Capítulo 64 - Ainda a letra “a” do inciso IV do art. 5º - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 64- Ainda a letra a do inciso IV do art. 5º O presente tipo objetivo refere-se à fraude nas obrigações pré contratuais (licitação) e contratuais (adjudicação) da pessoa jurídica junto ao Poder Público, mediante o concurso de licitantes, visando frustrar ou fraudar certames e leilões públicos. A fraude é o núcleo fundamental do presente tipo objetivo, como igualmente o é dos que se seguem nas letras b, c, d, e, “f ”, g. Trata-se de desvio de finalidade da concorrência pública (licitação e leilão) e da contratação administrativa com o objeti vo de favorecer determinadas pessoas jurídicas. Assim, a fraude decorre da prática dos atos formalmente legais da licitação pública e da contratação administrativa, porém com a finalidade ilícita de prejudicar terceiros – no caso o Poder Público e os demais licitantes, frustrando a aplicação regular e legítima das respectivas regras jurídicas. Trata-se de artifício delituoso empregado pela pessoa jurídica, em concurso, com agente público, para desviar a finalidade precípua da licitação e dos leilões e consequentes adjudicações de obras, de fornecimentos, de serviços, de concessões e de permissões. O que caracteriza a fraude – núcleo principal dos tipos objetivos constantes das letras a a g do presente inciso IV – é que se utiliza das normas e dos regulamentos da própria licitação e dos contratos administrativos para ilicitamente ilidí-los, sem que o delito ocorra de forma ostensiva, mas sempre invocando as próprias regras administrativas. Há na fraude uma exterioridade, ou seja, a utilização de meio idôneo (licitação, contratação e sua execução), numa aparência de cumprimento da lei e dos regulamentos pertinentes que, no entanto, visa a delituosamente inverter a finalidade de sua aplicação no caso concreto da licitação e da contratação administrativa e de sua execução. Na fraude usa a pessoa jurídica meio idôneo, como referido, representado pela licitação, adjudicação e execução do contrato administrativo para ilidir a sua finalidade precípua de atender o interesse público. A fraude, para os fins e efeitos da presente Lei, tem por objeto jurídico o Poder Público e como efeito a lesão não apenas material como moral ao Estado, enquanto titular fiduciário dos interesses coletivos. A fraude, portanto, é meio utilizado pela pessoa jurídica em concurso com o agente público para lesar o Estado. O que a presente Lei pune é a conduta da pessoa jurídica que lesa ou tenta lesar o bem jurídico na sua relação de natureza contratual com o Poder Público. Trata-se, portanto, a fraude de meio delituoso de procura de benefício ilícito mediante desvio de finalidade dos atos de licitação, contratação administrativa e sua execução, do que resulta lesão enorme ao bem jurídico. Assim, na fraude, adotam-se todas as regras administrativas de concorrência e do contrato administrativo para desviá-las de sua finalidade, que é a da prevalência do interesse público sobre aquele privado. Diferentemente, portando, da simulação que é o ilícito que procura descumprir a lei mediante a prática de atos e negócios jurídicos completamente diversos, sujeitos a outras regras jurídicas 1 . A fraude licitatória e contratual objetivamente tipificada no presente inciso IV frustra o direito dos licitantes de participar ou de adjudicar os contratos administrativos respectivos, em detrimento do interesse coletivo, a cargo do Estado. Causa a fraude, portanto, duplo dano: (i) às pessoas jurídicas frustradas no seu direito de participar das licitações e leilões ou, deles participando, de adjudicar o negócio público que é o seu objeto e (ii) ao Estado que se frustra no cumprimento de sua precípua finalidade de atender ao interesse público. Para os efeitos da presente lei a caracterização da fraude se dá, como reiterado, pelo concurso entre a pessoa jurídica interessada e o agente público encarregado dos atos de ofício referentes ao processo de licitação, de leilão, de contratação e de sua execução. Podem também integrar esse concurso delituoso de corrupção agentes hierárquicos da Administração ou integrantes dos Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público, que, assim, compõem o quadro concursal do delito. O objeto jurídico desse concurso delitivo é o Poder Público no tocante à sua moralidade e que, assim, é o sujeito passivo do delito de corrupção. Os sujeitos ativos são as pessoas jurídicas que integram o concurso delituoso, penalmente solidárias pelos efeitos de sua conduta. A consumação do delito corruptivo se dá pela conduta das pessoas jurídicas concertadas, independentemente de logra rem, de fato, praticar a fraude de distorção do processo da licitação ou leilão. Trata-se, como todos os tipos objetivos instituídos na presente Lei, de delito formal, de mera conduta, sendo irrelevante o resultado para que se caracterize, como referido. A consumação depende da participação do agente público no concurso de pessoas envolvidas nesse tipo de prática delituosa. Trata-se, com efeito, de delito objetivo que, para os fins e efeitos da presente Lei não pode ocorrer isoladamente, sem o concurso do agente público encarregado do certame licitatório, do leilão, da adjudicação e da execução do contrato administra tivo. Nesse tipo objetivo, v.g. estão os ajustes que fazem as em preiteiras e as fornecedoras visando manipular os lances que oferecem no certame para, assim, beneficiar uma delas. Trata-se de um sistema de rodízio, como referido. Assim, a, b, c e d oferecem lances maiores pré ajustados, a fim de que a adjudique a obra ou o fornecimento por um valor que não prevaleceria se o certame fosse regular, mediante lances livres . Fica ajustado que na próxima concorrência b será beneficiada nesse concurso delituoso, e assim sucessivamente. Esse tipo de delito é muito comum dentre os licitantes em obras, serviços, fornecimentos, concessões e permissões públicas. O presente tipo objetivo ao falar em frustrar está se referindo à ilicitude do resultado do certame, cujo objeto é fraudulentamente adjudicado a pessoa jurídica participante que logrou distorcer delituosamente a sua finalidade que era a de estabelecer a adjudicação pelo menor preço e nas melhores condições ou pelo melhor prêmio nos casos de concessão e de permissão. Como reiterado, esse tipo de corrupção demanda, necessariamente, o concurso de agente público, visando trazer um benefício ilícito para as pessoas jurídicas pseudo licitantes. Isto posto, os termos “frustrar” e “fraudar” são recorren tes, podendo mesmo se dizer que as pessoas jurídicas concertadas fraudam o certame do que resulta a frustração de sua finali dade que é exatamente a de estabelecer uma concorrência entre os licitantes, mediante lances livres. “Ajuste” “e “combinação” também são termos recorrentes na medida em que a combinação é sempre um ajuste e vice-versa. Verifica-se que o legislador, nesse passo, procurou instituir um tipo objetivo abrangente de todas as combinações que possam decorrer do concurso de pessoas com o objetivo de fraudar uma concorrência ou um leilão de obras, de serviços e de fornecimentos para o Poder Público. Nesse sentido amplo e abrangente a norma fala “em qual- quer outro expediente” que tenha por objeto ou efeito falsear (fraudar), prejudicar (frustrar) a finalidade do procedimento licitatório. Dentre esses ajustes ou combinações ressalta, como reiterado, a formação de cartel quando se trata de uma grande obra ou de um relevante fornecimento de bens e de prestação de serviços, de concessões e permissões.

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