Capítulo 59 - Tipificação das condutas lesivas à administração pública nacional ou estrangeira

Capítulo 59- Tipificação das condutas lesivas à administração pública nacional ou estrangeira - tipos objetivos O art. 5º da presente Lei elenca os tipos objetivos de delito que serão objeto do processo penal-administrativo (Capítulo IV). São ali definidos como atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira todos os que atentem (i) contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro; (ii) contra os princípios da administração pública e (iii) contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Em seguida, o art. 5º individualiza os tipos objetivos que configuram o delito de corrupção praticado pelas pessoas jurídicas que são enunciadas no parágrafo único do art. 1º. Essa tipificação do art. 5º descreve objetivamente as condutas corruptivas que constituem o delito de corrupção praticado pelas pessoas jurídicas. Cada um dos onze tipos objetivos elencados no mesmo art. 5º contém suficientemente os elementos descritivos de delito corruptivo punível pela presente Lei 1 . Não se trata de tipos objetivos incompletos (em branco) que apresentam expressões que remetem a outras leis, ou seja, que demandam, para a compreensão do seu significado e de sua extensão, de conceitos contidos em diversos ramos do Ordena mento. São autoexplicativos os tipos objetivos contidos no art. 5º. Somente faz exceção o tipo objetivo contido na letra g do inciso IV, que remete ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, próprio do Direito Administrativo. As onze definições de prática corruptiva do art. 5º descrevem a conduta delituosa da pessoa jurídica por comissão pura (proatividade delituosa) ou por comissão omissiva (aceitação da conduta corruptiva instigada pelo agente público). A conduta corruptiva da pessoa jurídica constitui o núcleo dos onze tipos objetivos (art. 5º) na medida em que indicam a finalidade de prática delituosa, como seja, a obtenção de benefício indevido para si, exclusivamente ou não (art. 2º). Trata-se, portanto, de conduta corruptiva típica da pessoa jurídica como sujeito ativo do delito. Somente a pessoa jurídica é imputável, e não os seus dirigentes, cujos delitos corruptivos são objeto de outras leis e de outros procedimentos administrativos e judiciais, penais-civis, como reiterado. A conduta corruptiva da pessoa jurídica na presente Lei resulta de comissão pura (proatividade) ou de comissão omissiva (receptividade), ou seja: o delito corruptivo praticado pela pessoa jurídica pode ser originado de sua própria iniciativa ou ser receptiva da instigação do agente público (v.g. concussão). Assim, a pessoa jurídica, colocada na posição receptiva diante da instigação corruptiva do agente público, tem o dever de, não apenas resistir, como de agir no sentido de impedir a sua consumação. Não obstante, não é imputável à pessoa jurídica a falta de iniciativa de denunciar a tentativa do delito corruptivo instigado, seja ao ente em que atua o agente público corrupto, seja perante as autoridades competentes para investigá-lo e puni-lo. (corregedorias, controladorias, Ministério Público, Polícia Fede- ral, etc.). Com efeito, não contém a presente Lei um tipo objetivo que condene a pessoa jurídica pelo fato dela silenciar diante do ilícito proposto ou instigado pelo agente público. A omissão de denúncia não é punível exatamente pela falta de tipificação objetiva, que não consta do art. 5º da presente Lei. Por isso não é sancionável . Não obstante, tal denúncia espontânea pode ocorrer no caso de instigação ao delito corruptivo em virtude do regime de conformidade (compliance) adotado pela pessoa jurídica. Assim, de um lado a pessoa jurídica no caso de comissão omissiva tem o inexcusável dever jurídico de recusar a prática do delito proposto pelo agente funcional. Por outro, não tem a obrigação legal de denunciar o agente público instigador do delito, mesmo se a conduta instigativa deste for gravemente danosa ao Poder Público. Aí se incluem, obviamente, os sujeitos da esfera política, e os com representação ou nomeação de confiança, tanto do Poder Executivo como do Legislativo. Desse modo, não há que se falar em vitimização da pessoa jurídica no seu confronto com o agente público que propõe ou mesmo exige dela recompensa ilícita para a prática de um ato administrativo delituoso, ainda que aparentemente legal (fraude). Cabe, aqui, perfeitamente a imputação objetiva descrita no art. 5º na medida em que a pessoa jurídica ao se relacionar com o Poder Público corre sempre o risco de ser constrangida a práticas corruptivas por parte de agentes políticos e administrativos. Em ambos os casos (lei ou contrato) não se trata de um risco remoto, mas