Capítulo 61 - Inciso II do art. 5º - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 61. Inciso II do art. 5º Já o inciso II do art. 5º tipifica um delito de conduta representado pelos subsídios pontuais ou continuados da pessoa jurídica a práticas ilícitas cometidas por agentes públicos. O objeto jurídico do processo penal-administrativo é o Estado, atingido na sua moralidade. O sujeito ativo é a pessoa jurídica enunciada no parágrafo único do art. 1º. O sujeito passivo é Estado. E a consumação de delito se dá pelo efetivo financiamento aos agentes públicos em suas práticas ilícitas. Esse tipo é enunciado com uma referência à matéria processual de comprovação, repetido no inciso III. Tal inserção é evidentemente desnecessária, pois todos os delitos instituídos no art. 5º demandam o escrutínio do devido processo penal-administrativo do qual faz parte a comprovação objetiva do delito. A propósito, a comprovação do financiamento de atividades ilícitas dos agentes públicos pode se dar na própria atividade patrocinada e não, necessariamente, na contabilidade da pessoa jurídica patrocinadora. Isto porque os recursos podem ser, por sua vez, de origem ilícita e não aparecerem nos lançamentos da pessoa jurídica corrupta. Ou então, são realizados por concurso de outra pessoa jurídica, ou física, sem que se possa medi-los em termos econômicos ou financeiros. É o caso, v.g., de empréstimo de apartamento de propriedade de um advogado em Nova Iorque a um juiz. Esse advogado atendeu nesse empréstimo de uma semana a um pedido de pessoa jurídica seu cliente. Pergunta-se: – qual o valor econômico desse favorecimento ilícito ao magistrado. Trata-se de empréstimo de um local, sem custo adicional para nenhum dos envolvidos, nem para a pessoa jurídica interessada no favoritismo do juiz, nem para o advogado da pessoa interessada, ao emprestar o imóvel. Portanto, a comprovação do ilícito corruptivo pode ter natureza econômico-financeira ou não. Daí a comprovação se referir à conduta efetiva da pessoa jurídica, ao beneficiar ilicitamente o agente público que sabe não poder receber tais vantagens em face dos princípios da moralidade e da impessoalidade. Isto posto, o tipo objetivo refere-se a um concurso delitivo, ocasional ou permanente, da pessoa jurídica com agentes políticos, administrativos e judiciais que proporciona a estes o recebimento continuado ou episódico de benesses indevidas, visando constrange-los, agora ou no futuro, à prática de abuso de poder, de desvio de poder e de desvio de finalidade no exercício de suas atribuições e funções políticas, administrativas e judiciárias. E, por isso, quando a norma fala em comprovação refere-se aos meios empregados pela pessoa jurídica nessa prática delituosa e não aos valores econômico-financeiros dispendidos para a consumação do delito corruptivo. E também o tipo não se refere ao benefício usufruído pela pessoa jurídica, mesmo porque ele poderá não se efetivar. O juiz, v.g. que se hospedou de graça no apartamento do advogado da pessoa jurídica interessada no delito prolata uma sentença contra ela, a despeito das benesses recebidas. Por isso que não se trata de delito de resultado, e sim formal ou de mera conduta, como reiterado. Ademais, a pessoa jurídica ao financiar atividades ilícitas dos agentes públicos pode não vislumbrar um determinado benefício direto ou indireto, imediato ou mediato, mas simplesmente manter sua influência delitiva sobre o Poder Público, para nele manipular os seus interesses se e quando lhe aprouver ou necessitar e, se possível, permanentemente, abrangendo, se possível, os agentes políticos, os administrativos e os judiciários, ou seja, todos os níveis influentes e decisórios dos Poderes Executivo, Judiciário, Legislativo e do Ministério Público. Esse tipo objetivo de delito não está necessariamente vinculado ao correspondente exercício de específica função pública, no caso concreto, ou seja, não está ligado a nenhum ato determinado de ofício do agente público O delito corruptivo se configura pelo comércio de favores que tanto a pessoa jurídica que o promove como o agente público que o recebe, sabem ilícitos. Trata-se, portanto, de um delito corruptivo de favorecimento de um agente público ou de uma categoria deles que, per manente ou episodicamente, dentro ou fora das suas atribuições e funções, levam em conta a possibilidade de abuso, de desvio de poder e de desvio de finalidade. O delito corruptivo fere aos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade (art. 37 da CF) que devem, ambos, pautar precipuamente o exercício das atribuições e das funções públicas, estando a tais princípios vinculados as pessoas jurídicas, consoante o caput do presente art. 5º. Por força da presente Lei a pessoa jurídica não pode corromper o agente público, instigando-o ao descumprimento, presente ou futuro, dos princípios de moralidade, de impessoalidade e de legalidade que norteiam o exercício das funções e das atribuições no seio do Poder Público. E, também, comete o delito corruptivo a pessoa jurídica quando é instigada pelo próprio agente público, individual ou coletivamente, a promover benesses a seu favor. A propósito, quando o tipo objetivo fala em subvencionar a prática de atos ilícitos, não se restringe ele a atos intrinsecamente ilícitos, mas também aqueles que se tornam ilícitos a partir da promoção da pessoa jurídica. Assim, v.g., a associação de servidores públicos promove um congresso em determinado e aprazível local. Essa atividade não tem nada de ilícita em si. Porém, na medida em que é patrocinada por pessoa jurídica que tenha interesses junto aos entes envolvidos na festiva reunião ela se torna ilícita no âmbito da presente Lei. O mesmo se diga de uma viagem ao exterior de agente público que, obviamente, não é ilícita. Porém, se financiada, subsidiada, custeada ou patrocinada pela pessoa jurídica que depende de atos de ofício presentes ou futuros do beneficiado, caracteriza-se objetivamente o delito. O exemplo serve para agentes políticos, administrativos, judiciários e membros do Ministério Público e para as autoridade das três instâncias federativas, como reiterado. Já o financiamento de um carro para o agente público constitui desde logo um delito tipificado objetivamente neste inciso II. Desse modo, a quebra do princípio da moralidade, aceitando financiamentos, patrocínios, cobertura de despesas e subvenções por parte da pessoa jurídica interessada, constitui o ilícito objetivamente tipificado no presente inciso II. Trata-se, com efeito, tal promoção de uma espécie de suborno difuso que a pessoa jurídica pratica, ao procurar inibir o agente público, no presente ou no futuro, de agir rigorosamente conforme a lei, instigando-o, por ação ou omissão, a agir com abuso de poder, desvio de poder e desvio de finalidade (fraude) no exercício de suas atribuições e funções. A prática é comuníssima, inclusive com o concurso de outras pessoas jurídicas e físicas.

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