Capítulo 68 - Letra "e" do inciso IV do art. 5º - Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas

Capítulo 68- Letra e do inciso IV do art. 5º Trata-se de delito de interposição de pessoas visando contornar a declaração de inidoneidade da pessoa jurídica e, portanto, sua inabilitação para participar de licitação pública e para adjudicar as respectivas obras, serviços, fornecimentos, concessões ou permissões. Esse tipo de delito ora objetivamente tipificado visa contornar a Declaração de Inidoneidade prevista, sobretudo, no art. 87, inciso IV da Lei n. 8.666, de 1993, como parâmetro das leis estaduais e municipais que a reiteram. E essa declaração de inidoneidade pode ter como efeito a suspensão ou o cancelamento dos contratos administrativos em curso, a cargo da pessoa jurídica declarada inidônea, como também a inabilitação para participar de novas concorrências públicas ou de leilões públicos. A propósito, cabe lembrar que todos os contratos administrativos para os quais a lei exige licitação são celebrados intuitu personae, ou seja, em razão de condições pessoais da pessoa jurídica contratada, apuradas no procedimento de licitação ou de leilão. Não podem, em consequência, participar dos certames e, muito menos, serem contratantes com o Poder Público, pessoas jurídicas a quem a administração impôs a pena de inidoneidade e, portanto, de inabilitação para ambas as etapas, da licitação e da adjudicação de obras, serviços, fornecimentos, concessões e permissões. Toda a licitação e todo o contrato administrativo têm como características o estrito formalismo exigido por lei e pelos seus regulamentos e a supremacia do Poder Público, em relação ao mesmo na medida em que o seu objeto deve atender precipuamente ao interesse público. Em consequência, o concurso delituoso do agente público pode se dar no curso do contrato administrativo, admitindo a substituição da pessoa jurídica inidônea por outra por ela cons tituída a para o fim de continuar executando as obras, serviços e fornecimentos suspensos ou cancelados por força da aplicação do referido art. 87, inciso IV da Lei n. 8.666, de 1993 e seus sucedâneos. O delito também ocorre na admissão de licitante interposto em licitações ou em leilões, dos quais está inabilitada para participar a pessoa jurídica inidônea. É bom lembrar que essa interposição que conta com a conivência delituosa do agente público pode se verificar no seio de um consórcio de que participa a pessoa jurídica inidônea. Assim, no consórcio já contratado pelo Poder Público procura a pessoa jurídica inidônea substituir-se através da formalidade de transferência fraudulenta de sua participação para, v.g. uma subsidiária integral que constitua ou para outro tipo societário do qual os seus sócios também participam de alguma forma, ou através de interposição de outros sócios ou associados, consagradamente alcunhados de “laranjas”. No caso de consórcio existente, a quem foram adjudicadas as obras, os serviços, os fornecimentos, as concessões e as permissões, a substituição da pessoa jurídica inidônea por aquela constituída para fraudar essa mesma inidoneidade acarreta a solidariedade penal-administrativa das pessoas jurídicas consorciadas, ex vi do art. 4º, § 2º da presente Lei. O que o tipo objetivo ora estudado estabelece é que não podem os requisitos de habilitação demandados pelo edital e pelos contratos administrativos em curso – em que ressaltam os atestados técnicos – serem transferidos para a pessoa jurídica interposta. Todo o acervo técnico da pessoa jurídica está indissoluvelmente gravado pelo ônus da inidoneidade e, portanto, pela inabilitação decretada, não podendo ser “transferido” para a pessoa jurídica interposta. O pressuposto legal é que o interesse da pessoa jurídica inidônea é também o interesse da pessoa jurídica que ela interpõe junto ao Poder Público. Na realidade, não há dualidade de interesses, mas unicamente o interesse da pessoa jurídica inabilitada para relacionar-se contratualmente com o Poder Público. Tanto uma como outra não estão qualificadas para licitar e para contratar com o Estado 1 . Isto posto, a constituição fraudulenta de pessoa jurídica interposta, sua admissão em certames e sua contratação administrativa, isolada ou em consórcio, além de violarem a lei, mediante simulação, também