presente, atual, constante e permanente. É um risco absolutamente previsível submetido sempre a uma norma que separa a licitude da ilicitude, esta última objetivamente tipificada no art. 5º da presente Lei. E essa tipificação do ilícito no campo da corrupção permite a imputação objetiva da pessoa jurídica, seja nos delitos de comissão pura (proatividade) ou de comissão omissiva (recepção delituosa instigada pelo agente público). Não é por acaso que a presente Lei outorga competência administrativa para a punição (jus puniendi) dos atos corruptivos que ela tipifica como lesivos ao bem jurídico (Capítulo IV), assim como atribui ao Judiciário (Capítulo VI) a forma de reparação do dano material e moral causado ao Estado. E essa imputação objetiva de que trata o art. 5º da presente Lei refere-se, portanto, à atividade da pessoa jurídica, sem necessidade de verificar o efetivo benefício por ela almejado em virtude da prática corruptiva, como referido. A presente Lei, portanto, diante da necessária relação da pessoa jurídica com o Poder Público, tanto na área das obrigações legais (tributos) como convencionais, não leva nunca em conta o resultado, mas a ilicitude da conduta corruptiva. Desse modo, existe para a configuração da imputação objetiva nos delitos de corrupção tipificados no art. 5º da presente Lei, uma relação necessária entre a conduta de corromper e de ser corrompido, promovida ou assumida pela pessoa jurídica, visando um benefício alcançável, não necessariamente alcançado. Isto posto, a presente Lei tipifica objetivamente as condutas corruptivas praticáveis pela pessoa jurídica de forma descritiva tendo por objeto o sujeito passivo do delito, o Estado, como centro de irradiação do bem jurídico lesado, a coletividade. Trata-se, portanto, de delito próprio, ou seja, praticado necessariamente por uma pessoa jurídica, de direito ou de fato (art. 1º). A pessoa jurídica é, portanto, o sujeito ativo de que trata especificamente a presente Lei, cuja conduta corruptiva é objetivamente imputável consoante os tipos descritos no seu art. 5º. Sujeito passivo no caso é o Estado em quaisquer de seus Poderes e suas instâncias federativas na qualidade de titular direto do bem jurídico lesado pela conduta da pessoa jurídica corrupta. E, o Estado, com efeito, nos casos de corrupção tipificados na presente Lei é, ao mesmo tempo, sujeito passivo – na qualidade de entidade fiduciária do bem jurídico de toda a sociedade (Capítulo IV) – e, material e moralmente, como vítima final da conduta corruptiva da pessoa jurídica (Capítulo VI). E o ilícito corruptivo objetivamente tipificado na presente Lei, insere-se na categoria do delito formal, ou seja, de mera conduta em que pode ou não haver o resultado almejado pela pessoa jurídica. Consumam-se os delitos tipificados no art. 5º com a comprovada conduta do agente (pessoa jurídica), por comissão pura ou por comissão omissiva 2 . E na tipificação objetiva constante da presente Lei, além de ser formal o delito corruptivo, pode ele ainda ser permanente, ou seja, resultar de uma relação contínua da pessoa jurídica corruptora com o Poder Público, em suas diversas esferas – política, administrativa e judiciária– materializando-se aqui ou ali, conforme as circunstâncias. Todas essas condutas delituosas são propiciadas pela ligação contínua da pessoa jurídica com os aparelhos do Estado em que atua ou de cuja omissão se beneficia, conforme as oportunidades já surgidas ou que irão surgir no curto, médio e longo prazo. Podem, assim, os delitos corruptivos tipificados na presente Lei ser habituais, mediante a reiteração de condutas que se prolongam no tempo, como será o caso v.g. de medições ilícitas em obras públicas 3 Todos os tipos objetivos instituídos no art. 5º constituem delitos praticados por pessoas jurídicas enunciadas no art. 1º contra o Poder Público na posição de particular, ainda que seja ela uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista. É, v.g., o caso da Petrobras que opera como pessoa jurídica de Direito Privado, tendo relações dessa natureza com o Poder Público, muito embora seja controlada pelo Estado, que nomeia todos os seus dirigentes e quadros superiores. Há, com efeito, uma ambiguidade de posições no caso das empresas públicas e de economia mista. Embora elas integrem o patrimônio do Estado, através das ações de controle e do poder estatutário de nomear seus administradores e a maioria de seus conselheiros, além de ser submetida a sua gestão ao Tribunal de Contas, tais empresas se relacionam com o Poder Público como pessoas jurídicas de Direito Privado, na qualidade de contribuintes de impostos e contratantes de serviços e concessões.

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