estado. Caso contrário, o Brasil estará intervindo na soberania estrangeira para punir atos que a Lei local não considera como prática de corrupção e ainda estendendo a aplicação da presente Lei a casos de corrupção privada, o que não é, deforma alguma, o seu objeto e a sua finalidade. Ademais, essa violação do Direito Internacional abriria uma brecha, segundo o princípio da reciprocidade e da proteção de sua soberania, para que Estados estrangeiros aplicassem ultraterritorialmente suas leis contra atos praticados no território brasileiro. Assim, v.g., um país estrangeiro poderia (i) punir atos cometidos no Brasil por pessoas jurídicas brasileiras e que aqui não são puníveis, ou (ii) punir pessoas jurídicas brasileiras por atos co metidos contra sociedades que possuem participação minoritária do Estado e que aqui são consideradas privadas, mas segundo o Direito estrangeiro aplicável seriam parte da Administração Pública. § 2º Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais. § 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais”.

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