Capítulo 54 - Fundamentos da punição objetiva no plano administrativo - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 54- Fundamentos da punição objetiva no plano administrativo Decidiu o legislador optar pela punição (jus puniendi) administrativa da pessoa jurídica pela conduta corruptiva, ao invés de incluí-lo diretamente na esfera penal. A escolha tem vários fundamentos, sendo o primeiro deles a própria responsabilização objetiva que encontra no Direito Penal uma dificuldade fundamental, qual seja a falta do elemento volitivo, o dolo como a vontade livre e consciente de obter benefício que sabe ilícito 1 . Com efeito, na esfera estritamente penal não há responsabilidade sem dolo ou culpa. Somente a culpa pode ser objetivada dentro da teoria do risco importada do Direito Civil. Daí o crime culposo e não doloso. Esse elemento volitivo do ilícito, no entanto, não se adequa à natureza da pessoa jurídica a cuja ação está absolutamente ausente o fator psicológico – próprio da pessoa física – e que é, no Direito Penal, o fundamento do tipo subjetivo requerido. Daí falar a doutrina e a jurisprudência penal em ausência de vontade da pessoa jurídica, para assim excluí-la do seu âmbito. A respeito, Sergio Salomão Schecaira em estudo que, segundo Tangerino, tornou-se referência sobre a matéria, afirma: “não há responsabilidade (penal) sem culpa e não tendo as pessoas jurídicas inteligência e vontade não há falar-se em culpa das pessoas jurídicas. (...) 2 ”. Aí encontra-se a questão fundamental, muito bem colocada: – ausência do elemento psicológico na ação, na atividade e na conduta da pessoa jurídica. A ação da pessoa jurídica é focada unicamente na consecução do seu objeto social, diferentemente da pessoa física que age dentro de um universo caracterizado pelas ambiguidades psicológicas que são próprias da natureza humana. Há na ação da pessoa física o livre arbítrio de agir numa ou noutra direção, conforme as suas impulsões psicológicas irredutíveis em confronto com os valores morais, sociais e jurídicos que a constrange. Trata-se de um mundo inteiramente diverso o da pessoa jurídica no que respeita à dinâmica de sua ação, ou seja, de sua conduta. Na pessoa jurídica não há escolhas: ela deve sempre e unicamente agir no estrito limite de seu objeto social, inscrito em sua lei interna. Não há fator psicológico nessa ação única e direcionada. Não há impulsão de sentimentos irredutíveis próprios da conduta humana, que, como referido, é uma mistura ambígua de agir ou não agir, de fazer neste ou naquele sentido, de se conformar, às vezes, com os valores morais, sociais e as normas jurídicas e noutras aos sentimentos primitivos que a conduzem desde a pequena transgressão ate à marginalidade. O mundo da pessoa jurídica é inteiramente diverso. Sua ação e sua conduta visam objetivamente um determinado fim, para cuja consecução não entram aspectos psicológicos. Não há o elemento volitivo, de natureza psicológica. Na consecução de seu objeto social, a pessoa jurídica, objetivamente se conduz na conformidade da lei ou contrariamente a ela, tendo, no entanto, sempre em vista a realização do seu objeto, pré-determinado em seu estatuto. A sua ação, ou seja, a sua conduta no cumprimento desse fim societário ou associativo é sempre objetiva, não se movendo pela impulsão psicológica e pela livre manifestação de vontade, como ocorre com a pessoa física. E, não havendo vontade psicológica na ação da pessoa jurídica, deve sua conduta ser objetivamente apurada no capítulo de sua desconformidade com a lei (ilicitude). Não há outro caminho, não existe outro critério no capítulo da pessoa jurídica. Impõe-se considerar como o único elemento do delito o tipo objetivo com a desconsideração do tipo subjetivo, o que remete os delitos e as punições instituídos na presente Lei para o campo do Direito Administrativo. Este, no entanto, não tem caráter meramente sancionatório, mas propriamente penal, pois a conduta corruptiva constitui um dano enorme ao bem jurídico representado pelo Poder Público, na sua condição fiduciária precípua de promotor dos interesses da coletividade. O delito corruptivo é praticado no seio do próprio Estado, mediante concurso com os agentes públicos dele participantes. Assim, ao delito corruptivo praticado pela pessoa jurídica corresponde um delito criminal da parte do agente público que, utilizando os meios próprios do Poder Público, incorre nos tipos de crimes colecionados no Código Penal et extra. Em consequência desse paralelismo, à ação criminosa do agente público na prática de atos de corrupção deve corresponder uma conduta igualmente delituosa da pessoa jurídica que, tanto quanto aquele, procura benefício ilícito no seio dos entes estatais. Por isso que a punição (jus puniendi) das pessoas jurídicas corruptas se faz através de processo administrativo de caráter penal e não meramente sancionatório.

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