ferem essencialmente o interesse público primário que constitui a finalidade das licitações e das contratações com o Poder Público e respectivas concessões e permissões. O mesmo se diga da interposição de pessoa jurídica já constituída. Aí, como referido, entra o agente público que defere a substituição no contrato administrativo da pessoa jurídica inidônea por outra por ela mesma ou por uma terceira constituída, seja para reintegrar o consórcio, seja individualmente. Da mesma forma, o agente público conduz-se em concurso com a pessoa jurídica inidônea ao habilitar a pessoa jurídica interposta em licitação ou leilão, para contornar a inabilitação administrativa. Nessa conduta, visando beneficiar a pessoa jurídica, o agente público fere o dever de zelar para que a lei seja cumprida, impedindo que, através de um artifício fraudulento, deixe de ser aplicada e cumprida a penalidade imposta. Trata-se de fraude à lei e gravíssima violação ao interesse público. No primeiro caso o agente público transfere, por ato de ofício o contrato em curso para a pessoa jurídica interposta. No segundo, admite o seu ingresso no certame. O objeto jurídico é o Poder Público atingido na sua mo ralidade. O sujeito passivo é o Estado. O sujeito ativo é a pessoa jurídica em concurso com o agente público. Consuma-se o delito pela conduta da pessoa jurídica de promover a interposição de pessoa jurídica para participar do certame, com o concurso do agente público. O requisito é que a pessoa jurídica inidônea constitua ou tra pessoa jurídica ilicitamente ou se aproveite de uma terceira previamente constituída, para habilitá-la a participar da concorrência pública e ipso facto adjudicar o seu objeto ou, então, continuar a executar o contrato administrativo em curso. Outro requisito é que o agente público participe do delito mediante a admissão da pessoa jurídica interposta nas licitações e nos leilões e, ainda, na adjudicação da obra, serviço, fornecimento, concessão e permissão, objeto do certame. O delito ora tipificado objetivamente não se consuma sem esse concurso delituoso entre a pessoa jurídica e o agente público. A propósito, fala o tipo objetivo ora estudado em “criar de modo fraudulento ou irregular”. Esse núcleo do tipo objetivo deve ser esclarecido. Pode haver constituição regular da pessoa jurídica sem que, no entanto, se retire o seu objetivo fraudulento. Assim, a pessoa jurídica interposta pode, pela sua regularidade, ter seus atos constitutivos arquivados na Junta Comercial ou no Registro das Pessoas Jurídicas. Não obstante. a constituição dessa pessoa jurídica interposta é fraudulenta pela sua inclusão no certame ou no contrato administrativo, em substituição àquela inidônea e, portanto, inabilitada. Desse modo, o requisito de ”irregularidade” se refere aos fins ilícitos para os quais foi constituída a pessoa jurídica interposta. Não se pode, portanto, confundir regularidade formal na constituição com regularidade na matrícula da concorrência público ou leilão público. Pode haver, assim, regularidade quanto à forma e irregularidade quanto aos fins da constituição da pessoa jurídica interposta. O mesmo se diga do termo “fraudulento.” A fraude está na participação no certame e na transferência do contrato e não na constituição da pessoa jurídica interposta. Portanto, os dois termos (fraudulento e irregular) se referem à conduta da pessoa jurídica de utilizar a interposição de outra pessoa jurídica regularmente constituída para fraudar a declaração de sua inidoneidade e consequente inabilitação de concorrer ou de transferir contratos administrativos em andamento. Para a configuração do tipo objetivo não é necessário que o quadro de sócios ou de associados da pessoa jurídica interposta seja, mesmo em parte, composto dos mesmos quadros da pessoa jurídica inabilitada. Pode haver a interposição de terceiros alcunhados de “laranjas”. Evidentemente que nessa interposição a pessoa jurídica inabilitada procura utilizar-se do nome de outras pessoas físicas ou jurídicas para compor o quadro de sócios ou de associados para, assim, acobertar a interposição. Neste aspecto pode se falar também em fraude na constituição, em seu aspecto formal e registrário (junta comercial, registro das pessoas jurídicas)

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